Há um contingente de políticos e de figuras públicas que acreditam que Donald Trump devia estar na Casa Branca. Passados quase três anos, continuam a defender a tese – já refutada legalmente – que o anterior Presidente dos Estados Unidos foi roubado nas eleições de janeiro de 2020.
Esse é o primeiro denominador comum entre os apoiantes de Trump mais acérrimos – ou “ultra-radicais” como lhes chamou Joe Biden no início deste mês, num discurso que passou na televisão em horário nobre. Depois vêm invariavelmente o racismo, a defesa das armas, a homofobia, a criminalização do aborto e, também muitas vezes, o terraplanismo e o negacionismo.
Não admira, por isso, que o atual chefe de Estado tenha criticado o “fanatismo cego” de alguns seguidores de Trump que classificou de “ameaça” aos Estados Unidos. “Os ultra-radicais do [movimento] MAGA são uma ameaça à nossa democracia sagrada”, afirmou Biden, acusando-os de “prosperarem no caos”.
Em novembro, são vários os republicanos do MAGA a candidatarem-se ao Congresso norte-americano. Eis aqui os retratos à la minuta de alguns deles, para melhor se perceber o que tanto está a assustar Joe Biden:
J.D. VANCE
No sábado, 18, Donald Trump fez uma participação especial no comício do Partido Republicano em Youngstown, no Ohio, estado a que Vance concorre. “J.D. está dar-me graxa”, gozou, a determinada altura. “Claro que ele quer o meu apoio… Todo o movimento MAGA é para J.D. Vance.”
Ouviram-se gargalhadas no pavilhão, mas muitos dos que lá estavam sabiam que James David Bowman (que mais tarde passou a usar o apelido da mãe, Vance) afina pelo mesmo diapasão de Trump.
Não há muito tempo, o escritor-feito-político, de 38 anos, sugeriu que Trump, uma vez eleito em 2024, deveria despedir todos os funcionários públicos e substituí-los por, e a expressão foi mesmo esta: “O nosso povo”. Logo a seguir, deveria “fazer o que Viktor Orbán fez”, disse, referindo-se à proibição de certos temas que o ditador húngaro introduziu nos currículos escolares.
RICK SCOTT
A primeira vez que Joe Biden empregou o termo “ultra-MAGA” foi em maio deste ano, para se referir a Rick Scott, senador pela Florida.
“Rick Scott lançou um plano ultra-MAGA. É extremo como a maioria das coisas MAGA”, disse o Presidente, destacando que a proposta do republicano implica que as pessoas de menores rendimentos paguem mais impostos. “Ela irá, de facto, aumentar os impostos de 75 milhões de famílias americanas”, acrescentou. “As pessoas da classe trabalhadora vão pagar muito mais, mas, lá está, é um plano MAGA.”
Casado há 46 anos, com duas filhas e seis netos, Richard Lynn “Rick” Scott foi adotado em criança por um casal humilde, ela lojista e ele veterano da Segunda Guerra Mundial e motorista de pesados. Para poder licenciar-se, alistou-se na Marinha e recorreu a um programa de bolsas. Antes de sequer sonhar na política, foi comerciante, tendo começado por abrir uma loja de roupa para mulheres.
Num artigo de opinião publicado no Washington Examiner, Scott argumentou que aqueles que “falam mal” dos candidatos republicanos são “cobardes”.
MARJORIE TAYLOR GREENE
Na sua bio no Twitter, Marjorie apresenta-se como “cristã, esposa, mãe e congressista em representação da Geórgia”. Na Wikipedia, escreve-se logo à cabeça: “Também conhecida pelas suas iniciais MTG, tem promovido teorias de extrema-direita, supremacia branca e conspiração anti-semita, incluindo a teoria da conspiração do genocídio branco, QAnon e Pizzagate, bem como outras teorias de conspiração extremistas sobre tiroteios em massa, as alegadas mortes perpetradas pela família Clinton, e os ataques do 11 de Setembro.”
Nessa mesma página, lemos ainda que, antes de concorrer ao Congresso, Marjorie apoiou apelos à execução de políticos democratas proeminentes, incluindo Hillary Clinton e Barack Obama. E que, já como congressista, “equiparou o Partido Democrata aos nazis e comparou as medidas de segurança da Covid-19 à perseguição dos judeus durante o Holocausto, pedindo mais tarde desculpa pela última comparação”.
