Mais de oitocentos Lordes, a maioria da ala conservadora, transformaram-se numa dor de cabeça de última hora para Theresa May. A primeira-ministra quer acionar o artigo 50º do Tratado de Lisboa a 15 de março, mas até lá precisa reavaliar as duas inesperadas emendas, propostas pela câmara alta do parlamento, ao projecto de lei que inicia a saída britânica da União Europeia (UE).
A Câmara dos Lordes – considerada muitas vezes anacrónica e alvo permanente da promessa de reforma em campanhas eleitorais – parece ter assumido o papel de oposição política que, em circunstâncias normais, caberia aos trabalhistas liderados por Jeremy Corbyn. Nunca, desde 1831, houve uma participação tão elevada dos Lordes como durante a apreciação do iniciativa legislativa do Brexit e a posterior proposta de emendas.
Uma delas, aprovada por 366 Lordes contra 268 esta terça-feira, obriga Londres a sujeitar o acordo final do Brexit a um “voto significativo” do parlamento britânico. May já tinha garantido que as duas câmaras seriam chamadas a pronunciar-se sobre o resultado das negociações com Bruxelas. E que, em caso de um chumbo parlamentar, o Reino Unido divorciava-se da UE sem acordo. Ao se excluir o cenário de um não-acordo, segundo o governo, há um incentivo para a UE oferecer um acordo pior.
“O parlamento deve decidir se prefere um não-acordo ou o acordo oferecido pela UE”, defende Lorde Pannick. Por isso, a Câmara dos Lordes quer mais – quer que o governo, em caso de chumbo, se comprometa a voltar à mesa de negociações para conseguir um acordo melhor. “É dever do Parlamento afirmar a nossa soberania e determinar o legado que deixamos às novas gerações”, frisou o Lorde Michael Heseltine, um dos 13 rebeldes conservadores (do mesmo partido de May) que votou a favor da emenda.
Uma semana antes, outra emenda da Câmara dos Lordes, aprovada por 358 votos contra 256, exigiu a garantia unilateral dos direitos dos nacionais de outros países da UE residentes no Reino Unido. “Parece claro que alguns Lordes querem frustrar o processo, mas é intenção do governo assegurar que isso não acontece”, reagiu o ministro para o Brexit, David Davis, ao desafio da câmara alta. Na desforra, Londres retirou o octogenário Lord Heseltine – que serviu no governo de Thatcher e entrou na câmara alta pela mão de David Cameron – de um cargo de consultor governamental. “O futuro deste país está inextricavelmente ligado aos nossos amigos europeu”, disse.
Ambas as emendas vão ser apreciadas, na próxima semana, pelos deputados da câmara baixa de onde saiu com poucas objeções. O mais provável é que sejam chumbadas e, nesse caso, voltam à câmara alta (não-eleita), onde acabaria por prevalecer o voto da Câmara dos Comuns. Quanto muito, os Lordes conseguem baralhar o calendário do Brexit, uma vez que a nova avaliação das emendas coincide com o debate sobre o orçamento para este ano e a margem para iniciar o Brexit em Bruxelas a 15 de março fica mais curta.