Na reta final do seu mandato de cinco anos como comissário europeu, Carlos Moedas critica a forma de comunicar da União Europeia e o seu demorado processo de decisão. Pede, por isso, que a Europa fale diretamente às pessoas. Foi o que tentou fazer ao longo de uma hora de conversa com a VISÃO.
Dê-me três razões para, neste 9 de maio, se continuar a celebrar o Dia da Europa?
Acho que continua a haver mais do que três razões… Mas a primeira e a mais fundamental é a paz, embora isso não seja valorizado pela nova geração, que nunca viveu a guerra. A segunda razão é o facto de só unidos conseguirmos resolver os grandes problemas que nos afetam. Veja-se o caso das mudanças climáticas, onde a Europa, por estar unida, conseguiu ter um papel de liderança global. A minha experiência, dos últimos cinco anos, diz-me que a maior parte dos problemas só pode ser resolvida através da cooperação entre países. Isso é evidente nas alterações climáticas, mas também na saúde.
E a terceira razão qual é?
É a diversidade. Sabemos que hoje só se consegue criar emprego através da inovação. E a diversidade é o ingrediente principal da inovação. Só conseguimos inovar através da diversidade de pensamento, da diversidade de religiões, na tolerância como forma de pensar. A diversidade é o maior ativo da Europa – um ativo que, por exemplo, o programa Erasmus veio trazer à minha geração.
O que falta, então, para mudar a crescente perceção negativa que se tem perante a Europa?
Não quero, obviamente, desculpar a Europa, até porque a Europa neste caso falhou. A grande questão é a de saber como podemos comunicar, de uma forma clara para as pessoas, aquilo que fazemos e a importância que isso tem nas nossas vidas.
Como?
Veja, por exemplo, a preocupação que a nova geração tem com o ambiente, com as mudanças climáticas e com o aquecimento global. Mas quem é que trouxe essa preocupação para a primeira linha de debate em Portugal, quem é que começou a promover, nas escolas, a necessidade de defender o ambiente e de separar o lixo? Foi a Europa, mas nós esquecemo-nos. É como o roaming – daqui a dez anos todos vão achar normal não o pagar, e já ninguém se vai lembrar que foi a Europa que o tornou grátis. Temos falhado na comunicação com os cidadãos, na necessidade de explicar, no concreto, o que a Europa faz.
A verdade é que as pessoas já dão isso tudo como garantido. Será que não faltam, isso sim, novos objetivos, novos sonhos?
Faltam. Eu lancei esta ideia das Missões da Ciência – inspirada um bocadinho no repto do Kennedy de pôr um homem na Lua – com o objetivo de encontrar algo que possa entusiasmar-nos para o futuro. Nós temos na Europa os melhores cientistas do mundo e a melhor Ciência do mundo, mas não temos conseguido explicar às pessoas a importância disso para a vida delas.
Que desafios poderiam ser esses?
Podíamos ter uma missão com o objetivo de ninguém morrer de cancro – já não faz sentido falar na cura do cancro, como se sabe, mas podemos torná-lo uma doença crónica. Outra missão: construir o primeiro avião elétrico. Faltam, na Europa, objetivos que nos façam entusiasmar-nos com o futuro. E a Ciência e a inovação são atualmente grandes armas para a motivação das pessoas. Repare no que se passou em Portugal com o Web Summit, o entusiasmo que gerou à volta da inovação. O importante é essa dinâmica, a dinâmica do entusiasmo do futuro, do tentar mudar o mundo.
Parece gostar muito desta nova geração, os chamados millennials…
Sim, gosto muito. Na minha geração, nós só queríamos arranjar um emprego, eles agora querem não só um emprego mas querem também mudar o mundo. O nosso desafio é encontrar os desígnios que os façam entusiasmar-se de novo com a Europa.
Mas a verdade é que a Europa – e, no fundo, todos os governos europeus – não está a conseguir falar com esta nova geração. O Eurobarómetro vinca bem que eles nem pensam em votar, porque a Europa não lhes transmite esse desejo e esse sonho de mudança. Onde é que a Europa falhou com a nova geração?
Bem, a Europa teve partes em que falhou e partes em que não falhou. O programa Erasmus, por exemplo, é um programa transformacional. O problema é que não fizemos outros Erasmus noutras áreas. Mas o Erasmus funcionou não só por ser um excelente programa mas também porque as pessoas recebiam um cheque, no bolso, direto da Europa. Mas agora deixámos que a Europa fosse povoada por aquilo a que eu chamo a Europa dos intermediários.
O que é isso?
