Rui Tavares faz um diagnóstico dramático da saúde da democracia europeia. E dramatiza ainda mais o discurso para dizer que as eleições ao Parlamento Europeu, que se realizam entre 23 e 26 de maio nos vários Estados-membros, podem ser a última hipótese para salvar o projeto que garantiu a paz na Europa e um progresso social e económico sem paralelo na história. Palavras pesadas para quem é conhecido pelo seu inquebrável otimismo político.
As maiores críticas são dirigidas à extrema-direita – chega a acusar Marine Le Pen, Matteo Salvini e os seus “imitadores” portugueses de vigaristas -, mas não poupa nenhum dos partidos ditos tradicionais (o Bloco de Esquerda entra na lista) de viverem “dentro de uma redoma” e de tomarem decisões que só servem para garantir a sua própria sobrevivência.
É em nome de uma espécie de resgate da democracia europeia que o historiador, ex-eurodeputado eleito nas listas do Bloco de Esquerda (até se desvincular, em 2011, e passar a deputado independente), volta a candidatar-se ao Parlamento Europeu. Tal como já aconteceu em 2014, concorre em nome do Livre, o partido que ajudou a fundar e que, numas primárias abertas, voltou a escolhê-lo para encabeçar uma lista a Bruxelas.
Depois de conseguir a melhor estreia de um partido português numas europeias, em 2014 (recolheu 75 mil boletins e 2,2% dos votos, falhando por pouco a eleição), e apesar de não ter conseguido um lugar à Assembleia da República no ano seguinte, está convencido de que agora é que é. E, para isso, até vai gastar menos cinco mil euros que nas últimas europeias – o orçamento para esta campanha é de 10 mil euros.
Durante cerca de uma hora, o cabeça-de-lista do Livre falou sobre o que precisa de mudar na União Europeia para que os eleitores não assinem de vez os papéis do divórcio, explicou o que é, afinal, o seu Novo Pacto Verde e como é que esse mega programa de investimento pode salvar a Europa e o planeta, e ainda deixou pistas sobre como é que Portugal pode iniciar uma revolução democrática na União Europeia. Começamos por aí.
ACABAR COM EMBAIXADORES NÃO ELEITOS
Tem tido uma intervenção intensa nas redes sociais, uma espécie de campanha paralela. Num dos vídeos que publicou fala num “problema de democracia” na Europa. Estava a falar num défice democrático?
A União Europeia é um clube de democracias, mas nao é uma democracia completa. Tem aspetos de democracia – a eleição para o Parlamento Europeu –, mas não elegemos a Comissão Europeia, nem sequer indiretamente, que seria talvez o ideal, tendo em conta o sistema parlamentar. E não elegemos aqueles que no Conselho da União Europeia negoceiam e legislam em nosso nome, dois embaixadores por cada Estado-membro.
E devíamos fazê-lo?
A maior parte das pessoas nem sequer os conhece. As votações são feitas por ministros, e não necessariamente os da pasta, nomeados pelos primeiros-minisgtros para aquela função. Temos no Conselho da União Europeia uma coisa que funciona como um Senado, mas que não é eleita como um Senado.
Há aí uma base democrática. Os primeiros-ministros são eleitos diretamente em cada Estado-membro.
Se fossemos por aí, entrávamos numa discussão nominalista acerca do que é a democracia e acabávamos a dizer que em Cuba temos uma democracia porque há aquelas eleições que começam no comité de bairro e acabam no chefe do Estado.
Qual a vantagem de eleger diretamente o presidente da Comissão Europeia ou o executivo da União Europeia?
Direta ou indiretamente. Eu defendo uma eleição indireta num modelo parlamentar e defendo que os representantes permanentes do Conselho sejam eleitos para que nós os possamos responsabilizar politicamente.
Qual seria a vantagem?
Termos a maior democracia transnacional do mundo e a segunda maior democracia do mundo, que teria um foco político muito diferente e poderia falar cara a cara com o senhor Trump, com o senhor Putin, com o senhor Xi Jiping, como portador da voz de 500 milhões de cidadãos de um continente indispensável à economia mundial e à própria história da civilização.
Jean-Claude Juncker não tem essa legitimidade democrática?
