Estava ainda na oposição quando lançou as primeiras críticas à atuação do atual governador do Banco de Portugal. António Costa, não se tem contido quando se trata de apontar o dedo à forma como o regulador bancário tem conduzido, primeiro o caso do Bes, depois o do Banif. Ao longo da última campanha eleitoral, o agora Primeiro-Ministro exigiu por diversas vezes mais explicações e acusou o governador de ter conduzido a criação e processo de venda do Novo Banco de forma imprudente. No entanto, e apesar de ser claro o seu desagrado quanto à permanência de Carlos Costa à frente do regulador, nunca como até ontem o Primeiro-Ministro tinha sido tão arrasador: “tenho de lamentar a forma como a administração do Banco de Portugal tem vindo a arrastar uma decisão sobre esta matéria (situação dos lesados do BES), a impedir que, rapidamente, esta função proposta pelo Governo, e que foi aceite já pela maioria dos lesados do BES, pudesse estar já implementada. Tenho a esperança que, tão rapidamente quanto possível, o Banco de Portugal assuma a postura responsável de todas as entidades públicas, como o Estado e a CMVM, ou entidades privadas, como o BES ou o Novo Banco, estão disponíveis para assumir”.
António Costa quer uma resolução urgente da situação e, mesmo sabendo que o regulador é um órgão independente, parece não baixar os braços nesta cruzada. Na mesma frente de batalha, o líder parlamentar do PS, Carlos César veio hoje reforçar a posição do Partido Socialista, ao defender mudanças no Banco de Portugal de forma a recuperar a confiança dos depositantes e utilizadores do sistema financeiro, defendendo que a imagem do regulador é de crescente fragilidade. Quanto a uma eventual saída do governador, Carlos César esquivou-se, dizendo que “o melhor seria que o Banco de Portugal resolvesse os problemas que tem pendentes e que não está a resolver e que, recuperasse a confiança por parte dos depositantes e dos utilizadores do sistema bancário, de forma a que o país viva com maior tranquilidade”.
Carlos Costa foi nomeado pela primeira vez em 2010 e, no ano passado reconduzido por mais quatro anos. Depois de ter estado debaixo de fogo durante o processo de falência do BES e de criação do Novo Banco, o governador continuou a ser acusado de ser responsável por um órgão que falhou na supervisão das instituições bancárias. O relatório final da comissão parlamentar de inquérito do BES criticou as falhas de supervisão do Banco de Portugal, defendendo que uma acção mais atenta e exigente poderia ter minimizado o impacto da queda do Grupo Espírito Santo.
Quase um ano depois de ter sido concluída esta comissão, Carlos Costa prepara-se para ser ouvido, agora no âmbito do inquérito à venda do Banif e à atuação do Banco de Portugal nesta matéria. Os tempos avizinham-se difíceis para o governador, apesar da legislação ser bem clara. Segundo a lei Orgânica do Banco de Portugal (número 3 do Artigo 33º), os membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal são “inamovíveis, só podendo ser exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias previstas no nº2 do artigo 14 dos Estatutos do SEB/BCE”.
As circunstâncias a que os estatutos se referem são as seguintes: “Um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”.
Ora, os requisitos necessários para ser nomeado para este cargo são, segundo a lei, “comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária”. Neste caso, Carlos Costa nada tem a recear, pois foi sujeito a uma audição parlamentar da comissão competente, na sua renomeação em 2015, precisamente para assegurar que os cumpria.
Já quanto à segunda parte dos estatutos do Banco Central Europeu, é necessário provar que o governador cometeu uma falta grave. É por essa razão que os deputados do Bloco de Esquerda e do PS querem usar um relatório do Boston Consulting Group em que haverá uma eventual referência a “falta grave” da supervisão bancária, função central do Banco de Portugal. A exoneração de funções teria de ser realizada por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças (que por acaso é um quadro do Banco de Portugal).
Esta seria a única forma de afastar Carlos Costa. Mas o governador do Banco de Portugal ainda poderia usar outra prerrogativa dos estatutos do BCE: recorrer da decisão, por iniciativa sua ou do Conselho do Banco Central Europeu, para o Tribunal de Justiça. O Prazo para apresentação de recurso é de dois meses.