O possível resultado eleitoral do PSD, a 6 de outubro, será uma injustiça para Rui Rio e uma má notícia para a democracia portuguesa. Mas as coisas são como são: do debate desta noite de segunda-feira, com António Costa, fica o amargo de boca de percebermos que o ex-presidente da Câmara do Porto chegou tarde de mais à liderança do PSD. E resta a estranha nostalgia de que estes dois homens podiam muito bem serem n.º 1 e n.º 2 um do outro (independentemente da ordem dos fatores). E de que ambos mostram solidez e preparação política (independentemente do mérito ou demérito das suas propostas, que não avaliamos neste espaço), pelo que o “varrimento” de cena de um deles deixará o País órfão de alternativa, sobretudo tendo em conta o que poderá vir aí, para ocupar o vazio.
A verdade é esta: muito atrás, na grelha de partida das sondagens, Rui Rio tinha hoje uma ténue oportunidade de ganhar alguma dinâmica e de fazer sonhar o povo “laranja”. Para isso, precisava de um golpe de asa que lhe permitisse ganhar claramente o debate. Por impossibilidade ou por incapacidade – nunca o saberemos – desperdiçou essa oportunidade. E, agora, o que o espera é uma longa agonia até à noite eleitoral de daqui a pouco mais de três semanas.
Pareceu, a dada altura, que, finalmente, Rui Rio tinha preparado um tiro certeiro, quando desmascarou o projeto, inscrito no programa do PS, de passar as decisões sobre casos de poder paternal a julgados de paz. Pela reação e incapacidade de explicação, era capaz de apostar que Costa foi apanhado completamente de surpresa, e que desconhecia essa alínea do seu próprio programa. E que, se pudesse, imitaria o PAN e “emendá-la-ia” rapidamente. Mas, ao tiro certeiro de Rui Rio faltaram outros exemplos cirúrgicos que lhe permitissem erguer uma barreira de fogo. E o tiro foi um fogacho.
Pelo semblante de António Costa, num dos raros momentos em que deixou de sorrir, percebeu-se que se sentiu entalado, quando Rio falou da “Justiça de tabacaria”, condenando os julgamentos em praça pública ou os excessos do Ministério Público, a propósito do caso Sócrates ou das buscas no Ministério das Finanças, depois de Mário Centeno ter assistido a jogos de futebol, na tribuna de honra. Foi um momento em que um político mostrou convicção e pugnou por princípios, com coragem e sem cedências ao populismo. Este foi um instante que, no atual panorama e com os atuais protagonistas políticos, só está, reconheça-se, à altura de Rui Rio. Infelizmente, tanta honestidade parece não render votos. Ainda assim, sem complexos, totalmente livre e sabendo-se insuspeito, Rio defendeu indiretamente Sócrates e diretamente Centeno, deixando Costa a remexer-se na cadeira e a titubear qualquer coisa sobre a inevitável mediatização da Justiça. Se fôssemos moscas, teríamos visto um determinado cidadão, residente na Ericeira, a ranger os dentes, no sofá de sua casa: José Sócrates terá dito uns palavrões, perante a reação de Costa. Infelizmente para Rui Rio, não terá sido o único: o povo do PSD não deve ter-lhe perdoado esta. O que esperavam dele era que tivesse aproveitado para lembrar que António Costa chegou a ser n.º 2 de Sócrates no seu primeiro governo… E não que “as pessoas não devem ser penduradas em praça pública”… Rui Rio bateu pontos éticos, mas perdeu pontos eleitorais. Às vezes, é melhor assim. Ora aqui está um homem que pode dormir descansado.
E estes foram momentos picantes, demasiado escassos para abalar a cordialidade da conversa – para infelicidade de Rio, foi disso mesmo que se tratou, e não de um debate. As diferenças de interpretação sobre os resultados económicos da legislatura e, sobretudo, a discussão muito interessante sobre fiscalidade e impostos, matérias em que Rio, pela sua formação, tinha a obrigação de dar um baile, não disfarçaram a proximidade dos dois homens, pelo menos, em relação aos objetivos – e revelaram um António Costa muito mais sólido e convincente do que o seu afável antagonista. Ouvimos dizer que Rui Rio se fechou, nestes últimos dias, em casa, a preparar o debate. Mas, dir-se-ia que quem esteve a estudar os dossiês foi, pelo contrário, António Costa. A forma como Rio (não) explicou a sua proposta de baixa de impostos, que se esperava fosse o seu ponto mais forte, foi, afinal, aquele onde revelou mais amadorismo.
Em suma, António Costa saiu do debate com poucas beliscaduras – e nem quando falou do aumento das contratações na Saúde o líder do PSD se lembrou de contrapor que parte dessas contratações serviram, não para melhorar o SNS, mas para compensar o regresso do horário semanal às 35 horas… É verdade que, quer no diagnóstico do estado do SNS, quer em matéria de PPP’s na Saúde, Rui Rio terá sido mais convincente do que António Costa – ou, pelo menos, a sua mensagem foi muito mais verosímil. Mas podia ter sido muito mais incisivo e ter revelado muito mais killer instinct.
De um lado, enfim, um político experiente, tarimbado por muitos anos de governação, quer como ministro, quer, agora, como primeiro-ministro. Do outro um challenger bem preparado, mas prejudicado pela falta de experiência governativa e carregando o handicap negativo de muito menos horas de televisão. Mas o que se viu, sobretudo, foi uma forma de discutir política que vai caindo em desuso: sem rasteiras, sem caneladas, sem má educação e onde se discutiram ideias e projetos. Mas que revelou muito poucas diferenças. E, se a alguém convinha mostrar uma novidade executiva e programática, era ao líder da oposição. Não o tendo logrado, perdeu a contenda. Mas terá ganhado a estima das pessoas o que, para um político, nos dias que correm, não é pequena coisa.