É completamente diferente. Não há a apresentação de um programa político a eleições que os cidadãos possam sufragar, não há ainda – apesar de eu ter proposto e de ter passado como recomendação política – uma campanha com candidatos conhecidos em todos os países da União, em que eles tenham de ir a todos os países da União. Não há – o que seria melhor ainda – uma lista transnacional dos candidatos a comissários, que ter a grelha de partida dos comissários, porque depois o comissariado é escolhido pelo Governo.
Essa proposta é fazível?
Perfeitamente fazível. O que eu defendo para a União Europeia é um grande avanço em termos de democratização da União equivalente ao que, no início do século XX, foi dado nos Estados Unidos com a revolução progressista. Os senadores nos EUA não eram eleitos. E o povo de um estado americano, que não era o mais poderoso nem o mais populoso nem o mais rico, o Oregon, decidiu que ia passar a eleger os senadores. Quando tomaram essa decisão, os estados vizinhos, como a Califórnia, decidiram que iam passar a eleger os senadores. E, em três anos, 47 dos 48 estados seguiram o exemplo do Oregon e só depois fizeram a emenda constitucional.
Isso para concluir que?…
Imaginemos que Portugal dizia o seguinte: não faz sentido embaixadores legislarem em nosso nome. Os embaixadores no Conselho da União Europeia são um resquício do tempo em que a política europeia era política externa. Hoje, a política europeia é a política interna. O que faz sentido é, ou por eleição direta ou, no mínimo, pela Assembleia da República, sejam eleitas pessoas que têm cara e nome, que se responsabilizam por um programa de defesa dos interesses do país. Porque, no Conselho da União Europeia, o que vale é a lógica de defesa do interesse nacional, daí que seja uma espécie de Senado. E que possam dizer aos portugueses porque é que votaram em coisas que vão da agricultura à juventude e à indústria.
Hoje, o sentido de algumas votações não é claro?
Aqui há uns anos, Portugal votou contra banir os pesticidas que estavam a matar as abelhas. Muita gente, no grupo dos Verdes Europeus em que eu estava, me perguntou qual a lógica daquilo. É que eles sabiam porque é que a Alemanha tinha votado contra – era para proteger a Bayer. E Portugal? Era para seguir a Alemanha. Estávamos no tempo do Governo Passos/Portas e fazíamos tudo o que a Alemanha fizesse. Tanto que essa votação voltou ao Conselho, a Alemanha mudou o sentido de voto, esqueceu-se de nos avisar e Portugal votou contra. E quem é que responsabilizamos por isso? A Comissão de Assuntos Europeus [na Assembleia da República] raramente chama os representantes permanentes [os REPER], o Ministério da Agricultura emitiu um comunicado vago, a dizer que precisava de mais estudos – Assunção Cristas era a ministra. Não há responsabilização por uma algo que significa fechar uma legislação. Democratizar a União Europeia significa fazer chegar a luz a sítios onde ela não está e dar um reforço de legitimidade enorme à União Europeia.
E garantir a sobrevivência do projeto europeu?
Hoje, estamos sentados em cima de um potencial enorme: 92% dos cidadãos portugueses, 93% dos irlandeses, 93% dos luxemburgueses, 90% dos polacos e dos húngaros não querem sair da União Europeia, mas não estão satisfeitos com a atual União Europeia. É um contexto muito específico ligado ao pós-Brexit. As pessoas veem que sair da UE é mais custo que benefício e, por isso, percebem que querem ficar, mas ainda não percebem muito bem para quê, não percebem o que é que a UE pode fazer. Se a política falhar a estas pessoas, está a falhar naquela que pode ser a última oportunidade durante muitas gerações. Eu não faço tenções de falhar porque há muitos jovens que já estão fartos do debate sobre se a UE vai acabar ou não, eles querem que a UE subsista e tenha relevância para a vida deles.
ABAIXO OS “REIS TIRANOS” DA EUROPA
Estabelece uma ponte entre a necessidade de democratizar a UE e o desinteresse dos eleitores em eleições para o Parlamento Europeu?