É o que se passa quando a UE dá dinheiro aos intermediários, sejam eles países ou organizações, mas que depois escondem o papel da Europa sempre que podem. Nós hoje ouvimos pessoas a dizer que foram ao banco e que receberam uma taxa de juro preferencial. É preciso que alguém lhes diga que essa taxa não lhes foi dada pelo banco, mas apenas e só porque estava lá uma garantia do fundo de investimento do Plano Juncker. A questão é que a pessoa não sabe, mas o banco também não lhe diz, porque não tem qualquer interesse nisso. Isto é apenas um exemplo, metafórico.
O que é preciso então fazer?
É preciso limpar, retirar os intermediários e ligar a Europa diretamente às pessoas. Repare no que se passou com a diretiva dos direitos de autor, em que uma comunicação da YouTube conseguiu manipular uma série de pessoas…
Porque conseguiu falar diretamente com as pessoas…
Exatamente aquilo que nós não conseguimos: falar diretamente com as pessoas.
Porquê?
Porque temos, na União Europeia, uma linguagem que é redonda e que foi construída para ser redonda. Os países querem que a comunicação da comissão seja redonda. Porque assim os países podem ganhar os louros.
Falta, portanto, uma voz da Europa?
Sim, falta uma voz da Europa, mas não só. Nós temos um presidente da comissão e um presidente do conselho – isso cria uma confusão brutal nos cidadãos. No fundo, o objetivo dos países é que a estrutura da União Europeia seja complicada e complexa para as pessoas não a perceberem. Tenho muita pena quando falo com jovens e percebo que eles sabem mais sobre o sistema norte-americano de governo do que sobre o sistema europeu de governo.
Como é que isso se resolveria?
Olhe, na vida, às vezes, o melhor é fazer coisas simples. Eu costumo dizer que a política é fazer o óbvio, só que o problema é que é difícil fazer o óbvio. Os miúdos deviam ter, desde a escola primária, aulas sobre a União Europeia, nem que fosse uma vez por mês.
Porque é que isso não se faz?
Porque muitos países vêm logo qualificar isso como se fosse propaganda. Mas não é. Tem apenas que ver com a informação do sistema onde vivemos. Mas, apesar de tudo, sinto que, em Portugal, nove em cada dez pessoas com quem me encontro gostam da Europa.
Mas há cicatrizes e feridas por sarar…
Obviamente que o tempo da crise, o tempo da Troika, foi muito duro e as pessoas ficaram com mazelas desse tempo em relação à Europa, Mas, em geral, felizmente, e quando comparado com outros países, as pessoas gostam do conceito de Europa.
Sente que a Europa está em perigo?
Sinto que, desde a II Guerra Mundial, nunca tivemos tantas crises como as que ocorreram nestes últimos anos. Basta pensar no terrorismo, nos refugiados, no Brexit, na crise financeira. Portanto, a União Europeia ter conseguido sobreviver já foi extraordinário. Agora, o Brexit veio trazer uma consciência que eu não tinha. Sempre achei, desde miúdo, que este processo de construção europeia era irreversível. Sabia que havia governos mais ou menos apaixonados pela Europa, mas que o processo ia sempre para a frente. O Brexit veio dizer que não, que isto, afinal, é reversível, que isto pode acabar. E isso é assustador.
Porquê?
Nós hoje vivemos neste pêndulo entre o multilateralismo e o bilateralismo. Países como os EUA já não acreditam nas organizações multilaterais, pensam que podem resolver tudo por eles ou por acordos bilaterais. O que é um erro brutal. Esta crise reflete-se na Europa também ao nível das instituições. Nós inventámos o método comunitário, formado por um corpo de comissários que tinha por missão lutar pelo bem de todos. Depois da crise, os governos tiraram poder à comissão e começaram a querer resolver tudo através do método intergovernamental. Ora, esse método na Europa nunca funcionou, pois resultou sempre no mínimo denominador comum das decisões. Ficamos sempre com a pior solução. E isso preocupa-me profundamente.
Estamos a pagar pelos erros do passado?
Claro que estamos a pagar pelos erros do passado. Tudo isto começa com a crise financeira de 2008/2009. Nessa época, o problema foi tão grave que os países começaram a ficar com uma certa irritação e disseram: “É pá, se vocês na comissão não conseguem, vamos nós resolver.” E começaram a puxar as decisões para o nível dos países. E nós vivemos hoje uma crise institucional, em que as instituições se foram enfraquecendo por estas lutas entre os países.
Os EUA, a China e a Rússia estão a aproveitar-se disso?
