Elias Musakwa. Se procurar este nome no google, o mais provável é ir ter diretamente aos vídeos de um músico gospel no YouTube. Com uma pesquisa mais aprofundada também descobrirá que o músico e produtor se dedicou à política e é próximo de Robert Mugabe, presidente do Zimbabwe. Poderá ainda desvendar mais um cargo e perceber que Elias Musakwa foi funcionário do Reserve Bank of Zimbabwe, o banco central daquele país, e foi detido em 2009 por suspeitas de um esquema organizado que terá defraudado o banco. Só não descobrirá que Elias Musakwa está a ser investigado em Portugal por suspeitas de branqueamento de capitais. Que passaram por uma conta do BPI pelo menos 8,5 milhões de dólares (7,7 milhões de euros) que se suspeita serem fruto de subornos pagos com fundos do próprio banco central daquele país. E que outro dos suspeitos da investigação portuguesa é Gideon Gono, ex-governador do banco central do Zimbabwe referenciado num telegrama diplomático divulgado pela Wikileaks como uma das figuras do regime que ganharia milhões com o comércio ilegal de diamantes.
Ao que a VISÃO apurou, a investigação, que está a ser conduzida pelo procurador Rosário Teixeira, responsável pelos processos Furacão e Operação Marquês, envolve tratores, reformas agrárias e um complexo circuito financeiro que passa pela Dinamarca, Portugal, China e Ilhas Virgens Britânicas.
Elias Musakwa e Gideon Gono são suspeitos de terem usado a sua posição privilegiada no banco central do Zimbabwe para montar um esquema de corrupção em torno da aquisição de maquinaria agrícola. De acordo com documentos a que a VISÃO teve acesso, seriam distribuídos tratores e outros equipamentos por províncias do Zimbabwe, no âmbito da reforma agrária daquele país. Para que o negócio se concretizasse, Musakwa terá pedido a um sul-africano para usar empresas suas como intermediárias. Em troca, terá exigido receber uma comissão de pelo menos 10% sobre o volume da venda dos equipamentos.
“Gono e Musakwa abusaram das funções que desempenhavam no Central Bank para obterem vantagens no negócio da venda de tratores no âmbito do programa agrícola do Zimbabwe. O dr. Gono não podia usar o seu nome em contas, dadas as restrições que eram impostas aos políticos do Zimbabwe”, afirmou Rosário Teixeira numa carta enviada a uma investigadora sul-africana que o contactara, já este ano, à procura de um ponto de partida para uma investigação local. Também na África do Sul há suspeitas de “vendas fictícias de tratores” com comissões à mistura.
O caso obriga a recuar a junho de 2006, data em que Elias Musakwa abriu uma conta no BPI, apresentando-se como sócio de duas produtoras musicais do Zimbabwe. O alerta chegou à Polícia Judiciária em 2008. No espaço de três meses, tinham entrado na conta cinco transferências que ascendiam aos 2,9 milhões de dólares (2,6 milhões de euros). O que é que os investigadores estranhavam? Musakwa dizia estar ligado à música e os pagamentos vinham da Lifftoff Aviation, empresa que comercializava aeronaves e equipamentos para aviões.
A suspeita surgia quando faltava um mês para as eleições no Zimbabwe, de março de 2008. Para o inspetor que analisou o caso esse fator não podia ser desconsiderado. O Zimbabwe estava na lista dos 30 países mais corruptos do mundo. E Musakwa era “um homem do sistema”: tinha-se associado ao partido Zanu PF, cuja figura principal era Robert Mugabe.
Os investigadores cruzaram os dados bancários com respostas a cartas rogatórias e reconstituíram o circuito financeiro: o dinheiro saía da Liftoff Aviation, com contas num banco dinamarquês, para a conta aberta por Elias Musakwa no BPI. Só que a empresa de aviação limitar-se-ia a emitir faturas com os montantes de comissões a serem pagas ao produtor musical. Na prática, o dinheiro viria do banco central do Zimbabwe.
A Liftoff Aviation era uma sociedade off-shore constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, que tinha como beneficiários um cidadão dinamarquês e quatro sul-africanos. Um deles acabou por revelar num depoimento enviado ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que Musakwa ter-lhe-ia proposto um negócio entre 2006 e 2007 e que, em troca, lhe teriam sido pagas luvas.
O músico era à data chefe de Divisão de Logística do Banco Central do Zimbabwe. Terá então proposto que uma empresa controlada pelo sul-africano, a Michigan Tractors, vendesse tratores a sociedades que lhe iria indicar no Zimbabwe, beneficiando dos fundos que o banco central aplicaria na reforma agrária. À conta da off-shore na Dinamarca terão ido parar 14,5 milhões de dólares (13,1 milhões de euros). Na conta do BPI, por sua vez, terão sido encontrados 8,5 milhões de dólares (7,6 milhões de euros), que continuam apreendidos à ordem do processo. Musakwa tentou desbloqueá-los mas o Tribunal da Relação de Lisboa negou. Se se confirmar que provêm de uma atividade ilícita serão declarados perdidos a favor do Estado português.