Para André Silva, a máxima de que não se volta a um sítio onde já se foi feliz não passa de mito urbano. Por isso, ao décimo dia oficial de campanha, o porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza (PAN) regressou a Coimbra, onde há cerca de duas décadas se licenciou em Engenharia Civil. Segundo o programa disponibilizado aos jornalistas, a partir das 10h, o deputado estaria no sopé das escadarias monumentais para responder a perguntas de estudantes, mas o formato tem dado poucos frutos e a chuva miudinha também não ajudou.
Em menos de um quarto de hora, André Silva deu corda aos All Star que calça quase religiosamente e, acompanhado por Sandra Carmo (cabeça de lista pelo distrito) e pela restante comitiva, foi pela baixa fora distribuir folhetos com as ideias do partido. Depois da “visita de médico” à Associação Académica de Coimbra, seguiu-se o Mercado Municipal D. Pedro V, onde foi preciso arte e engenho para evitar as bancas onde a carne e outros produtos de origem animal saltavam à vista (e ao olfacto).
Bem diz o povo que não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. Aplicando o aforismo à campanha, como poderia o PAN apelar ao voto de talhantes ou pequenos produtores agrocupecuários enquanto distribuía flyers em que propunha a redução abrupta do consumo de carne? É certo que o deputado não escapou a todos, mas minimizou os riscos ao “cronometrar” as interações.
Ninguém estranhou, portanto, que a carne tenha tido em André Silva um efeito similar ao que a kryptonite produzia em Clark Kent. A “fuga” em direção aos vendedores de frutas e de legumes foi a solução óbvia. E aí veio à tona o talento do candidato.
Ainda que o mercado estivesse praticamente às moscas, o líder do partido demonstrou ter à-vontade e argumentário de sobra para apresentar nas bancas dos produtos mais frescos. E para seduzir gente de todas as faixas etárias. Aos 94 anos, vestida de preto, Maria Pimenteira não se furtou a um diálogo mais prolongado e desabafou: “Eu preciso disto, é a minha vida. Tenho de estar aqui para me entreter. Preciso [de estar aqui] e a minha cabeça também. Faço o que posso… Trago pouco, trago muito, olhe, é o que puder…”
E desengane-se quem achar que nos mercados só se conquistam votos. A páginas tantas, lá surgiram os piropos. “Vocé é mais lindo em pessoa do que na televisão! É um pedaço de mau caminho”, atirou uma comerciante mais destravada, que arrancou uma gargalhada ao candidato. Outra diluiu o galanteio pela comitiva, com uma referência à alimentação: “Por isso é que são todos elegantes, só comem verduras!”
De regresso ao mundo exterior, mais concretamente à descida da Rua Ferreira Borges, André Silva ouviu um desaforo por ter apoiado o reitor da Universidade de Coimbra na política de tolerância zero à carne de vaca nas cantinas – ou na obstinação em fazer a “pedagogia” de desincentivar o “consumo de proteína animal”, de acordo com a semântica do PAN. Contudo, também recebeu palavras de incentivo de um transeunte cujos olhos brilhavam com a hipótese de vir a ser criado um SNS para animais de companhia, como o deputado admitiu, em agosto, à VISÃO. “Eu tenho um cão e não consigo pagar os tratamentos”, contou esse interlocutor, que escutou de André Silva uma resposta pragmática: o projeto “vai para a frente quando o PAN tiver mais deputados”.
Já Américo Fernandes, no interior de uma loja, originou outro momento caricato:
– Vai ganhar ou quê, sr. engenheiro? – perguntou.
– Não vou ganhar, mas quero crescer. Quero ganhar mais deputados, não sou candidato a primeiro-ministro – retorquiu o porta-voz do PAN.
– Nem eu queria, sr. engenheiro!
Ainda que tenha sido cauteloso nos diálogos que travou, a versão “carnívora” de André Silva apareceu quando foi desafiado pelos jornalistas a comentar as sondagens mais recentes, que, na sua opinião, não têm adesão à realidade. “As sondagens de rua dizem-nos que há mais de 3% de pessoas que nos acarinham e que nos apoiam e, acima de tudo, que reconhecem o trabalho do PAN e a querer que nós cresçamos”, sublinhou. Mesmo não respondendo diretamente sobre um eventual taco a taco com o CDS, congratulou-se com o facto de o partido estar a “consolidar[-se] no sistema democrático português” como uma “força política autónoma”.
A terminar a jornada, o deputado voltou às refeições numa cantina social da Universidade de Coimbra. Recusou que o fizesse “simbolicamente”, mas em nome das “muitas saudades” da cidade e dos estudantes. O prato, que já ninguém conseguiu ver – por não ser autorizada a recolha de imagens dentro do refeitório -, foi “evidentemente vegetariano”. Mensagens subliminares, encontre-as quem quiser…