Na última segunda-feira de julho passado, dia 27, o advogado paquistanês Makhdoom Ali Khan fez um telefonema de emergência, de Carachi, onde tem o seu escritório, para os seus consultores portugueses, em Lisboa. Já sabia, por fim, quem era o dono do apartamento de luxo que tencionava comprar no centro lisboeta, próximo da rotunda do Marquês de Pombal.
Ali Khan estava bastante preocupado, até porque fora procurador-geral do Paquistão de 2001 a 2007: tratava-se de um ex-primeiro-ministro, José Sócrates, em prisão preventiva por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais.
O advogado, 61 anos, não sabia o que fazer, precisava de conselhos para saber se avançava, ou não, para a aquisição da casa. Ficou então marcada uma reunião num hotel de Lisboa, dois dias depois, 29 de julho.
Há muito que Ali Khan procurava uma casa na Europa. Seria decisiva para a escolha de Lisboa uma amiga portuguesa da mulher do advogado paquistanês, que descreveu a cidade calma que o casal pretendia. Membro da elite paquistanesa ocidentalizada e secular, Ali Khan viu outras vantagens: especializado em arbitragens jurídicas, ficava a cerca de três horas de avião de cidades europeias em que regularmente trabalha, como Londres ou Frankfurt, e, adquirindo um imóvel por, no mínimo, €500 mil, candidatava-se ao visto gold.
Mas, em sucessivas deslocações a Lisboa, Ali Khan desiludiu-se.
Pediam-lhe exorbitâncias por casas que estavam longe de valer tais preços. Em Campo de Ourique, por exemplo, solicitaram-lhe uma verba milionária por uma residência que até precisava de obras. Ali Khan lamentou-se aos seus consultores, que lhe arranjaram uma imobiliária para lhe tratar do assunto. É aqui que aparece um T3 em excelente condição, no Edifício Heron Castilho. Que o dono era José Sócrates foi um segredo guardado até ao fim, por imposição do ex-primeiro-ministro.
Houve acordo de cavalheiros?
No preocupado telefonema que efetuou a 27 de julho para Lisboa, Ali Khan disse aos seus consultores que tinha feito um acordo de cavalheiros com o advogado João Araújo, representante do dono do mencionado T3 no Heron Castilho (“Uma figura pública”, resumiu, na altura, ao paquistanês), que visitara quatro dias antes e de que gostara muito: possuía garagem com código e controlo de seguranças.
Mas, no dia daquele telefonema, Ali Khan já tinha descoberto que Sócrates era o proprietário da casa. Os representantes de Khan disseram-lhe logo que ainda se ia a tempo de listar o recheio que, segundo o advogado paquistanês, ficara incluído, pelo gentlemen’s agreement com João Araújo, no preço acordado para o apartamento e a arrecadação. O ex-PGR do Paquistão recusou: um acordo de cavalheiros não condiz com papelada.
Propuseram-lhe então que, ao menos, fosse vertido a escrito o objeto do gentlemen’s agreement. Ali Khan voltou a declinar. Em causa estariam sofás, mesas, roupeiros, camas e estantes de livros, fixadas em paredes. Deu controvérsia.
Na reunião de 29 de julho, num hotel lisboeta, os consultores de Khan disseram-lhe que o preço acordado com João Araújo, €675 mil, era justo. Na zona em questão, explicaram, ascende agora a €5 mil/€6 mil o valor por metro quadrado. O que não impede esta verificação: em 1998, Sócrates comprou o apartamento e a arrecadação por quase um terço daquele montante, €242 mil (à época, 48 500 contos).
Do que o ex-PGR do Paquistão não se livrava, avisaram os consultores, era de notícias de 1.ª página, durante uns dias, e de uma averiguação policial preventiva e rotineira, imposta pela lei portuguesa relativa ao branqueamento de capitais. Embora viva com desafogo financeiro, Ali Khan não se considera milionário. Os €675 mil teriam de chegar de três proveniências (uma conta em Londres e duas na Suíça) a uma conta que abriria (e abriu) no Novo Banco, de maneira a pagar a Sócrates através de cheques.
Khan aceitou os constrangimentos que lhe foram apresentados e a irrevogável escritura de compra e venda concretizou-se a 6 de agosto. Mas estava longe de imaginar que surgiria nos media como suspeito de lavagem de dinheiro sujo, o que o tem desesperado, quando garante possuir um cadastro limpo.
E estalou outra polémica: os representantes do advogado paquistanês, ao tomarem posse do apartamento, deram com a casa quase vazia, o que supostamente contraria o gentlemen’s agreement. “Entre cavalheiros basta a palavra que se dá. Mas enganei-me”, lamentou-se Ali Khan ao semanário Expresso.
À VISÃO, João Araújo riposta: “Isso é mentira, e demonstro-o documentalmente quando for preciso.” É o verbo de Araújo contra o de Khan que mantém, claro, a candidatura ao visto gold português.