Claro que estão. O estranho é ver os EUA a terem uma posição contra os próprios interesses deles e a China a defender o multilateralismo – contradições da vida, nesta geopolítica virada ao contrário. Vou dar-lhe mais um exemplo da crise institucional, que passou despercebido: a China organizou um grupo, a que chamou os 15+1, em que veio fazer diretamente acordos com 11 Estados-membros da UE mais cinco países dos Balcãs. Isto é gravíssimo. Acho que devemos colaborar com a China, mas porque é que estes países europeus assinaram bilateralmente os acordos com a China? Perante isto, como é que podemos ter cara para afirmar perante o mundo que é a União Europeia que representa a Europa?
Acredita que há um plano para destruir a União Europeia?
Sem dúvida. No outro dia, contei 15 países na Europa com partidos de extrema-direita. E 11 desses partidos têm percentagens eleitorais acima dos 10 por cento. E não estamos a falar de países pequenos. O AfD, na Alemanha, tem mais de 10%, a Le Pen, em França, tem mais de 10%, o Salvini, em Itália, tem mais de 10 por cento.
Não se esqueça da Polónia…
Sim, da Polónia, da Hungria, da Finlândia, da Dinamarca. Estamos a falar de um grupo de radicais que querem destruir o projeto europeu e o próprio conceito de Europa. Os populistas dizem as coisas de uma forma simples, quando elas são complexas, e as pessoas vão atrás dessa falsa simplicidade. Mas depois também sabem adaptar-se à realidade. Quando a Le Pen e o Salvini viram o que está acontecer com o Brexit, mudaram o discurso. Agora já dizem que querem a Europa. Mas dizem que querem uma Europa intergovernamental, não querem lá uma comissão.
Já reconheceu que a Europa perdeu essa capacidade de falar de forma simples. Como é que se pode dar a volta?
A volta começou a ser dada pelo presidente Juncker, quando apareceu a dizer que queria uma comissão política. Mas as pessoas não perceberam, nomeadamente os alemães, porque eles achavam que devia ser uma comissão de tecnocratas. Mas o que estava subjacente era já essa ideia de poder comunicar de maneira diferente. Depois, temos o processo de decisão, que é muito longo e também não ajuda à comunicação. Nós não podemos anunciar as coisas 20 vezes. Andámos dez anos a falar no fim do roaming…
Porquê?
Porque o sistema foi feito com este triângulo entre as três instituições e tudo demora anos a ser decidido. Por isso, muitas vezes, quando a decisão é finalmente tomada, as pessoas já estão cansadas daquilo que foi comunicado ou já não sabem muito bem o que é que se está a comunicar.
Mas há um abismo entre as pessoas e as instituições. A verdade é que as pessoas não se sentem representadas…
As pessoas não se sentem representadas na Europa nem nos próprios países. E esse é um efeito negativo da tecnologia – digo negativo porque não temos uma solução para isto.
Qual foi, então, o efeito da tecnologia na democracia?
Foi o de dar esta sensação de que, pela tecnologia, as pessoas podem estar ligadas a todas as decisões que se tomam num país.
Ou, pelo menos, manifestar a sua opinião sobre tudo…
Sim. A questão é que nós pensámos que era suficiente poder perguntar, com a tecnologia, o que as pessoas querem. Mas não é só por ouvir que se tomam melhores decisões. A questão não é a tecnologia ajudar-nos a contactar com as pessoas, mas sim como é que a tecnologia pode ajudar a que as pessoas construam as políticas connosco. Isso implica que as pessoas se envolvam também na resposta. Acredito que, no espaço de dez anos, os partidos dominantes serão os que melhor consigam envolver as pessoas, de uma maneira inteligente, nas tomadas de decisão. Só que ainda ninguém sabe exatamente qual é a fórmula.
Mas não sente, no seu caso, alguma frustração por, na sua vida frenética, poder estar sempre a falar para os convertidos? Para as pessoas que fazem parte do processo, que não se sentem excluídas por ele?
A frustração sente-se, mas temos de tomar medidas que possam colmatá-la. Por exemplo, no programa de Inovação, eu instituí uma medida a que chamámos newcomers. Objetivo: aumentar o número de pessoas que vêm pedir financiamento e que nunca o tinham pedido anteriormente. Ou seja, gente que nós não conhecíamos. É preciso ir à procura das pessoas e não falar apenas para os convertidos. Essa é uma preocupação.
Sente que a Europa está a deixar de ser o centro do mundo?