Ex-instrutora da crossfit, Marjorie apresenta-se sorridente no seu site oficial, mas ao vivo perde a cabeça com facilidade.
Na passada quinta-feira, 15, partilhou no Twitter um vídeo numa troca acalorada sobre controlo de armas com três jovens ativistas, junto ao Capitólio, em Washington. No tweet, escreveu: “Estes cobardes tolos querem que o Governo tire as armas e os direitos dos pais de defenderem os seus filhos nas escolas.” Nem meia-hora depois, Marianna Pecora, uma ativista de 18 anos, do grupo Voters for Tomorrow, que era uma das pessoas a discutir com Greene no vídeo, escrevia: “Será que ela acabou literalmente de tweetar o vídeo a dar-me pontapés?”
Sim, tweetou os pontapés, e eles veem-se bem, a partir do minuto 1:15.
LAUREN BOEBERT
O Shooters Grill, o seu restaurante onde as empregadas de mesa andavam com armas e serviam “burritos Shotgun”, “Locked N’ Loaded Nachos”, Hambúrgueres “Swiss & Wesson” e tostas “Rifle”, fechou em julho depois de o senhorio do edifício ter decidido não renovar o contrato de arrendamento.
Não era a primeira vez que Lauren Boebert, senadora pelo Colorado e ativista pró-armas, lidava de perto com o mundo da restauração. Muitos anos antes de arrendar aquele espaço na cidade de Rifle (que por coincidência significa espingarda em Inglês), ainda no liceu, tinha trabalhado num McDonald’s, acabando por decidir não continuar os estudos.
Mãe de quatro filhos, todos rapazes, escolheu fixar no Twitter uma fotografia sua com Donald Trump, em que está de vestido encarnado que tem escrito a branco: “Let’s go Brandon”.
“Let’s Go Brandon” é o slogan de um movimento político e um meme que se usa em substituição de “Fuck Joe Biden”.
LINDSEY GRAHAM
Em 2006, antes de Donald Trump ser escolhido pelos republicanos, Lindsey Graham Olin afirmava, na CNN: “Quero falar um minuto com os apoiantes de Trump. Não sei quem vocês são e por que gostam deste tipo. Ele é um xenófobo intolerante que usa as questões de raça para inflamar as pessoas. Não representa o meu partido.”
Pouco depois, Graham tornava-se num dos maiores aliados do ex-presidente, só ameaçando virar-lhe as costas quando o Capitólio foi invadido, a 6 de janeiro do ano passado.
Hoje, adota sempre um tom ultra-conservador nas entrevistas, por exemplo negando a existência de racismo sistémico. Recentemente, prometeu: “Se retomarmos a Câmara dos Representantes e o Senado, posso assegurar-vos que teremos uma votação sobre a nossa [proibição nacional do aborto].”
MESHAWN MADDOCK
Descreve-se a si própria como “Ultra MAGA” e faz parte do conselho consultivo das Mulheres por Trump. Casada com o representante dos republicanos pelo Michigan, é uma das mais acérrimas apoiantes do ex-Presidente.
Está atualmente envolta numa polémica por causa de um tweet homofóbico, dirigido a Pete Buttigieg, o secretário dos Transportes. “Somos tão abençoados que esta menina fraca se mudou para o Michigan!”, escreveu. “Parece que traz consigo todo o seu sonho californiano.”
Buttigieg, secretário dos Transportes, mudou-se recentemente para Michigan e apoiou a pressão da Califórnia para tornar todos os carros elétricos e não movidos a gasolina até 2035.
DON BOLDUC
Este antigo polícia e militar não se ensaia nada quando toca a apresentar o seu plano “de força” para a América. Talvez seja herança dos seus tempos no chamado teatro das operações, em que Bolduc liderou um dos primeiros grupos no Afeganistão, a cavalo, e várias operações que visavam derrotar os talibãs.
“Primeiro, temos de proteger as fronteiras da América e reduzir a criminalidade. Segundo, temos de inverter o crescimento das despesas federais que levou a inflação a atingir níveis recorde. Terceiro, temos de recuperar a independência energética e a segurança que Joe Biden desperdiçou. Quarto, temos de contrariar a ameaça do Partido Comunista Chinês. Finalmente, nunca devemos deixar que um governo infrinja as liberdades que nos foram dadas por Deus.”
