O debate político nos EUA já chegou às proteções faciais contra o novo coronavírus. Para democratas, são a “expressão visual” do dever cívico e uma forma de respeito. Para republicanos, um símbolo de submissão. É nestes termos que tem sido feita a discussão em torno da máscara, que não é de uso obrigatório em espaços fechados, nos EUA, como no caso de Portugal.
Roy Cooper, governador (democrata) da Carolina do Norte, uma cara tapada “significa força e compaixão pelos outros”.
No sentido contrário, muitos conservadores consideram o uso de máscara um sinal de fraqueza, emasculação, cobardia e hipocrisia. Quem usa máscara está a encolher-se de medo e a exagerar a ameaça do vírus – opiniões que não estarão longe das do próprio presidente americano, que se recusa a usar máscara, seja em que situação for.
Segundo uma sondagem, a maioria dos americanos aceita os benefícios médicos das máscaras. Mas os que se dizem contra o seu uso são, na maioria das vezes, republicanos e do sexo masculino. Um outro estudo sobre as atitudes americanas em relação às máscaras descobriu que os homens acreditam que não serão “seriamente afetados pelo coronavírus”, caso sejam infetados, embora as estatísticas mostrem que os homens morrem mais e têm mais consequências graves.
R.R. Reno, o diretor do jornal religioso conservador First Things e professor de teologia e ética na Universidade de Creighton, escreveu no Twitter uma serie de comentários a associar o uso da máscara à falta de coragem, apelidando-a de “cobardia forçada”.
No mês passado, quando Trump visitou uma fábrica de máscaras do Arizona (não usando máscara), jornalistas foram acossados por estarem a usar máscara, de acordo com a repórter BrieAnnna J. Frank. “É submissão, é amordaçar-se, parecer fraco – especialmente para homens”, criticou um dos presentes.
A discussão também já chegou à restauração. Recentemente, surgiu uma placa na porta de um restaurante do Texas a proibir máscaras: “Devido à nossa preocupação com nossos clientes, se estes acham que precisam de usar uma máscara, devem ficar em casa até sentirem que é seguro estar em público sem uma.”
Por outro lado, as máscaras têm também sido usadas como instrumento de protesto, nas manifestações sobre o caso George Floyd: são comuns máscaras com frases antirracistas e de reivindicação de direitos para os negros.
Argumentos contra o uso de máscaras de proteção são recorrentes. O antropólogo Christos Lynteris, que realizou uma análise do papel cultural das “máscaras contra a peste” em outras pandemias, concluiu que os equipamentos de proteção foram considerados, ao longo da História, sinais de medo e cobardia. As famosas máscaras “com bico” dos médicos da Peste Negra, por exemplo, alimentavam o terror nas populações, ainda que neste caso fosse porque as pessoas sabiam que os médicos estavam em contacto permanente com doentes. “A imaginação assustada da peste é suficiente para causar a doença”, escreveu o médico Geronimo Gastaldi, durante o surto de Roma em 1656.
Já Napoleão, quando as suas tropas ficaram contaminadas pela peste depois de terem invadido a Síria, promoveu a ideia de que a coragem poderia curar a doença. Na pintura “Bonaparte visitando as vítimas da peste em Jaffa”, de Antoine-Jean Gros, de 1804, o líder francês aparece no meio dos soldados aflitos. Atrás dele, um oficial militar segura um lenço na boca, mas Napoleão, descalço e fazer lembrar Cristo, estende a mão para tocar a ferida aberta de um soldado. “A sede principal da praga estava na imaginação”, dizia Bonaparte. “A proteção mais segura, o remédio mais eficaz, é a coragem moral”. Dissipar o “medo” da praga foi uma ferramenta para consolidar o controlo.