Primeiro, temos de perceber que a Europa só foi o centro do mundo nos últimos 200 ou 300 anos, quando fomos os maiores produtores mundiais de conhecimento e de tecnologia. Portanto, temos de continuar a liderar nesses campos. Mas reconheço que perdemos um bocadinho o barco na inovação. Sobretudo nesta ligação da tecnologia às empresas e aos produtos.
A Europa não tem uma grande empresa tecnológica para competir com as grandes dos EUA ou da China…
Algumas dessas grandes empresas foram criadas por equipas europeias, como a Spotify ou o Booking. Só que não conseguiram crescer na Europa porque não havia capital suficiente. Fizeram-no nos EUA, onde existe um verdadeiro mercado único e um mercado de capitais forte. Um dos nossos grandes problemas é o de estarmos completamente dependentes dos bancos. Ora, o financiamento deste tipo de empresas não se faz através de dívida bancária. Faz-se através do chamado capital de risco e do chamado private equity, todos estes nomes modernos que foram criados nos EUA, mas que são maneiras de financiar as empresas de uma forma diferente. Nós perdemos muito aí com a crise financeira.
Ainda é possível recuperar? Há quem diga que, por exemplo, no 5G a Europa já perdeu o comboio.
Não acredito. Ainda hoje, nos EUA, a infraestrutura das antenas da internet é europeia, não é norte-americana. Nós temos os melhores engenheiros, as melhores empresas da infraestrutura da internet – costumo dizer que os “tubos da internet” são nossos – e temos, portanto, uma oportunidade enorme à nossa frente. Se fizermos bem o nosso trabalho, temos capacidade de recuperar.
Mas já na Inteligência Artificial a coisa é mais complicada, face ao avanço da China. Não concorda?
A Europa está a construir um modelo de Inteligência Artificial (IA) que é muito diferente dos outros. O chinês é, de certa forma, um modelo de IA como arma do Estado para um certo controlo da vida dos cidadãos. O nosso modelo europeu, diferente também do norte-americano, é um modelo muito baseado no humanismo, na dignidade humana, numa Inteligência Artificial que nos ajude a ser melhores e não numa Inteligência Artificial que nos substitua. Há muitas pessoas em todo o mundo que estão a olhar para esse nosso modelo de construção de uma IA diferente. Isso, para mim, tem imenso valor, porque esta é uma escolha muito mais do que tecnológica. É uma escolha política, com a qual me identifico.
Acredita que a Europa ainda é o farol do progresso?
Do progresso científico, do conhecimento, sim. Quando vai ao top 10 dos artigos científicos, de produção mais pura de Ciência, a Europa está á frente dos EUA e da China, e manteve essa posição nos últimos 15 anos. A Europa continua a ser o grande ponto de produção de conhecimento no mundo.
Mas quando se trata da aplicação desse conhecimento em produtos…
Aí não. A Europa perdeu muito em relação aos EUA. Temos de voltar a ganhar essa batalha.
E isso faz-se como?
Investindo. Investindo mais em Ciência, investindo mais em inovação, investindo mais ao nível europeu. Quanto mais nós investirmos ao nível europeu, maior é a excelência, porque pomos em concorrência 500 milhões de pessoas para as melhores ideias. Se fizermos isso país a país, não vamos obter os melhores resultados.
A Ciência dá lições aos políticos em matéria de cooperação. De que forma essa poderia ser uma boa bandeira da Europa para chegar ao coração das pessoas?
Uma das minhas batalhas tem sido esta ideia da diplomacia científica, de como a Europa deve posicionar-se no mundo para poder cooperar com todas as partes. Nós, por exemplo, financiamos um grande projeto de Física de Partículas, na Jordânia, de que Mariano Gago foi um grande impulsionador, e que tem exatamente essa função: ter cientistas israelitas, jordanos, iranianos, palestinianos a trabalharem em comum. Isso tem uma força enorme porque as pessoas vão criando relações pessoais que, muitas vezes, são mais fortes do que as relações governamentais. A Europa tem de ser o centro da diplomacia científica, porque é isso que nos traz essas relações e essa capacidade de inovação.
É esse o novo papel da Europa?
Eu penso que o maior objetivo da Europa é o de ser o maior influenciador do mundo em termos de regras. Nós temos as melhores regras em relação aos direitos dos trabalhadores, aos direitos ambientais. Agora, no caso da proteção de dados, que é também um direito fundamental, voltamos a liderar. E conseguimos que vários países, entre eles os EUA, dissessem que iam seguir o nosso modelo. Nós temos um poder de influência extraordinário.
Dê-me mais um exemplo desse poder de influência.