No plano europeu, vota pouca gente para o Parlamento Europeu, mas ainda assim a proporção é comparável ao americanos que votam nas eleições congressionais, o que sugere que o raciocínio implícito na pergunta está correto: tal como nos EUA, as pessoas votam mais numa eleição que não existia antes – a do Presidente dos EUA, que não estava pensada como uma eleição popular e que também foi democratizada. Há muita gente que ainda está agarrada a uma mudança dos tratados para intervir na política europeia. O que eu digo é: vamos intervir diretamente na política europeia. Nos EUA, foi possível democratizar parcialmente a política sem mexer no texto constitucional. Aqui também é possível fazer isto.
De que forma?
A eleição dos REPER é algo que Portugal pode fazer sozinho, a Assembleia da República pode fazê-lo amanhã. A Assembleia da República, que se queixa muito de falta de soberania, pode ser mais soberana em matéria de politica europeia. Não é porque não quer. Pode exigir o mandato parlamentar ao Governo antes dos Conselhos da União Europeia, como faz a Dinamarca. Pode eleger os REPER, como eu sugiro. Pode chamá-los muito mais vezes, pode participar da nomeação deles de forma a que sejam conhecidos dos portugueses e que sejam responsabilizadas enquanto tal.
Como é que isso aproxima eleitores e eleitos para a Europa?
Isto dará às pessoas noção de que a votação serve para qualquer coisa. A votação para o Parlamento Europeu é importante, mas as pessoas têm noção de que, não estando nem no início nem no fim do processo legislativo (que começa na Comissão e só acaba quando o Conselho quiser), a eleição sabe a pouco. Com essa legitimação, e havendo problemas políticos em cima da mesa, a Europa pode saber se se deve dirigir para um lado mais social, ambiental ou outro lado qualquer. Há muita gente que só apoia a Europa sob a condição de a Europa ser aquilo que eles querem. Há muita gente que quer ser rei/filósofo/tirano da UE. Podemos pedir quaisquer medidas à UE, das mais progressistas às mais ecológicas ou sociais, mas se elas não tiverem o povo por trás terão sempre os pés de barro que permitirão a eurocéticos dizer que foram impostas por gente não eleita.
Seria retirar-lhes o argumento-chave.
E superar o debate entre quem quer mais Europa e quem quer nacionalizar política europeia. Esvaziamos o argumento eurofóbico – que se baseia em alguns factos reais que não podemos negar –, mas também há outra coisa: os europeus estão habituados a viver em democracia, e em muitos países conquistaram-na a duras penas, ainda na memória de muita gente. E não querem senão democracia. Fico espantado quando vejo debates com PS, PSD e CDS de um lado, a minimizar o défice democrático na União Europeia, e PCP e Bloco de Esquerda a fugir dessa questão, porque falam em rasgar os tratados, em desobedecer às imposições europeias como caminho para fazer uma data de coisas maravilhosas que nunca explicam muito bem como vão fazer ou como chegam lá.
É um cavalo de tróia dos partidos da esquerda?
Completamente. Ainda por cima, contraditório, porque no dia seguinte, seja porque o Governo húngaro se recusa a alimentar refugiados, seja porque o Governo espanhol se recusa a deixar passar água nos nossos rios ou a vigiar a sua central de Almaraz, já querem que a UE intervenha mais. Estariam bem para reis da União Europeia. Eu quero uma democracia da UE. Temos de dar resposta à pergunta: como deve ser a democracia no início do século XXI? Se for o Putin, o senhor Xi Jiping ou o senhor Trump a responder, estamos tramados. Só na Europa se pode dar uma resposta cabal, construindo a maior democracia transnacional do mundo, que será um grande reforço ao poder dos países médios e pequenos por esse mundo fora a quem a deriva nacionalista não serve.
As sondagens apontam para uma escala das soluções nacionalistas e populistas. Essa grande democracia de que fala está em risco?
Recuso-me a baixar os braços. Acho inacreditável e até irresponsável a forma como tem sido anunciado uma vitória da extrema-direita nas próximas eleições europeias, não apenas por comentadores e jornalistas mas também por políticos. Até políticos de esquerda.
Não a dá por garantida?
Não só não dou por garantida como acho que revela uma enorme falta de confiança da esquerda e do progressismo na suas ideias.
É um sinal de falhanço?
