Um novo estudo publicado na revista Psychophysiology sugere que o narcisismo e a autoestima podem ser traços de personalidade que começam a surgir desde cedo nas crianças com apenas quatro anos de idade. As descobertas foram obtidas medindo a condutividade elétrica da pele de um conjunto de crianças e comparando, mais tarde, os dados com as respostas que os próprios participantes terão dado a um formulário a que responderam cerca de três anos depois.
Os resultados do estudo foram claros: crianças de quatro anos com níveis de condutividade elétrica da pele mais elevados mostraram tendência para apresentarem níveis mais altos de narcisismo aos 7 anos, quando completaram o formulário, já aquelas que apresentaram níveis de condutividade da pele mais reduzidos durante a avaliação social provaram ter uma maior autoestima aos 7 anos.
Compreender o estudo em causa implica compreender também os conceitos de narcisismo e autoestima até porque, e de acordo com vários estudos de psicologia, a autoestima é um ingrediente essencial no desenvolvimento das crianças, já que está associada a níveis mais baixos de ansiedade e depressão e a um melhor desempenho escolar. Ainda assim, vários outros estudos já vieram expressar preocupação de que níveis muito elevados de autoestima possam ser um indício de narcisismo, uma característica que se pode definir pela admiração exagerada de um indivíduo pela sua própria pessoa.
Embora o narcisismo seja frequentemente associado a elevados níveis de autoestima, o presente estudo procura provar a diferença que existe entre os dois termos e como a presença de autoestima não tem de ser um indício de narcisismo, tratando-se de dois traços de personalidade distintos. De acordo com os investigadores a autoestima pode ser caracterizada pela redução da preocupação com julgamentos sociais, já que existe uma segurança intrínseca que não procura validação. Já o narcisismo assume-se como o oposto, definindo-se pela preocupação com os julgamentos sociais e a procura por validação externa.
Segundo o grupo de investigadores que liderou o estudo, os primeiros indícios, tanto de autoestima como de narcisismo, surgem já desde os quatro anos e podem ser medidos colocando as crianças em ambientes sociais concretos. Neste caso, o ambiente social em causa tratava-se de um laboratório de observação no qual os participantes, todos eles crianças entre os quatro e os cinco anos, tocaram uma música num palco, gravadas por uma câmara de vídeo. Durante a experiência, foram registados os níveis de entusiasmo das 71 crianças que participaram no estudo, medindo, para isso, os níveis de condutividade elétrica da sua pele, a sua frequência cardíaca e a variabilidade da frequência cardíaca. No processo foram consideradas três fases diferentes: a fase de antecipação de dois minutos antes de a criança se apresentar, os momentos durante a apresentação e a fase posterior de recuperação de um minuto após a apresentação.
Os resultados obtidos desta experiência foram depois guardados para mais tarde virem a ser comparados durante a segunda fase da experiência. Esta, por sua vez, ocorreu cerca de três anos após a primeira fase depois de as crianças completarem os seus 7 anos de idade. Nesta altura, os participantes foram convidados a regressar para preencherem um questionário cujo principal objetivo era avaliar o narcisismo e a autoestima. Respondidos os questionários, os investigadores ocuparam-se de comparar os resultados obtidos na última fase com os resultados obtidos três anos antes aquando da medição da condutividade elétrica da pele das crianças.
Conclusões
Ao analisar esses dados, os autores do estudo descobriram que o desempenho no palco aumentou os níveis de entusiasmo das crianças. Tal era, no entanto, previsível, já que se esperava que as crianças mostrassem aumentos na frequência cardíaca e condutividade elétrica da pele, assim como diminuições na variabilidade da frequência cardíaca durante o desempenho. Foi a associação entre esses números e os níveis de narcisismo e autoestima avaliados três anos depois que se provou a maior descoberta.
Assim, as crianças que apresentavam níveis mais elevados de narcisismo aos 7 anos de idade foram aquelas que apresentaram também uma condutividade elétrica mais elevada da pele antes do desempenho, condutividade essa que aumentou durante o desempenho e permaneceu alta durante a fase de recuperação. Por outro lado, as crianças que tinham altos níveis de autoestima aos 7 anos apresentaram no geral níveis mais reduzidos de condutividade durante toda a tarefa social. É ainda de realçar que “os efeitos surgiram para a condutividade da pele, mas não para a frequência cardíaca ou para a variabilidade da frequência cardíaca”, como se destaca no próprio estudo.
Os resultados obtidos são a prova, segundo os autores, de que o narcisismo e a autoestima são dois conceitos muito diferentes. “Estas descobertas revelam indicadores fisiológicos distintos de narcisismo e autoestima: o narcisismo é previsto por indicadores que refletem preocupações socioavaliativas precoces, enquanto a autoestima é prevista por indicadores que refletem uma sensação precoce de conforto em contextos socioavaliativos”, explicam os autores.
As descobertas vão ainda ao encontro da ideia de que “as crianças predispostas a altos níveis de narcisismo são mais frágeis e propensas a preocupações socioavaliativas, enquanto crianças predispostas a altos níveis de autoestima são mais seguras e capazes de se sentirem confortáveis em contextos socioavaliativos”.
Acredita-se também que a condutividade elétrica da pele possa corresponder a um instinto de sobrevivência do corpo, um ativar do sistema nervoso que prepara o corpo para lutar ou fugir em momentos de stress, pelo que algo semelhante poderá acontecer em indivíduos com traços narcisistas. “Isto sugere que crianças predispostas a altos níveis de narcisismo entram num modo de luta ou fuga quando antecipam estar no centro das atenções”, explicam os autores. “Quando mantida por longos períodos de tempo, tal resposta pode ter consequências prejudiciais à saúde, o que ajuda a explicar o porquê de os adultos com altos níveis de narcisismo terem tendência a ter níveis elevados de stress oxidativo basal (uma condição biológica)”.
Os autores preocuparam-se ainda em tentar perceber as limitações da sua própria investigação, sendo uma das principais a amostra reduzida de apenas 71 participantes tida em conta no estudo que irá, inclusive, exigir no futuro uma repetição da investigação com uma amostra maior. Os autores sugerem também no relatório publicado que estudos futuros devem explorar possíveis expressões de narcisismo e autoestima que se manifestem antes dos 7 anos.