Houve mensagens de preocupação com o que resta do ano escolar. Críticas as restrições aos direitos dos trabalhadores, que Marcelo Rebelo de Sousa incluiu no decreto que prolonga o Estado de Emergência. Alertas para as condições (ou falta delas) com que os profissionais de saúde são chamados a combater a pandemia da Covid-19. E um recado direto aos bancos para que deixem a procura de lucro de lado e respondam ao momento de crise que o país atravessa.
O governo saiu da Assembleia da República com luz verde para definir medidas mais apertadas de cumprimento do Estado de Emergência. Mas também ouviu as preocupações dos partidos que lhe deram esse aval e daqueles que optaram por ficar de fora.
O aviso à banca
Para que ficasse bem “claro”, o líder do PSD disse-o com todas as letras: “O objetivo da banca deve ser de lucro zero nos exercícios de 2020 e 2021.” Se assim não for, será “uma vergonha” e um sinal de “ingratidão” daquele setor para com os portugueses, a quem a banca “deve muito, mesmo muito” pelos apoios concedidos ao longo de uma década. Esse último tiro do líder do PSD foi direto aos bancos, mas o social-democrata já tinha deixado alertas claros a um Governo que, a par da crise de saúde pública, tem uma economia para salvar.
Rio não foi o único a apontar baterias ao setor bancário, que “não pode querer ganhar dinheiro com a crise”. Nesse capítulo, a intervenção do líder do PSD no Parlamento e as palavras da coordenadora do Bloco de Esquerda pareciam tiradas a papel químico. É que, além do voto a favor do prolongamento do Estado de Emergência garantido pelos dois partidos, também Catarina Martins trazia recados para os bancos nacionais. O Governo deve “chamar a banca e as grandes empresas às suas responsabilidades, desde logo também as energéticas, e proibir a distribuição de dividendos”, defendeu a líder do Bloco de Esquerda.
Fazer mais do que o necessário
A expressão é de António Costa, e o primeiro-ministro tem-na usado muitas vezes para explicar o modo como encara o reforço de poderes que o Estado de Emergência concede ao Governo: Costa quer fazer tudo o que for preciso para combater a pandemia e nada mais do que o estritamente necessário para atingir esse fim. Ora, depois de dar o recado à banca, Catarina Martins tinha outra mensagem para entregar ao chefe do Governo.
Depois de 15 dias de absoluta colaboração dos portugueses com as indicações das autoridades de saúde, o Bloco de Esquerda tem a “convicção de que as referências ao direito à greve e ao direito à resistência, não acrescentando nada aos poderes constitucionais do Governo face a uma calamidade, não deviam constar do decreto” que o Presidente da República entregou na Assembleia da República.
“Para responder a esta pandemia, o Governo não precisa de se proteger dos direitos dos trabalhadores. Precisa, sim, de proteger quem trabalha, reforçando direitos; precisa de proteger o emprego, a saúde, os rendimentos e as condições de segurança no exercício de todas as atividades que continuam”, defendeu Catarina Martins, numa recado a António Costa e momentos antes de o Governo se reunir em Conselho de Ministros para definir as linhas finas de aplicação do novo decreto presidencial.
Na mesma linha, o líder da bancada comunista alertou para os “despedimentos abusivos, sem fundamentação legal e, em alguns casos com recurso à coação e ameaça, para que os trabalhadores aceitem o próprio despedimento”. João Oliveira deixou a questão: “É a aplicação de Estado de Emergência que está a servir de campo experimental para aplicar abusos sobre o povo?”
Outro ponto do Bloco de Esquerda: os profissionais de saúde – eles que têm, nas palavras do Bloco, sido “incansáveis”. Mas a dedicação não basta, é preciso “dotar o Serviço Nacional de Saúde de todos meios necessários para responder à pandemia”, defendeu Catarina Martins. É que “o perigo de rutura nos cuidados de saúde não está afastado, é muito real”, avisou.
O PCP – que se absteve, mais uma vez, na votação do decreto – também defendeu a ideia de que são necessárias “medidas de reforço do SNS para a resposta que se impõe”.
Apertar o cerco
Olhe-se para a Alemanha, sugeriu Telmo Correia, ainda no tema da Saúde. Sobretudo, olhe-se para aquilo que a Alemanha está a fazer, com a generalização de testes para detetar casos do novo coronavírus entre a população. Porque “só com mais testes teremos uma noção rigorosa da evolução da pandemia no nosso país” e só assim poderão tomar-se decisões fundamentadas sobre os passos seguintes. Esse foi apenas o primeiro recado do CDS. Porque o líder da bancada centrista, que recusa o “unanimismo” político no combate à atual crise de saúde pública, ainda havia de levantar outras duas questões: escolas e segurança.
As filas para a ponte 25 de abril, no último fim de semana, são um dos “fatores de preocupação” para o CDS, ainda que os portugueses estejam a dar uma “lição de civismo” na atual crise. Com um decreto presidencial que abre caminho a medidas mais restritivas do direito à circulação, Telmo Correia quis saber se o Governo vai avançar com um “quadro sancionatório” para as situações de incumprimento das regras impostas. Um quadro que, ressalva, deve ser “proporcional”.
Além disso, o CDS focou a questão das escolas. António Costa garantiu que vai ouvir os partidos antes de o Governo tomar uma decisão sobre o que será do resto do ano letivo. A revisão da medida de encerramento geral das escolas está marcada para exatamente daqui a uma semana (9 de abril), mas “a prioridade é a saúde pública e, por isso, parece indiscutível” para os centristas que “o calendário escolar terá de ser prolongado” e que “é preciso começar a pensar que soluções serão aplicadas” para garantir que os alunos não saem (mais) prejudicados.
Crise sem emergência
Se o PS, o PSD, o Bloco de Esquerda, o CDS e o PAN votaram a favor do prolongamento do Estado de Emergência, isso não aconteceu com o PCP ou o PEV. Nem com o Chega, que há 15 dias tinha juntado o seu voto à maioria favorável à medida. Ou Joacine Katar Moreira, que também se absteve. E o Iniciativa Liberal (IL), que se tinha abstido na primeira votação, mudou também de posição e votou, sozinho, contra o decreto de Marcelo Rebelo de Sousa. Não aprovaram, mas também levaram recados a António Costa.
O problema de André Ventura é o cenário de antecipação da saída de alguns reclusos atualmente a cumprir pena. O Governo tem estado um modelo para aqueles casos em que essa pena está perto de ser cumprida na totalidade e que permita que essas pessoas sejam libertadas antes do tempo, como forma de aliviar a pressão sobre os serviços prisionais na contenção ao novo coronavírus. “O que o Chega não vai aceitar é a libertação de presos das nossas cadeias”, avisou Ventura. “Por muito que nos digam que são medidas de humanidade, temos o dever de não permitir que a crise de saúde se torne uma crise de impunidade.”
Para João Cotrim Figueiredo, são as “linhas vermelhas” que o decreto pisa. “Demasiadas”, na opinião da IL e que não permitem ao partido dar o “benefício da dúvida” que deu há duas semanas a António Costa. Entre o “controlo de preços e racionamento de produtos e materiais sem nunca saber quais, mais limites à liberdade empresarial, mais limitações à circulação de pessoas, alterações arbitrárias a contratos, suspensões adicionais de direitos sindicais, derrogação do código penal”, o partido não aceita a carta branca que o decreto dá ao Governo. “A democracia não está suspensa e o combate a esta epidemia não pode ser pretexto para violar os direitos e as liberdades individuais sem escrutínio e sem crítica”, defendeu o deputado único.