Já se esperava – e as expectativas não foram goradas – que o depoimento de José António Saraiva inflamasse a Comissão de Ética, mandatada para tratar o tema da liberdade de expressão em Portugal. O director do semanário Sol, responsável máximo pela decisão editorial de publicar as escutas telefónicas que envolvem Armando Vara (socialista, administrador do BCP), Rui Pedro Soares (socialista, ex-administrador da PT) e Paulo Penedos (socialista, advogado e ex-consultor jurídico da PT), era um depoente-chave para deslindrar a questão da alegada tentativa de controlo da comunicação social pelo Governo.
Saraiva começou ao ataque. “Sinto-me chocado, quando vejo responsáveis do PS a dizer que não se passa nada”, frisou. “Faz-me lembrar o Iraque, quando já choviam balas e o ministro da informação iraquiano insistia em dizer que não estava a acontecer nada.” Segundo o arquitecto, que após ter saído da direcção do Expresso fundou o Sol com um grupo de jornalistas oriundos do semanário de Pinto Balsemão, se as escutas não tivessem sido reveladas pelo seu jornal não se estaria a discutir o assunto na comissão. “As escutas são a prova cabal de que havia um plano para controlar a comunicação social”, sublinhou.
Saraiva disse que o BCP, que foi accionista do Sol, se transformou “num cavalo de Tróia”. Conforme declarou, o banco desligou-se da gestão, cortou patrocínios a colecções que o jornal lançara no mercado e afirmou-se vendedor das respectivas acções. Quando, no início de 2009, a direcção encontrou sócios angolanos dispostos a comprar a maioria do capital do semanário, o BCP terá recuado. “Em Janeiro, dão uma cambalhota monumental e dizem que, afinal, não estão vendedores mas compradores do jornal.” Mas, na condição de comprador, o BCP recusou-se a assinar um contrato que garantia a manutenção da direcção editorial por três anos. “O BCP queria decapitar a direcção editorial do jornal”, disse.
Mais: Saraiva assegurou aos deputados que o administrador indicado pelo BCP, Paulo Azevedo, também responsável pela Millenium Capital, a empresa de capital de risco do banco que era formalmente detentora do capital do Sol, disse várias vezes que “tinha de falar com Armando Vara antes de tomar decisões”. Estas afirmações contradizem o depoimento de Vara, que afirmou, na comissão, não ter interferido no dossiê BCP-Sol.
Saraiva garantiu, ainda, aos deputados que Mário Ramires, um dos directores do semanário, havia recebido um telefonema de “pessoa muito próxima do primeiro-ministro”, durante o qual fora avisado de que “tudo, na relação entre o banco e o jornal, dependia da próxima manchete do Sol“, numa altura em que as principais notícias da primeira-página se referiam ao processo Freeport.
Também o procurador-geral da República esteve sob o fogo do jornalista, que evocou a manchete de hoje do jornal, na qual se imputa ao gabinete do PGR a fuga de informação que terá posto de sobreaviso os arguidos do caso Face Oculta. “Isto é típico de um País da América Latina”, disse Saraiva. “Há uma conivência entre os poderes político e judicial”, acusou. “E alguém percebe o que diz o PGR sobre este caso?”, perguntou.
Demolidor, o depoimento foi imediatamente secundado pelo anúncio de que o PSD avançará com uma comissão de inquérito ao caso. “Apurar se o Governo interveio na decisão da PT de propor a compra da Media Capital/TVI e, se o fez, de que modo e com que objectivos” é a principal finalidade, segundo Aguair-Branco, líder do grupo parlamentar do PSD. Outra é apurar se o “o primeiro-ministro faltou à verdade nas declarações que proferiu na sessão plenária de 24 de Junho de 2009” [Sócrates disse nada saber sobre o assunto]. Durante a manhã, numa entrevista à Antena 1, Aguiar Branco, na qualidade de candidato à liderança do PSD, assegurou que se a comissão vier a concluir que Sócrates teve responsabilidades na matéria, então o primeiro-ministro deve demitir-se. E manteve em abero a possibilidade de a comissão chamar Sócrates a depor.
A decisão do PSD, que secunda intenções manifestadas pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, é o princípio do fim das sessões da Comissão de Ética, já que o assunto migrará para a Comissão de Inquérito. Será o princípio do fim de Sócrates?