De acordo com especialistas, a próxima variante da Covid-19 pode emergir na Papua-Nova Guiné, país vizinho da Austrália onde menos de 5% da população adulta está vacinada.
“Preocupa-me que a Papua-Nova Guiné seja o próximo local onde uma nova variante surja”, admite Adrian Prouse, chefe dos programas humanitários internacionais na Cruz Vermelha australiana, ao jornal britânico The Guardian. “Na Papua-Nova Guiné, menos de 5% da população adulta está vacinada; na Indonésia, pouco menos de um terço. Dois países mesmo à nossa porta com desafios significativos na introdução das vacinas”.
Em vários momentos, durante a pandemia, houve a preocupação de que viajantes da Papua-Nova Guiné pudessem transportar o vírus para a Austrália. Mas Stefanie Vaccher, epidemiologista no Instituto Burnet, em Melbourne, defende que a preocupação a nível global não deve ser onde surge a próxima variante, mas sim como evitá-lo. “Penso que não deve importar em que país surge uma variante para que o mundo se preocupe. Os países têm a responsabilidade de pensar globalmente e a pandemia revelou o quão interligados estamos”, afirma, em declarações ao mesmo jornal.
“Estas são pessoas que sofrem em qualquer país e as suas vidas são tão importantes como qualquer outra pessoa”, continua.
“Em populações com baixas taxas de vacinação, há mais oportunidades para que o vírus se propague e mude. Na Papua-Nova Guiné, onde menos de 4% da população está vacinada, há muitas oportunidades para que o vírus se transforme e propague”, explica Vaccher.
A Papua-Nova Guiné tem sido drasticamente afetada pela Covid-19. O país contabiliza 35.927 infeções e 592 óbitos desde o início da pandemia. Mas teme-se que estes números não traduzam a realidade, devido a uma baixa taxa de testagem e um certo estigma em contrair a doença.
Segundo Prouse, a Papua-Nova Guiné recebeu uma quantidade adequada de vacinas, mas, para o médico, o problema foi a comunicação, que contribuiu para tornar os papuásios reticentes quanto à vacinação.
O governo australiano doou dezenas de milhares de doses da vacina AstraZeneca ao país vizinho, ao mesmo tempo que recomendava que a vacina não fosse administrada a pessoas com menos de 60 anos na Austrália, devido ao risco reduzido de coágulos no sangue. “Há sérios problemas de hesitação em relação às vacinas na Papua-Nova Guiné – as pessoas simplesmente não estão dispostas a ser vacinadas por muitas razões: preocupações em torno da vacina, preocupações em torno da feitiçaria, receio de serem estigmatizadas”, explica Prouse.
“Altas taxas de infecção e baixa cobertura vacinal aumentam significativamente o risco de a Covid-19 não só se espalhar, mas também de desenvolver mutações”, escreve Vachher num artigo de opinião no The Sydney Morning Herald. “Combinado com altas taxas de HIV e tuberculose, também observadas na África do Sul, o risco de uma nova variante perigosa do coronavírus surgir à porta da Austrália torna-se muito real”.
Na África do Sul, onde surgiu a última variante Ómicron, uma em cada quatro pessoas está vacinada. Na Papua-Nova Guiné, esse número é ainda menor: uma em cada vinte. Desinformação, medo e confusão estão na base da hesitação vacinal, auxiliada por desafios práticos e logísticos que impediram que o processo decorresse com sucesso no país.
E não é só a Covid-19 que está a causar estragos na Papua-Nova Guiné: devido à pandemia, o sistema de saúde já de si frágil ficou sobrecarregado, e depara-se atualmente com outros problemas como a malária, tuberculose, e uma pobre saúde maternal e infantil. “Outro facto devastador é que a mortalidade materna duplicou no último ano”, lamenta Vaccher. “A Covid joga um pouco nesse sentido – a Covid afeta muito as mulheres grávidas. Mas também se deve ao facto de os hospitais terem fechado, de médicos e enfermeiros estarem desempregados com Covid, as pessoas têm demasiado medo de vir ao hospital para marcar consultas”, conclui.