A política da rede social é explícita: “Misoginia e outras ideologias e comportamentos de ódio não são tolerados no TikTok”. Mas o algoritmo parece estar a passar ao lado desta regra e a promover os vídeos de Andrew Tate, de 35 anos. O kickboxer anglo-americano é a mais recente estrela da rede e aparece em vários vídeos a promover ideais contra as mulheres, sempre acompanhado de carros, armas e, em muitos dos casos, a fumar charutos.
Não é Tate que publica os vídeos, não tendo sequer uma conta ativa na plataforma, mas a sua presença faz-se sentir com centenas de contas que muitas vezes usam o seu nome e foto. Estas contas são administradas por membros da Hustler’s University, um clube privado do kickboxer onde, promete, os membros podem ganhar até 100 mil dólares através de aulas sobre investimentos e recrutando outros membros para a Hustler’s University, ganhando 48% da comissão por cada pessoa. Para que estes membros ganhem mais comissões são aconselhados a criar polémicas nas diversas plataformas para terem mais chances de se tornarem virais.
Entre os milhares de vídeos que circulam da rede social estão aqueles em que Tate diz que as mulheres pertencem ao lar, que não podem conduzir e que são propriedade do homem. O atleta ambém acha que as vítimas de violações devem “assumir a responsabilidade” e garante que namorar raparigas de 18 e 19 anos é o melhor porque, assim, pode “fazer uma marca” na vida delas e moldá-las. Em vários vídeos, o rapaz fala sobre bater e estrangular mulheres, destruir os seus bens e pertences e impedi-las de sair de casa, sempre adjetivando-as de “vadias”, “burras”, entre outros.
Mas não são só as mulheres as vítimas. Num vídeo em específico, Tate refere que se um homem estiver em paragem cardíaca e precisar da manobra de reanimação cardiopulmonar ele não o vai fazer, mesmo sabendo como aplica-la. Isto porque diz que não é homossexual.
Apesar da política de segurança, os conteúdos que envolvem Tate não são bloqueados ou banidos, pelo contrário. Muitas vezes até são promovidos pelo próprio algoritmo. O Observer do Guardian fez o teste: os investigadores criaram uma nova conta do TikTok de um adolescente imaginário, usando um nome e data de nascimento falsos.
“No início, a conta do jovem de 18 anos era uma mistura de temas, incluindo clips de comédia, vídeos de cães e discussões sobre a saúde mental dos homens”, afirmam. “Mas depois de o utilizador falso ver vídeos mais direcionados ao sexo masculino – incluindo um clipe do podcast Alpha Blokes e um clipe de um TikTokker a afirmar sobre como os homens “não falam sobre seus sentimentos” – o algoritmo começou a sugerir mais conteúdos que pareciam adaptados para homens”.
Sem “gostar” ou pesquisar qualquer conteúdo, as sugestões começaram a incluir vídeos de Andrew Tate. “Inclusive um [vídeo] de uma conta que usava o nome de Tate e uma foto com a legenda “dura realidade dos homens”, que parecia culpar o feminismo por tornar os homens miseráveis, acrescentando que a “maioria dos homens não tem dinheiro, nem poder, nem sexo com as suas mulheres”, e que suas vidas são “uma porcaria”.”
Após a visualização dos dois vídeos, o algoritmo começou a sugerir de forma contínua os vídeos de Andrew Tate, sempre com conteúdos e visões misóginas. Depois de fecharem a aplicação e voltarem a abrir, os investigadores aperceberam-se que os quatro primeiros vídeos foram de Tate, de quatro contas diferentes. “O conteúdo de Tate foi de longe o mais promovido.”, notam.
Este tipo de conteúdo está a preocupar os especialistas, principalmente porque a disseminação do conteúdo de Tate na plataforma chega a milhares de pessoas de diversas idades e onde os vídeos já foram vistos mais de 11,6 mil milhões de vezes.
Estas questões com Andrew Tate não são recentes. Em 2016, foi expulso do Big Brother do Reino Unido por causa de um vídeo onde batia numa mulher com um cinto. Depois de várias polémicas, em setembro de 2017, foi criticado por dizer que a depressão “não é real”. No mês seguinte, disse no Twitter que as mulheres deveriam “ter alguma responsabilidade” por serem violadas. Nessa altura, foi banido da plataforma.
Foi também na Internet que falou abertamente sobre o facto de ter sido acusado de violência contra várias mulheres, embora não tenha sido acusado de nenhum crime além de uma infração em 2018, onde, diz, em entrevista, que durante uma luta acidentalmente acertou numa mulher e lhe partiu a mandíbula.
Num outro vídeo, Tate conta que foi investigado pela polícia por supostamente ter abusado de uma mulher, algo que negou. No entanto teve a sua casa interdita, aparelhos confiscados e ficou detido durante dois dias. Na época em que a polícia do Reino Unido estava investigando as alegações, Tate viajou para a Roménia. Ao explicar as razões da mudança, deu a entender que era porque seria mais fácil fugir das acusações. Este é “provavelmente 40% do motivo” pelo qual se mudou, diz em vídeo, acrescentando: “Não sou um violador, mas gosto da ideia de apenas poder fazer o que quero. Eu gosto de ser livre.”