Os relógios marcavam a mesma hora em Lisboa e em Luanda: 16h32. Nesse preciso momento, João Manuel Gonçalves Lourenço, vulgo JLo, 68 anos, num impecável fato azul-escuro onde só destoava um cachecol do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), deu início a um discurso que durou 17 minutos e terminou com ele de copo na mão. Ou melhor, com uma flute de champanhe francês. Motivo oficial da celebração, na última segunda-feira, 29, na capital angolana: “Nós ganhámos o penta [as quintas eleições gerais consecutivas]. Quem ganha o penta tem razões para abrir, no mínimo, cinco garrafas de champanhe.” O brinde e a metáfora político-futebolística sucederam à pergunta de uma jornalista, sobre o facto de o MPLA ter obtido o pior resultado da sua história, em escrutínios multipartidários (ver infografia): “Nas primeiras eleições, em 1992, o MPLA teve cerca de 53%. Entre 53 e 51, não estou a ver grande diferença (…). Os resultados [agora] foram bons porque ganhámos!” A matemática não é o forte do cabeça de lista do partido que governa Angola desde 1975, mas isso não impede os seus apoiantes de exultarem quando Lourenço, no seu habitual tom monocórdico, lhes comunica o que mais queriam ouvir: “Temos toda a legitimidade para governar sozinhos, não temos necessidade de fazer nenhuma Geringonça.” Assunto arrumado. Tradução: a vitória eleitoral de 24 de agosto de 2022, cujos resultados definitivos são contestados pela oposição, permitirá ao “partido dos camaradas”, como os próprios militantes o intitulam, designar o próximo Presidente do país – que é também o seu secretário-geral. Mas não só. A Constituição, aprovada em 2010 e revista em 2021, torna também possível que João Lourenço escolha o futuro executivo (todos os ministros e os secretários de Estado) e os governadores das 18 províncias angolanas, embora o MPLA tenha perdido três delas – Luanda, onde se concentra quase um terço da população nacional, Cabinda, enclave estratégico e maná do petróleo (mais de 90% das exportações nacionais) e Zaire. Como Angola nunca realizou eleições autárquicas desde a independência, JLo vai ainda nomear os 464 administradores municipais do Estado soberano que é 13 vezes maior do que Portugal e conta com quase 35 milhões de habitantes.
Falta ainda mencionar uma personalidade que apareceu em segundo lugar nas listas do MPLA e, no início desta semana, na sede do partido, esteve sempre atrás do grande líder, a aplaudi-lo e sem nunca tirar o boné do partido, enquanto ele discursava: Esperança Maria Eduardo Francisco da Costa, 61 anos, bióloga, ex-diretora do Centro de Botânica da Universidade Agostinho Neto, secretária de Estado para as Pescas desde 2020 e futura vice-presidente. Uma “ilustre desconhecida” até há poucos meses que se torna a primeira mulher a ocupar tal cargo e que terá sido escolhida por João Lourenço pela sua fidelidade e pela sua discrição. Motivo suficiente para se dizer na capital angolana que pode ser uma potencial candidata à chefia do Estado, em 2027, tal como Luísa Damião (vice-presidente do MPLA), Carolina Cerqueira (ministra de Estado para a Área Social) e Vera Daves (ministra das Finanças). As especulações sobre o futuro do partido governante aumentaram quando, no último comício de campanha, no distrito de Camama (Luanda), JLo disse que as mulheres “merecem todas as oportunidades” por também já serem a maioria no país. E, em tom jocoso, afirmou: “Se um dia decidirem revoltar-se contra nós, vamos ter de fugir, podem esmagar-nos. (…) Temos de tratar bem a mulher angolana; não por medo, mas por uma questão de justiça!”