É o falhanço da política tradicional, que está vazia de ideias. E, quando a política tradicional está vazia de ideias, como a política tem horror ao vácuo, torna-se uma presa fácil de oportunistas ou, em muitos casos, de vigaristas. Grande parte dos líderes de partidos emergentes da extrema-direita a quem a ciência política dá nomes pomposos – extrema-direita radical, nacional-populistas, fascistas – são vigaristas. É o que eles são. Os [Matteo] Salvini, os Le Pen [[Jean Marie e Marine], também já temos aqui em Portugal uma espécie de imitadores de vigaristas estrangeiros.
Quer nomear?
Recuso-me a dar-lhes propaganda. Mas Salvini foi buscar dinheiro diretamente a Putin, na Áustria a mesma coisa, Marine Le Pen negociou um empréstimo de nove milhões de euros com um banco russo. São vigaristas. A política democrática e cívica, se quer dar uma resposta à crise do sistema, se quer dizer aos eleitores que a resposta não pode ser populista, tem de ser cívica, tem de ter as ideias do futuro, tem de ousar o otimismo. Vivemos um período em que o continuísmo de partidos como PS, PSD e CDS, estão muito institucionalizados na UE e vêem poucas coisas para mudar, e partidos como PCP e Bloco de Esquerda que fazem leitura catastrofista da UE (agora menos, em tempo de eleições europeias)…
Quem é o adversário do LIVRE nestas eleições?
É o marasmo política em que estamos. Queremos reformular a forma como a política é feita. A partir do momento em que o Livre entrar na representação parlamentar, as pessoas vão ver, vamos reformular a forma de fazer política.
“As eleições estão cartelizadas”
A eleição de membros do Livre para a Assembleia da República é uma questão de tempo?
É uma questão de tempo. A esquerda verde, pro-europeia e anti-austeritária é, ao contrário do que as pessoas pensam, a família política que mais cresce na Europa. Não é a extrema-direita. A próxima eleição para um chanceler ou uma chanceler alemã vai ser disputada, não entre o partido da senhora Merkel e os sociais-democratas, como era tradição, mas entre o partido da senhor Merkel e os Verdes. No Reino Unido, os Verdes de Inglaterra e de Gales cresceram 550%, não é erro.
Há cinco anos, conseguiu a melhor estreia de um partido numas europeias, mas ficou fora do Parlamento Europeu. Em maio, vai conseguir a eleição?
Conseguimos 72 mil votos e 2,2% com um cartaz nas ruas, uma campanha que custou 15 mil euros – não os 300 mil ou um milhão de euros que alguns gastaram.
Este ano preveem gastar quanto?
Dez mil euros. Mais barata e vamos ter mais votos. Há cinco anos, tivemos o melhor rácio de euro gasto por voto em urna, e se a política portuguesa e as campanhas se aproximassem um mínimo de uma ideia de equidade e justiça…
O Livre concorre contra 1% do orçamento do PS, por exemplo. Como se faz uma campanha assim?
A prova é que com 15 mil euros tivemos 70 mil votos e com 10 mil euros vamos ter mais que isso.
Estabeleceram uma fasquia mínima de votos?
Queremos eleger. O limiar teórico é 2,4%, estamos a duas décimas desse limiar. A partir de 3%, é preciso muito azar para não eleger. Se a cobertura de eleições e se a Lei do Financiamento Partidário se aproximassem sequer de uma ideia mínima de justiça – que não têm, estão completamente cartelizadas, em Portugal –, se houvesse debates em que todos pudessem participar, cara a cara, e se os grandes partidos não estivessem todos dentro de uma redoma, o Livre certamente teria resultados ainda maiores e andaria à volta dos 4%.
Como vai ser a campanha?
Como foi a anterior: ideias, ideias, ideias.
Como é que vão chegar às pessoas? Os vídeos no Facebook não vão ser suficientes.
Andamos nas ruas, a distribuir folhetos.
Vai andar pelo País todo?
