Jorge Sampaio, socialista de toda a vida, estava há nove anos em Belém quando o então primeiro-ministro, Durão Barroso, lhe apresenta a sua demissão. Decidira deixar o governo para se dedicar à Presidência da Comissão Europeia, em Bruxelas. Abre-se de imediato uma crise política. Sampaio, oriundo do PS, teria de lidar com a queda de um governo de coligação entre o PSD e o CDS e decidir entre uma de duas opções: ou convocava eleições antecipadas (aquela que, na altura, era defendida pelo PS) ou convidava Santana Lopes (o nome escolhido pelo primeiro-ministro demissionário) a suceder a Durão à frente do governo.
As opções que se colocam hoje a Cavaco Silva são mais numerosas. O Presidente também está em Belém há nove anos (quase 10), mas de resto, quase tudo é diferente. Cavaco, que sempre fez questão de se considerar um “não político”, é oriundo do PSD. E nesta fase do mandato tem, no governo, uma equipa da sua família política. Outra diferença, em relação a Sampaio, é que a crise política que varre o País não advém de uma demissão, mas sim do resultado eleitoral – a coligação PSD/CDS foi a força política mais votada a 4 de outubro, mas não tem maioria no Parlamento, enquanto o PS, que foi o segundo partido mais votado, consegue, através de acordos com o PCP, o BE e o PEV, uma maioria parlamentar de esquerda. Cavaco indigitou, líder do maior partido da coligação (“uma perda de tempo”, clamou então Catarina Martins, do BE), mas (como prometido pela esquerda) viu o seu programa de governo rejeitado pela maioria parlamentar a 10 de novembro.
Se a 4 de outubro se vislumbrou uma crise política, a 10 de novembro ela foi confirmada. Desde então, com o País a aguardar a posição do Presidente, os pedidos para que tome uma decisão vão em crescendo.
Tic-tac-tic-tac
Sampaio, com um primeiro ministro demissionário, indigitou Pedro Santana Lopes dez dias e 17 audiências depois. Ouviu os dois ex-Presidentes (Eanes e Soares), o Presidente da Assembleia da República (Mota Amaral) e o seu antecessor (Almeida Santos), quatro ex-primeiros-ministros (Balsemão, Pintasilgo, Cavaco e Guterres), três constitucionalistas (entre os quais o presidente do Tribunal Constitucional) e ainda o governador do Banco de Portugal (Constâncio), o economista João Salgueiro, os ex-líderes do PSD Marcelo Rebelo de Sousa e Rui Machete, Miguel Cadilhe (então na Agência Portuguesa de Investimentos) e o banqueiro Artur Santos Silva. No final, depois de ouvir os partidos com assento parlamentar e antes de falar ao País, Sampaio ainda convocou o Conselho de Estado.
Cavaco, com um Executivo demitido pela rejeição, no Parlamento, do seu programa do Governo, já não conseguirá fazer tempo melhor. Oito dias já passaram, desde a queda do Governo. Ao contrário de Sampaio, que começou a ouvir personalidades no próprio dia em que a questão se colocou, Cavaco só começa as auscultações dois dias depois: primeiro os parceiros sociais (as Confederações Empresarial de Portugal, do Comércio e Serviços de Portugal, dos Agricultores de Portugal e do Turismo Português). No dia seguinte, na fatídica sexta-feira 13, ouve a Associação das Empresas Familiares, o Fórum para a Competitividade, as duas Centrais Sindicais (CGTP e UGT) e o Presidente do Conselho Económico e Social. Seguiram-se, esta quarta-feira, sete representantes do setor bancário e na quinta, dia 19, outros sete economistas. Ao todo, contam-se 23 audiências, antes de receber os partidos com assento parlamentar (convocados para sexta-feira, 20). Sobre o Conselho de Estado, nem uma palavra de Belém.
Com uma crise nas mãos, nem Sampaio nem Cavaco deixaram de cumprir outras exigências do seu mandato. Entre audiências para a resolução da crise, Sampaio recebeu o Presidente da Polónia, a Rainha Fabíola da Bélgica, assistiu ao Portugal/Holanda e ao Portugal/Grécia (estávamos no Euro 2004) e condecorou o então Embaixador Richard Holbrooke. Já Cavaco, presidiu ao 25º aniversário do Prémio Científico IBM, condecorou Assunção Esteves e Guilherme de Oliveira Martins, recebeu uma delegação da consultora McKinsey, que lhe apresentou os resultados do trabalho “Portugal: Escolhas para o Futuro” e foi dois dias à Madeira, no âmbito do “Roteiro para uma Economia Dinâmica”.
“A situação está a tornar-se pantanosa”
Mas os apelos para que o Presidente se apresse na tomada de decisão têm surgido de todos os lados. Hoje, foi a vez dos candidatos à Presidência, Maria de Belém e Paulo Morais (para quem a situação se está a tornar “pantanosa”), do secretário-Geral do PCP, Jerónimo de Sousa e do ex-presidente da Assembleia da República, o social-democrata Mota Amaral. Lá fora, Bruxelas aguarda o desfecho da situação política para receber, do governo, um draft de orçamento para 2016.
Esta quarta-feira, contrariando o cenário europeu e reforçando o que vem acontecendo desde o início da semana, a bolsa portuguesa fechou em alta.