Exemplos que aponta? “Os pais – e não os burocratas – devem ter a última palavra sobre o que é ensinado aos filhos. A teoria crítica da raça deve ser banida do currículo, e é tempo de acabar com as restrições da Covid.”
JOSH HAWLEY
Este senador pelo Missouri é, segundo Trump, “um tipo muito bom”. E, por uma vez, o ex-chefe de Estado acertou.
Ainda na semana passada, Josh Hawley não se mostrou solidário com os residentes de Martha’s Vineyard, uma zona chique no Massachusetts, que torceram o nariz à chegada de imigrantes.
“Por que é que as pessoas pobres nas cidades junto à fronteira, que estão na América rural, veem as suas escolas serem invadidas e os serviços sociais a entrarem em colapso, e as pessoas ricas de Martha’s Vineyard não querem ter de ver um imigrante ilegal quando vão a caminho do seu latte matinal?”, questionou. “Não posso ser muito solidário.”
Pena que, também na semana passada, durante a Conferência Nacional do Conservadorismo, em Miami, o mesmo senador republicano tenha afirmado, intransigente, que “sem a Bíblia, não há América”.
KAROLINE LEAVITT
Dela dizem ser uma estrela em ascensão no Partido Republicano, onde é mais uma indefetível de Trump, ainda zangada com o “roubo” das eleições de 2020.
Aos 25 anos, Karoline diz que já não podia ficar de braços cruzados a ver os princípios conservadores – “que fazem da América o maior país do mundo e de New Hampshire o melhor estado da União”– serem atacados. É por isso que concorre ao Congresso.
“Agora, mais do que nunca, New Hampshire precisa de um guerreiro forte, ousado e conservador para servir de barreira entre os democratas radicais, sedentos de poder em Washington e o nosso Estado amante da liberdade”, lemos no seu site.
Os democratas não a deixam sem resposta. “Karoline Leavitt é uma republicana radical do MAGA que não está preparada para representar o estado do granito”, já veio a público dizer Sean Patrick Maloney, membro da Câmara dos Representantes. “As suas mentiras sobre as eleições de 2020 e a sua agenda para proibir o aborto, cortar a Segurança Social e revogar a Lei de Cuidados de Saúde Acessíveis são demasiado extremas para New Hampshire.”
COLIN SCHMITT
No final de agosto, foi também Sean Patrick Maloney quem se atirou com unhas e dentes a este sargento da Guarda Nacional do Exército e consultor imobiliário que agora se candidata pelo estado de Nova Iorque.
“Colin Schmitt não é apenas errado para Nova Iorque, ele é perigoso. O seu historial de corrupção e total envolvimento com os insurretos prova que é demasiado radical para representar o Vale do Hudson. Enquanto finge ser um moderado, as suas opiniões e as suas ações revelam o seu extremismo de extrema-direita. É um político corrupto, tóxico e perigoso.”
A 7 de janeiro do ano passado, era ele já membro da Assembleia do estado de Nova Iorque, Colin foi instado a demitir-se depois de ter sido fotografado a falar com um grupo de manifestantes, imediatamente antes dos motins na Casa Branca. Seria ilibado, mas a dúvida ficou no ar.
e ainda…
THE PATRIOT VOICE JOHN
O seu verdadeiro nome é John Sabal e também já foi conhecido por “Qanon John”, o nick que usa no seu canal no Telegram, onde tem dezenas de milhares de seguidores. Recorde-se que QAnon é uma teoria da conspiração sem fundamento que afirma que o ex-Presidente Donald Trump está a combater uma cabala de pedófilos satânicos.
Hoje, Sabal prefere ser chamado de The Patriot Voice John.
No último Dia Internacional da Lembrança do Holocausto (27 de janeiro), Sabal escreveu no Telegrama sobre alegados membros da “cabala” que supostamente dirige Hollywood, meios de comunicação social, empresas de tecnologia, o próprio Governo e a indústria pornográfica. Todos pertenceriam a uma seita satânica do judaísmo, afirmou então, terminando a publicação com a hashtag #SynagogueOfSatan.
Basta uma rápida pesquisa na internet para encontrar o site da organização The Patriot Voice e muitos mais exemplos das suas teorias conspirativas.