Tanto quanto possível, sendo que tive uma filha há um mês que nasceu prematura. Não é fácil. Há as redes sociais e há um histórico. As pessoas vão conhecendo cada vez mais o Livre, vão sabendo que o que defendemos, fazemos. Temos primárias abertas, temos democracia deliberativa, temos programas em que participaram os cidadãos, fomos o único partido a fundar um movimento pan-europeu, a Primavera Europeia. E há partidos com muito mais meios que nós. Estas coisas vão fazendo o seu percurso. As pessoas reconhecem no Livre a coerência de ter defendido a convergência à esquerda mesmo na altura em que se era atacado por isso. Este histórico faz-se e não se reverte. Não temos apenas um ideal – “seria importante que a UE fosse mais solidária” –, nós desenhamos e descrevemos os instrumentos que nos permitiriam ultrapassar bloqueios políticos na UE e encontrar maiorias. Para isso, temos de falar com toda a gente no Parlamento Europeu, do norte e do sul.
Da direita à esquerda?
Com todo o lado.
500 MIL MILHÕES PARA SALVAR A EUROPA
Para ser eleito, é útil ter propostas. Tem falado num Novo Pacto Verde e num número gigantesco: 500 mil milhões. Retirados dos fundos de coesão?
Não, não, não.
De onde vem esse dinheiro e para que serve?
O número não é gigantesco, é à escala dos problema que temos: o combate às alterações climáticas e a estagnação da economia europeia. O New Deal original, dos anos 30 contra a Grande Depressão, era de 3 a 4% do PIB americano na altura. O número que prevemos para relançar a economia europeia e ajudar a salvar o planeta para a viabilidade da vida humana no planeta é também de 3,5% do PIB europeu.
E de onde vem?
Isto faz-se, a exemplo do Plano Juncker, com o Fundo Europeu de Investimentos, que é maior que o do Banco Mundial, e com um capital inicial. À diferença do Plano Juncker, defendemos que ele deve ser mais robusto e comparticipado pelos Estados-membros. Esse capital inicial deve captar [mais capital] através dos project bonds – títulos de dívida do Fundo Europeu de Investimentos, com notação triplo A que rendem um juro baixo mas seguro. O mercado potencial para estes títulos anda à volta dos três a quatro biliões de euros por ano, é o tipo de investimento que pode captar. Nós defendemos utilizar só uma porção disto.
E para que servem os 500 mil milhões?
Para fazer uma transição energética muito veloz e com essa transição passar a união energética europeia para uma base de renováveis. Significa que os preços das renováveis na Europa vão cair muitíssimo e, portanto, a seguir a esses cinco anos de duração do plano, os efeitos nas revováveis vão sentir-se durante décadas. Significa investir nos empregos de futuro na economia verde, que podem ser milhões, bons empregos, estáveis, em serviços que o mercado não consegue agora garantir.
Tem exemplos?
Precisamos de reflorestar partes desertificadas da Europa porque estas florestas servem de sumidouros de carbono. Para reflorestar, vão ser criados empregos, que vão de silvicultores a engenheiros florestais, trabalhadores rurais, etc. Mas depois temos de fazer serviços a esses ecossistemas criados para garantir que as florestas não ardem todos os anos, e isso são empregos também, que o mercado nao garante agora. Há um terceiro pilar, que passa por trazer os investimentos do Plano Verde para onde as pessoas estão.
O que é que isso significa?
O debate – necessário, mas que às vezes causa alguma ansiedade – sobre as alterações climáticas e sobre a crise ecológica é visto muito por muita gente como sendo demasiado global e abstrato. E os anti-ecologistas aproveitam-se disso para dizer que a ecologia quer que as pessoas vivam pior, mais desconfortáveis e como no passado. Nada disso. Portugal é um dos países onde se passa mais frio no inverno. Se pegarmos numa parte deste dinheiro e aplicarmos em isolamento dos edifícios e dos locais de trabalho, é investimento agora e poupança no futuro. Queremos reproduzir os efeitos do New Deal original no século XXI, com o Green New Deal. Que daqui a gerações possa haver gerações a dizer ‘eu sou filho do Green New Deal’ é um motivo de enorme orgulho.
Um milhão para uma campanha “sem golpe de asa”
É difícil fazer campanha com mais 20 candidaturas na estrada?
O problema não é haver 20 candidaturas. É haver gente que tem 50 vezes mais que o nosso orçamento em dinheiro dos contribuintes a fazer algo tão estéril como saturação do espaço público em poluição visual. Defendo a subvenção pública, mas defendo a limitação de gastos de campanha – como defende o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, e a Assembleia da República não faz nada. Para que é que se gasta um milhão de euros em outdoors para depois fazer uma campanha para as europeias tão tecnocrática e sem golpe de asa, como o PS está a fazer? Com um vigésimo disso, o Livre faria assembleias cidadãs pelo País todo e uma campanha itinerante de esclarecimento das pessoas como nunca se viu neste país.
