Hoje, dia 14, a coroa espanhola celebra 60 anos de um dos casamentos mais documentados e conturbados da história da monarquia recente. Trata-se das bodas de diamante do rei emérito Juan Carlos e da sua mulher, a rainha Sofía, antiga princesa da Grécia e da Dinamarca.
Conheceram-se num cruzeiro pelas ilhas da Grécia e reencontraram-se em várias ocasiões depois disso, mais notavelmente no casamento do Duque de Kent, em 1961, onde Juan Carlos, por questões de protocolo, acabou convenientemente sentado ao lado de Sofía. A aparente proximidade entre os dois jovens príncipes gerou muitos rumores entre os observadores da vida monárquica, estimulados sobretudo pela passagem de Juan Carlos, no verão de 1961, pela ilha de Corfu, na Grécia, onde estava localizada uma das residências da família real grega. Os boatos passaram a facto três meses após o casamento do nobre britânico, com o noivado de Juan Carlos e Sofía a ser anunciado em Setembro de 1961. Reza a lenda que o rei emérito de Espanha terá simplesmente atirado a caixa com o anel de noivado e dito: “Sofía, apanha!”
O casamento realizou-se em 1962, na cidade de Atenas, e teve direito a duas cerimónias, uma pela igreja católica – a religião de Juan Carlos – e outra pela igreja ortodoxa grega – a religião de Sofía. A cerimónia causou uma enorme vaga de contestação social entre os cidadãos gregos, enfurecidos com a extravagância da celebração e com a verba doada à então princesa pelo parlamento helénico. Nessa altura, centenas de pessoas foram presas, e os protestos violentos que se seguiram encheram os hospitais de feridos. Contudo, o casamento avançou, e a história do casal começou a ser escrita.
Até 1968, tiveram três filhos: Cristina de Bourbon, Elena, Duquesa de Lugo, e Felipe VI, o atual rei de Espanha. Durante os primeiros anos de casamento viveram os seus momentos mais felizes enquanto casal, mas o estado da relação iria rapidamente deteriorar-se. Seguiu-se uma sucessão vertiginosa de complicações, muitas delas precipitadas pela conduta pouco recomendável de Juan Carlos.
O homem das 1500 amantes
Os números variam, mas estima-se que Juan Carlos, durante o casamento, tenha tido por volta de 1500 amantes. Ao longo dos anos, um pouco por toda a imprensa internacional, o rei emérito espanhol tem sido retratado como um mulherengo, e muitas piadas foram feitas à custa do seu nome – Juan –, equiparando-o ao mítico sedutor da literatura espanhola “Don Juan”, uma personagem concebida pelo dramaturgo Tirso de Molina.
Segundo a jornalista espanhola Pilar Eyre, famosa por acompanhar de perto as peripécias da coroa espanhola, Juan Carlos nunca esteve apaixonado por Sofía, e só aceitou casar com a princesa da Grécia devido à pressão da família real, particularmente do seu pai, o conde de Barcelona Juan III, que ambicionava prolongar a dinastia. Eyre diz que “Juan Carlos era também um homem atormentado por uma infância com pouco amor e cuidado” e que, “na realidade, nunca deixou de procurar esse amor que lhe faltara tão cedo”.
Olhando para a outra face do casamento, Pilar Eyre dedicou um livro em 2012 a Sofía, intitulado “A Solidão da Rainha”, onde descreve a rainha de Espanha como uma mulher só, psicologicamente debilitada e muito sofrida com as relações extraconjugais do marido. A biografia não foi autorizada pela coroa espanhola e gerou muita polémica, pois divulgou muitos pormenores íntimos sobre o dia a dia do casal real. O livro dedica-se sobretudo a interpretar o que estará por detrás da fachada “antipática” que a grande maioria dos espanhóis reconhece à princesa da Grécia.
Durante o processo de pesquisa e escrita, Eyra garante ter encontrado uma mulher “vulnerável” e “terna”, mas “magoada” com a infidelidade de Juan Carlos. A partir de 1976, o casal deixou praticamente de conviver e apenas se encontrava em cerimónias oficiais, vivendo inclusivamente em andares diferentes no Palácio da Zarzuela, a residência dos reis de Espanha.
De todas as relações extraconjugais de Juan Carlos, a mais impactante foi sem dúvida foi a que teve com a empresária alemã Corinna Larsen. O jornal El País escreveu em 2020 que Juan Carlos “estava disposto a deixar tudo por ela”, e que considerou divorciar-se de Sofía para casar com a alemã. A relação entre os dois terminou em 2014, devido a mais uma traição amorosa do rei emérito e à sua relutância em assumir o envolvimento publicamente, mas Corinna acabou profundamente entrelaçada nas atividades relativas à outra faceta de Juan Carlos: o homem de negócios questionáveis.
Alegações de corrupção e exílio em Abu Dhabi
A coroa espanhola foi novamente abalada com as alegações de que Juan Carlos terá recebido indevidamente uma comissão pela adjudicação a um consórcio espanhol da construção de um projeto ferroviário na Arábia Saudita. No cerne desta polémica está o pagamento de 100 milhões de euros por parte da monarquia saudita a uma conta de uma fundação da qual o rei emérito era o principal beneficiário.
E é aqui que Corinna Larsen entra em cena: dos 100 milhões de euros, a empresária terá recebido 65 pela mão de Juan Carlos, soma que, entretanto, terá declinado devolver, mesmo depois da relação entre os dois ter terminado. Terá também revelado inadvertidamente, quando uma conversa sua com o ex-polícia José Manuel Villarejo foi gravada sem o seu consentimento, que o ex-amante usava testas-de-ferro na Suíça para esconder o dinheiro dele do público.
Mas as acusações não ficaram por aqui. O ex-monarca foi também acusado de utilizar cartões de crédito ligados às contas bancárias de um empresário mexicano, Allen Sanginés-Krause, que alegadamente financiava as despesas de Juan Carlos (com um valor de 278 mil euros por ano) e de um oficial da força aérea espanhola. Uma terceira investigação, aberta em 2020 pelo Ministério Público espanhol, visava investigar as atividades de uma empresa ligada ao antigo monarca na ilha de Jersey – um conhecido paraíso fiscal – e se estas representariam uma operação de branqueamento de capitais.
Após as investigações, Juan Carlos, sujeito a um escrutínio intenso da imprensa espanhola, que se multiplicou em artigos e peças televisivas sobre o seu estilo de vida e a sua fortuna oculta, mudou-se para Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes Unidos, onde vive desde 2020.
Mais recentemente, em março de 2022, a Justiça espanhola decidiu arquivar os processos acima descritos, “em particular devido à falta de provas incriminatórias” e “ao estatuto de limitação dos delitos”, abrindo o caminho para um possível regresso a Espanha. Contudo, o monarca, de 84 anos, já terá respondido que irá permanecer nos Emirados, citando como justificação “razões pessoais que não interessam a ninguém, mas a mim mesmo”.
Durante todo o processo, a rainha Sofía, hoje com 83 anos, manteve o silêncio, tentando preservar a pouca credibilidade que ainda restava à coroa espanhola, escudar ao máximo os seus filhos de potenciais críticas ou comentários insultuosos e preparar a eventual ascensão ao trono de Felipe VI, que se concretizou em 2014. Não existe qualquer motivo, portanto, para assinalar as bodas de diamante do casal real com alguma cerimónia oficial, o que, para Pilar Erya, não passaria de um “atrevimento”: “Seria grotesco felicitar um casamento que não existe.”