Veja o caso da China, onde há pouco tempo um cientista anunciou ter feito a clonagem de um embrião humano. Pois bem, perante esse caso, eles próprios nos contactaram para saberem quais eram os nossos códigos de ética nesse assunto. É a prova de que podemos ser realmente aqueles que influenciam o mundo a ir num caminho mais humanista. O humanismo faz parte de nós, europeus.
Mas é aí que os populistas estão a bater, não é?
Sim, é nisso que os populistas estão a bater. Mas porque nós deixámos que a globalização, de certa forma selvagem e erraticamente, criasse uma desigualdade de rendimento entre as pessoas, em que aqueles que não têm um emprego, aqueles que se sentem totalmente excluídos, dizem: “Eu estou a borrifar-me para esses valores, o que eu quero é ter um emprego.” A realidade é que a desigualdade aumentou e isso criou uma fricção que tem de ser resolvida, politicamente.
E como é a relação da Europa com as grandes corporações?
Essa tem sido uma relação de grande força. A prova cabal da força da Europa é dada quando a minha colega Margrethe Vestager aplica uma multa de €12 mil milhões à Google e ninguém pia.
É nesses momentos que mais se ouve a voz da Europa?
É verdade. É quando enfrenta os poderes instituídos, sem dúvida.
Nestes cinco anos de comissário, qual foi a maior alegria que teve?
Tive várias, mas destaco o momento da aprovação pelo conselho e pelo parlamento do maior programa de sempre de Inovação e Ciência, no valor de 100 mil milhões de euros.
E a maior frustração?
Talvez a de não ter conseguido mudar tudo o que gostaria, porque o sistema é pesado.
Acha que Portugal ficou melhor em termos científicos e tecnológicos depois deste seu mandato?
Isso vê-se pelos resultados. No último programa, Portugal tinha conseguido receber mais ou menos 500 milhões de euros e agora neste programa vamos chegar aos mil milhões de euros.
Portugal deu um novo salto?
Sem dúvida. Portugal conseguiu duplicar o montante das grandes bolsas para os melhores cientistas. Nos últimos anos, tivemos, pelo menos, três startups cotadas acima dos mil milhões de euros. Para o tamanho de Portugal no mundo, isso é extraordinário. E é a revelação de toda uma nova geração sem medo. A única frustração que me deixa é que ainda é uma geração que liga pouco à Europa.
Não acha que se discute pouco a Europa em Portugal, mesmo na campanha eleitoral?
Não há esse hábito e é sempre mais fácil atrair a atenção das pessoas com os temas nacionais. O que precisamos é de introduzir no debate cada vez mais temas que precisem de uma escolha europeia. O que é que queremos que a Inteligência Artificial seja? O que é que vamos fazer, em conjunto, para combater as alterações climáticas?
ueremos ter uma taxa sobre o carbono ou não? Queremos ter uma taxa sobre o digital ou não? Como é que vemos o poder da própria Comissão Europeia? Veja que neste tempo de crise do multilateralismo e de mudança estratégica dos EUA, a Europa apanhou uma oportunidade e assinou mais de 70 acordos comerciais, que representam quase 40% do PIB mundial. Esses acordos comerciais criam emprego e têm uma vantagem: são uma maneira de exportarmos as nossas regras, o que é bom. É preciso falar desses temas europeus.
Como é que vê a Europa daqui a cinco anos? A 28 ou a 27?
A probabilidade maior é ver uma Europa a 27. O povo britânico tomou uma decisão, temos muita pena dessa decisão, está a demorar mais tempo do que se esperava, mas vai acontecer. Vejo uma Europa a 27, mas também vejo uma Europa com o acordo de inclusão do Reino Unido no nosso mercado único. E com o Reino Unido a continuar a fazer parte da Europa, embora sem pertencer à União Europeia. Depois, a dez anos, gostaria que houvesse uma nova geração que queira voltar. Mas eu vejo a Europa muito melhor daqui a cinco anos do que vejo hoje. Não sou um pessimista. Vejo o futuro com otimismo, até porque as crises vão sendo ultrapassadas. Claro que há riscos, nomeadamente o de termos uma Comissão Europeia com alguns elementos nomeados por países que querem destruir a União Europeia. Mas a política é, por definição, um negócio de gerir riscos.
E como se vê o Carlos Moedas daqui a cinco anos?
Vejo-me um bocadinho mais fora da política. Gostaria de continuar a ajudar os empreendedores, a usar aquilo que aprendi nestes anos e a contribuir para o desenvolvimento deste ecossistema de inovação, cada vez mais forte em Portugal.