O relatório começa com os olhos de uma criança, em grande plano, e logo a seguir há um desenho.
Os olhos são de Abdul, um dos milhares de rapazinhos rohingya que vivem no campo de refugiados de Balukhali, em Cox’s Bazar, uma importante cidade costeira no Bangladesh, onde todas as semanas estão a chegar 12 mil novas crianças. Não sabemos quantos anos tem Abdul, mas basta ver aquilo que desenhou para perceber que já testemunhou demasiadas atrocidades para o seu curto tempo de vida.
Desde 25 de agosto deste ano, chegaram ao Bangladesh mais de meio milhão de refugiados rohingya, que se juntaram a 200 mil que já ali tinham procurado abrigo. Entraram por terra, através do estado de Rakhine, e pela Baía de Bengala. Milhares dos que sobreviveram às perseguições até à fronteira e na travessia marítima, feita em pequenos barcos de pesca, vivem hoje em tendas, a maioria em acampamentos improvisados.
Os números são avançados pela Unicef, que no seu relatório de outubro acrescenta mais uns quantos, se possível ainda mais arrepiantes: 58% dos refugiados são crianças (340 mil) e, destas, 21% têm menos de 5 anos e estão subnutridas. Muitas viram morrer os pais e os irmãos, e fugiram de Myanmar com adultos que não lhes são nada. Assistiram a cenas de violência que agora desenham para exorcizar o horror. Helicópteros a atacarem aldeias, soldados a matarem rapazinhos que jogavam futebol nos campos.
“De noite acordo de repente, porque vejo a matança e as pessoas que foram baleadas. Vejo essas coisas outra vez”, conta o pequeno Hossan a um técnico da Unicef, antes de lhe mostrar um desenho feito a lápis de cor. Lá está a sua aldeia, as casas incendiadas, os corpos nas ruas, os helicópteros no céu, o arco das balas. Hossan murmura: “Perdi quatro colegas e um dos meus professores também foi morto.”
Outras crianças rodeiam o adulto e começam a contar-lhe as suas próprias histórias de horror. Ali, de 11 anos, viu miúdos a serem mortos e mulheres violadas. Aisha, de 10, perdeu um irmão e uma irmã – os soldados birmaneses prenderam-nos em casa e já não conseguiram escapar.
Além dos desenhos, no campo de Balukhali as crianças rohingya têm jogos e puzzles para se distraírem. “O objetivo é criar um espaço protetor onde possam descomprimir após as terríveis provas por que passaram”, explicam na Unicef. “Este ambiente deve protegê-las – em especial as raparigas – contra a violência, os abusos e a exploração, e ao mesmo tempo trazer-lhes um elemento de esperança nesta situação dramática.”
Os doadores internacionais reunidos no início da semana em Genebra prometeram um total de 300 milhões de euros para ajudar esta minoria muçulmana vítima de limpeza étnica. A repressão do exército birmanês começou em agosto, depois de rebeldes rohingya terem denunciado discriminações contra a comunidade.