No dia 28 de agosto, Shinzo Abe renunciou ao cargo de primeiro-ministro do Japão por “motivos de saúde”. Quatro dias antes, tinha-se tornado no líder do Japão que mais tempo permaneceu em funções. Já ocupava o cargo desde 2012.
O seu anúncio originou imediatamente o processo de eleição do novo líder do Partido Liberal Democrático (PLD) do Japão. No dia 14 de setembro, a eleição interna do PLD definiu o sucessor de Abe: Yoshihide Suga.
Um estranho entre a elite
A maioria dos políticos japoneses nasceu em famílias da elite. Por essa razão, Suga é um intruso na “Dieta”, o Parlamento Nacional do Japão. Nascido em 1948 numa aldeia da Prefeitura de Akita, o novo líder do PLD é filho de uma professora primária e de um agricultor.
O pai de Suga trabalhava nos caminhos de ferro do Sul da Manchúria durante a segunda guerra mundial. Quando o Japão se rendeu, decidiu dedicar-se ao cultivo dos morangos na sua aldeia. O negócio teve sucesso e começaram a exportar os produtos para várias cidades.
No entanto, Suga não quis seguir o negócio da família. Após terminar o ensino secundário, partiu para Tóquio e começou a trabalhar numa fábrica de cartão, onde esteve durante dois anos. Acabou por ficar desapontado com o trabalho na fábrica e decidiu ingressar na Universidade de Hosei. Trabalhava em part-time de dia e noite para conseguir pagar os seus estudos.
Depois de terminar o ensino superior, Suga regressou à sua terra natal e arranjou um trabalho numa empresa de reparação elétrica. Foi nesta altura que começou a pensar em enveredar pela política.
O percurso na política japonesa
Em 1975, com 26 anos, Suga ocupou o seu primeiro cargo político. Com a ajuda da rede de antigos alunos da sua Universidade, tornou-se secretário de um membro da Câmara dos Representantes do Japão.
Com o passar dos anos, o jovem japonês foi aprendendo os ossos do ofício da política japonesa. Em 1987, concorreu à Assembleia da cidade de Yokohama e venceu as eleições locais. Em 1996, com 47 anos, Suga ocupou o seu primeiro cargo político a nível nacional, ao tornar-se membro da Câmara dos Representantes do Japão pelo PLD.
Durante estes anos, Suga aproximou-se de Shinzo Abe. Na época, partilhavam uma paixão: a defesa dos cidadãos japoneses sequestrados pela Coreia do Norte nos anos 70 e 80. Ao contrário de Suga, que vinha de uma aldeia e era filho de um agricultor, Abe vinha de uma família da elite política do país – é filho de um ministro e neto de um primeiro-ministro.
Em 2006, Abe tornou-se primeiro-ministro e Suga foi nomeado Ministro da Administração Interna. Mas foi apenas em 2012, no segundo mandato de Abe, que Suga chegou a chefe de gabinete do primeiro-ministro japonês, função que ocupou até à sua renúncia, no mês passado.
Uma escolha improvável
O trabalho de Suga como chefe de gabinete garantiu-lhe uma fama de “homem do aparelho” e não tanto de possível líder do partido – sempre foi uma pessoa reservada, que não procurava o estrelato.
Este perfil não o tornava no candidato mais provável para suceder a Abe. No entanto, conseguiu angariar 377 dos 535 votos da eleição interna do PLD e foi o escolhido para reanimar uma economia devastada pelos efeitos da covid-19 – sem esquecer as relações com os EUA e a China, ou a crise de natalidade do Japão.
Ao longo da sua carreira, Suga mostrou vontade de implementar reformas estruturais na economia, através de medidas para aumentar a produtividade, encorajar a competitividade e diminuir a regulação económica no país. Fez parte de processos como a privatização das linhas-de-ferro ou dos correios japoneses.
Na sua candidatura a primeiro-ministro, Suga promete dar continuidade às políticas de alívio financeiro e de estímulos fiscais de Abe. No entanto, também assegura que pretende digitalizar os serviços “arcaicos” do governo japonês e consolidar os bancos regionais.
Auto-disciplina na liderança
Yoshihide Suga tinha uma rotina matinal durante os seus oito anos como chefe de gabinete do primeiro-ministro. Acordava às 5 da manhã, lia as notícias durante uma hora, fazia cem abdominais e uma caminhada de 40 minutos. Por fim, tomava o pequeno-almoço e ia para o escritório, às 9 da manhã.
Esta rotina matinal reflete uma das características mais proeminentes de Suga: a auto-disciplina. Conhecido por ser exigente com os funcionários do governo japonês, o novo primeiro-ministro referiu, num debate, que “as pessoas pensam que eu sou intimidador, mas sou muito simpático com aqueles que fazem o seu trabalho corretamente.”
Esta auto-disciplina, aliada ao impulso para implementar reformas estruturais na economia, prometem fazer de Suga um líder diferente de Abe. Ao contrário do antigo primeiro-ministro, que brilhava na pasta das relações diplomáticas com o estrangeiro, o novo chefe do governo apresenta-se como um “homem do sistema”, mais conhecedor das burocracias e focado nas políticas públicas nacionais.
“Sou o filho mais velho de um agricultor. Lancei-me para o mundo da política sem quaisquer laços familiares nem contactos. Comecei do zero e consegui chegar a líder do PLD”, afirmou Suga após vencer as eleições internas. Com 71 anos, o novo líder do Japão enfrenta o maior desafio da sua carreira.