Há falta de vontade de mudar as regras do jogo?
Os partidos fecham-se numa sala para alterar a lei de financiamento dos partidos a seu benefício, e aqui falamos desde o Bloco de Esquerda ao PSD, toda a gente a votar na lei. E vivem neste facilitismo de dar a si mesmo milhões para encher todo o espaço o público de cartazes, não só em campanha, mas todos os anos. Eu digo às pessoas: comparem estes gastos absurdos em outdoors com a publicidade paga de empresas e verão que só quem consegue fazer campanhas, que não chegam perto, são semelhantes em amplitude mas não são permanentes, são ou bancos ou construtoras de automóveis ou cervejeiras. Faz sentido isto ser feito em Portugal?
A própria subvenção devia ou não ser repensada?
Seria a coisa mais fácil do mundo para um partido que não tem subvenção dizer que se devia abolir. Eu não quero partidos financiados por interesses obscuros. A subvenção é um caminho importante, mas pode haver outro tipo de subvenções públicas.
Por exemplo?
Porque é que não pensamos em serem os cidadãos a dar a sua subvenção pública? Se a subvenção é equivalente a uma proporção dos impostos, porque é que os cidadãos não podem dá-la como fazem às IPSS? É uma hipótese, não estou a dizer que tenha de ser assim. Mas sabemos que é o tipo de hipóteses que não se discutem à porta fechada na comissão de financiamento de partidos políticos, onde só estiveram representados os que já têm subvenção e já estão no Parlamento.
Ainda assim, não defende o fim da subvenção?
A subvenção é importante, permite aos partidos uma independência que torna mais difícil serem capturados por interesses obscuros. Mas a maneira como os partidos portugueses se cartelizaram, alegando que era para defenderem o sistema partidário quando, na verdade, se estavam a defender a eles mesmos, torna muito mais difícil a partidos de gente séria furar o bloqueio. E deixaram o flanco aberto a ataques vigaristas e oportunistas ao sistema.
De que forma?
Só os partidos que tenham por trás financiamentos que não conhecemos, que façam jogadas muito arriscadas ou que sejam apadrinhados por canais de televisão podem jogar o jogo dos outdoors. Querem jogar a taça de Portugal só com os cinco grandes da Primeira Liga. Ou há uma resposta cívica a este problema, e é essa a luta do Livre – a democracia portuguesa agradecerá se a forma de mudar isto for através de uma proposta cívica como a do Livre – ou há uma candidatura oportunista que se vale dos pretextos do antissistema. Isso pode acontecer em Portugal.
Está a dizer que a escolha se faz entre o Livre e o abismo.
O Livre representa o antipopulismo em Portugal, é a antivigarice destes oportunistas do antissistema de extrema-direita. Claramente. O Livre é a maneira de renovar a política portuguesa sem saltar da frigideira para o lume.
REFUGIADOS, ORBAN E A “CONIVÊNCIA” DA DIREITA
Tem saudades de Bruxelas? Foi difícil acompanhar estes cinco anos do lado de fora…
Durante este mandato, houve muitos momentos em que senti aquilo que deve sentir o jogador que está no banco e que acha que se entrasse em campo marcava golo.
Por que projetos se teria batido?
Fui o primeiro a derrotar Viktor Orban no Parlamento Europeu, isto é um facto. O meu relatório sobre Orban foi votado e, cinco anos depois, ele ia ao Parlamento Europeu e ainda se queixava do meu relatório. É um sinal de que foi um grito de alerta importante. Mas se em 2014 os eleitores tivessem decidido pôr-me em campo, em vez de me deixarem no banco, uma série de coisas teriam continuidade.
A Europa teve de lidar com uma crise brutal relacionada com a chegada em massa de refugiados, houve atentados terroristas, o Brexit.
