No final do mês de maio, foram encontradas mais de 200 sepulturas de crianças indígenas junto às imediações de um colégio interno que funcionou entre 1893 e 1978, em Kamloops, Canadá. A comunidade indígena local fez a descoberta com a ajuda da especialista em georradares, Sarah Beaulieu, durante uma investigação à área junto à escola residencial indígena de Kamloops.
Num comunicado de imprensa realizado na última quinta-feira pelo grupo indígena Primeira Nação, conhecido por Tk’emlúps te Secwépemc, pode ler-se: “Estamos aqui para homenagear as crianças desaparecidas que podem ter passado por situações inacreditávies que levaram à sua morte e cujos restos mortais foram colocados em sepulturas não identificadas. Não estamos aqui para retaliação. Estamos aqui para dizer a verdade. Estamos a definir um caminho para trazer a paz às crianças desaparecidas da escola residencial indígena de Kamloops, às famílias e às comunidades”.
Rosanne Casimir, chefe da comunidade, disse que a comunidade pretende identificar as crianças que foram enterradas nas sepulturas e repatriá-las nas suas comunidades de origem.
Agora, as autoridades envolvidas alertaram que, provavelmente, serão encontradas mais sepulturas nos próximos meses. “Esta investigação foi realizada muito superficialmente, cobrindo pouco menos de um hectare de um total de 64 hectares do local da escola”, esclareceu Sarah Beaulieu, que lidera a investigação forense.
A tragédia mobilizou, ao longo da última semana, inúmeras pessoas, que prestaram homenagem às crianças junto a um monumento em frente à escola e onde foram deixados vários sapatos de crianças, flores, peluches e bilhetes. Noutros locais do Canadá, também estão a ser desenvolvidas investigações relacionadas com abusos a crianças indígenas. “Estamos a falar claramente de milhares e milhares de crianças desaparecidas”, afirmou Lisa Hodgetts, presidente da Associação Arqueológica do Canadá.
O sistema de colégios internos associados à Igreja Católica no Canadá foi responsável por separar 150 mil crianças indígenas das famílias, sob a medida de escolaridade obrigatória. De acordo com um relatório de 2015 da Comissão de Verdade e Reconciliação do Canadá, estima-se que mais de 4 mil crianças tenham morrido vítimas de doença ou maus tratos nesses colégios.
Evelyn Camille, que estudou durante 10 anos no colégio de Kamloops, falou numa apresentação, na última quinta-feira, sobre os vários abusos e a negligência que levaram várias crianças à morte, enquanto fugiam da escola. “As escolas residenciais foram construídas especificamente para tirar o índio que há em nós, para nos tirar a nossa língua, cultura e tradições”, referiu Camille.
Outros alunos já tinham partilhado histórias sobre a situação. “Às vezes as pessoas não voltavam, ficávamos felizes por eles, pensávamos que tinham fugido, sem saber se o fizeram ou o que lhes tinha acontecido”, disse Harvey McLeod, em entrevista à CNN.
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, disse, numa entrevista em Montreal dada na última quinta-feira, que o governo está preparado para fornecer mais financiamento para ajudar as comunidades indígenas a realizar buscas, além dos cerca de 18 milhões de euros alocados até ao momento. “Haverá mais financiamento conforme necessário para continuar a permitir que as comunidades obtenham respostas”, afirmou o líder canadiense. “Também nos comprometemos e continuaremos a comprometer em partilhar todos e quaisquer registos que o governo federal tenha para ajudar a identificar as sepulturas”, acrescentou.
Há vários anos que, entre a comunidade, se ouvem histórias de abusos às crianças indígenas e se diz que muitas delas tinham desaparecido das escolas. Alguns ex-alunos relataram casos de alunas que engravidaram de padres e monges e cujos recém-nascidos foram queimados. O colégio fechou ao fim de 10 anos sob a direção do governo e atualmente funciona como museu e instalação comunitária, onde decorrem eventos culturais e memoriais.