O estudo, liderado pela Rede de Prevenção COVID-19 (CoVPN) e financiado pelos EUA, iria testar vacinas com RNA mensageiro em pessoas com HIV e grávidas, em oito países de África, onde as taxas de seropositividade são altas e onde há escassez deste tipo de vacinas e uma forte predominância de novas variantes, especialmente a de África do Sul (B.1.351). Até agora não há fabricantes interessados em participar no estudo.
O ensaio proposto, denominado CoVPN 3008, envolveria 14 mil voluntários em África do Sul, Botswana, Zimbabué, Essuatíni (antiga Suazilândia), Malawi, Zâmbia, Uganda e Quénia, onde a taxa de adultos infetados com HIV varia entre 4,5% e 27 por cento. Metade dos participantes do estudo iria receber a vacina mRNA, e a outra metade injeções placebo. Mas uma vez que houvesse provas suficientes de que a vacina é eficaz contra a variante B.1.351, no geral, e em africanos com HIV e/ou grávidas, quem ficou com a de placebo receberia mesmo a vacina. Com a rápida disseminação do vírus, a pesquisa daria resultados em 12 semanas, segundo refere na revista Science Lawrence Corey do Centro de Investigação do Cancro Fred Hutchinson que ajudou a organizar o ensaio.
Há dinheiro, há um estudo desenhado, mas não há vacinas. Para haver, era necessário que um dos fabricantes, que conduzisse o estudo, as fornecesse.
Um grupo de ativistas de África do Sul escreveu uma carta a funcionários do governo dos EUA, incluindo a Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infeciosas (NIAID), que já tinha concordado em financiar o estudo, a criticar o estado do processo.
Justificação da Pfizer para não participar:
Este estudo é desnecessário porque as provas apontam para que a sua vacina funcione bem contra a variante de África do Sul, e a empresa tem um estudo internacional a decorrer com mulheres grávidas.
Justificação da Moderna para não participar:
A vacina da Moderna ainda não tem provada a eficácia contra a variante de África do Sul. No início, a empresa norte-americana de biotecnologia concordou em participar, mas mudou opinião. A justificação passou por questões de logística do estudo (relutância nos seus colaboradores fazerem a vigilância dos fármacos e preocupações com a maneira como o estudo ia ser conduzido. Também mostraram preocupações com os efeitos secundários possíveis, uma vez que a responsabilidade iria cair sobre eles.
Outro argumento utilizado pela Moderna, é que neste momento tem como prioridade testar a sua nova formulação. “Acreditamos que a ciência e a saúde pública vão ficar melhor servidas investigando a segurança e eficácia de uma vacina multivalente que inclui uma sequência contra a variante B.1.351”, esclareceu um porta-voz da Moderna. “Estamos em discussões ativas com potenciais investigadores em África para conduzir tal estudo”.
Será mesmo importante realizar este estudo?
Segundo defende Linda-Gail Bekker, diretora do Desmond Tutu HIV Center e investigadora no CoVPN 3008 (este estudo): “Não há vacina para a maioria das pessoas nesta região, e os participantes do ensaio provavelmente vão ter as doses mais cedo.”
Lawrence Corey diz que “ter dados que demonstrem a eficácia das vacinas com mRNA nesta região, provam que excluir estes países do acesso a este tipo de vacinas é medicamente inapropriado”.
Se este teste, com o tipo de vacina mRNA, for avante, e provar que a atual vacina da Moderna funciona contra a variante de África do Sul, Glenda Gray, que chefia o Conselho de Investigação Médica de África do Sul, prevê que a Moderna e a Pfizer poderão avançar com vacinas especificamente produzidas contra as diferentes variantes, e, ao mesmo tempo, contra o vírus original. A sua esperança é que à medida que os países ricos adotem as novas formulações da vacina haja “uma grande quantidade da vacina [original] de mRNA que ninguém queira”. Se isso acontecesse ela acredita que as vacinas poderiam ficar mais baratas.
Tanto a Pfizer como a Moderna, a Novavax e a Jansen incluíram pessoas com HIV nos seus ensaios laboratoriais. O da Johnson & Johnson foi o que utilizou mais pessoas seropositivas (1218).
Pode ler-se no site da Associação Britânica de HIV que, ao que tudo indica, as vacinas não são menos seguras para pessoas com HIV, uma vez que não usam o vírus vivo e, portanto, não são menos seguras em pessoas com sistema imunológico danificado”. No entanto, acrescentam que “é possível que pessoas com HIV não respondam tão bem à vacina. Isso significa que a vacina pode desencadear uma resposta mais fraca nas pessoas com HIV”.
Os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA recomendam que os seropositivos sejam inoculados com a vacina, mas alerta para o facto de haver pouca informação no que toca à segurança da vacina para estes indivíduos. “Ainda não estão disponíveis informações sobre a segurança das vacinas Covid-19 para pessoas com sistema imunitário enfraquecido, neste grupo”. Menciona os ensaios clínicos onde estavam também pessoas com HIV, mas avisa que “dados de segurança específicos para este grupo ainda não estão disponíveis, de momento”.
Foram feitos dois estudos para avaliar a resposta do sistema imunitário à vacina Oxford/ AstraZeneca em pessoas infetadas com HIV. Um em Londres e um em África do Sul. Nenhum com mais de 300 pessoas (com e sem HIV). Os resultados indicam que os efeitos secundários não são mais graves em pessoas com o vírus.