Dois dos meus relatórios – o da Hungria e o da reinstalação de refugiados – foram centrais no mandato seguinte. E toda a gente falava de que o euro estava para acabar, mas o diagnóstico que fiz foi o de que o euro não ia acabar, que era mais importante fazer as reformas do euro do que vender às pessoas o gambuzino de que é possível sair do euro não saindo da UE. O Brexit veio provar que vender gambuzinos não é boa ideia porque as pessoas vão atrás deles e eles não existem, e isso põe o sistema político em crise.
Olhando então para estes cinco anos, que temas teria pegado em mãos?
Além de continuar o trabalhos nos refugiados e na Hungria, um projeto meu é o das universidades da União. Eu propus no Parlamento Europeu, no mandato em que lá estive, a criação de universidades da União, que passaria por universidades em rede a partir das que já existem ou universidades novas, criadas em lugares que precisam de combater a fuga de cérebros e de fixar populações jovens e altamente qualificadas vindas de outros lugares da Europa e do mundo. E fazer isto não como Erasmus mas como um curso completo. Para isso, haveria apoios europeus. Durante este mandato, o presidente Emmanuel Macron apoiou esta ideia e é uma das propostas para tirar o Parlamento Europeu de Estraburgo. Porque o Parlamento Europeu não precisa e não deve andar a viajar de Bruxelas para Estrasburgo o tempo todo. Poderíamos fazer em Estraburgo uma grande universidade da União.
O que é que se decide nestas eleições, em que é que as pessoas estão a votar?
Decide-se o fim da hegemonia do Partido Popular Europeu nas instituições europeias. Desde que acabou a Comissão [Jacques] Delors, as instituições europeias são dominadas pelo PPE. Paulo Rangel conseguiu impedir, de forma inteligente mas prestando um mau serviço à democracia europeia, que tivéssemos nestas eleições europeias dois boletins de voto: um, nacional, com os partidos que já conhecemos e outro, europeu, com os partidos que quase ninguém conhece – PPE à cabeça, o mais poderoso da UE – e que nunca são responsabilizados porque nunca estão no boletim de voto, nunca vimos o símbolo deles, nunca vimos a sigla. Governam a Europa sem nunca alguém ter votado diretamente neles. Este partido domina, para mal, a política europeia. Tem a maior parte dos comissários, tem o presidente da Comissão Europeia, foi cúmplice dos ataques de Viktor Orban aos valores europeus.
O PPE mostrou um cartão laranja a Orban com a suspensão do Fidesz.
Uma farsa completa. Durante nove anos, viram os tribunais serem decapitados, viram recusar-se alimentos a requerentes de asilo, que é uma coisa que não se vê na Europa – e estou a medir as palavras – desde a II Guerra Mundial. A política da fome para obrigar pessoas a autodeportarem-se só ocorreu nas páginas mais negras da história deste continente.
Está a acusar Paulo Rangel e Nuno Melo de serem coniventes com essa política?
Só fizeram alguma coisa quando o senhor Orban começou a colar cartazes com o senhor Juncker nas ruas de Budapeste e outras cidades húngaras. E mesmo assim foi pouco.
Porque é que lhe chama uma “farsa”?
Porque é suspender Viktor Orban agora, um bocadinho antes das eleições, para não atrapalhar nas eleições, mas tomar uma decisão acerca da suspensão em setembro.
Quando as eleições europeias já estiverem decididas…
E quando estiverem a ver se precisam dos votos dele para a eleição do novo presidente da Comissão Europeia. O candidato de Paulo Rangel, Nuno Melo e Viktor Orban era, até esta terça-feira, o mesmo: Mafred Weber. Eu conheço-o bem, foi o pior branqueador dos ataques de Orban aos valores europeus. É uma farsa porque fazem de conta que retiram Orban do caminho mas os eleitores que votam agora não sabem o que eles vão fazer em setembro. E, portanto, não estão ser honestos com os eleitores. Deviam ter agido antes. E, agora, para branquear Orban, lembram que as coisas na Eslováquia estão más, na Roménia estão más e em Malta estão más – e aí governam partidos do Partido Socialista Europeu, têm razão. Mas porque é que as coisas estão más aí? Porque estes primeiros-ministros viram até onde Orban foi. Até ali, sabem que podem ir. É uma das situações em que menos queria estar no banco. Mas ainda é possível aos progressistas ganhar estas eleições europeias e conseguir uma maioria progressista no Parlamento Europeu.