“Obrigado, obrigado. Tenho que dizer: belo edifício este Capitólio. Bela sala. Mas um pouco fora de moda, não acham? Eu faço isto a toda a hora: adquiro estas velhas propriedades, compro-as baratas, trago decoradores, e damos-lhes um jeito. Mais espelhos, um frisos dourados, uma estátua minha… Ali está a nossa primeira dama, Melania, no palanque. A primeira supermodelo na Casa Branca. Inacreditável que nunca ninguém tenha pensado nisto antes. Veem aquele lugar vazio ao lado dela? Era para o Ted Cruz. Ele já cá não está. Um tipo às direitas, esperto. Concorda com tudo o que eu digo. Com tudo o que eu digo. Então eu disse: Vai para o Canadá, Ted, que é onde tu pertences. Assim, o Ted foi o primeiro emigrante que eu mandei deportar”.
A 20 de janeiro de 2017 um recém eleito presidente Trump deverá pronunciar um discurso de tomada de posse. A citação acima é uma ficção de como ele seria, da autoria do cronista Jay Bookman e descreve como Donald Trump começa o seu mandato como presidente expulsando um dos seus competidores republicanos à Casa Branca, Ted Cruz, que nasceu no Canadá, filho de uma americana e de um cubano naturalizado canadiano. É uma de muitas prosas que gozam com a possibilidade de alguma vez Donald J. Trump — A.K.A. “The Donald” — vir a ser presidente.
Trump é como lhe chamou a revista Time, um “protofascista”, um “narcisista”, um “demagogo”? Ou alguém capaz de «tornar a América grande outra vez?» Já foram ensaiadas muitas teorias para explicar a sua popularidade: uma tendência para a estupidificação da política americana, que vem do tempo em que George W. Bush Jr. desarmava os argumentos intelectuais de Al Gore como “gibbberish” (discurso incompreensível e cifrado). A desintermediação da sociedade – o fim do “homem do meio”, no caso o jornalista – causada pela amplificação das vozes comuns na internet. O facto de Trump ter sido, anos a fio, estrela do seu próprio reality show, “o aprendiz”, durante os quais criou uma estreita relação com o público americano. O seu próprio, embora largamente mítico, sucesso como homem de negócios. A polarização da sociedade. O discurso da zanga e do ódio. O fastio da população com o politicamente correto.
Mas é a altura de começar a levá-lo a sério. Trump não só lidera as sondagens na Carolina do Norte, o próximo estado onde os republicanos vão a votos. Ele pode também beneficiar dos apoios evangélicos nos vários e populosos estados do Bible Belt (cinturão bíblico) que escolherão candidatos na superterça-feira (1 de março). O Financial Times afirma que “se torna cada vez mais difícil para os conservadores mainstream barrarem o avanço dos Sr. Trump” e Nate Silver, estatístico e jornalista, do blogue 538, conhecido por ter acertado nos vencedores da corrida presidencial de 2012 em todos os 50 estados diz que “os republicanos precisam de começar a tratar Donald Trump como o seu candidato principal”.
De facto, mais e mais políticos e analistas conservadores começam a pensar que ele não é assim tão mau e a estender-lhe, discretamente, pontes. A filha do ator John Wayne – um ícone da América conservadora – e o filho de Ronald Reagan – outro – apoiam-no. Jerry Falwell Jr, um dos principais líderes protestantes, também. E Clint Eastwood, sempre ele, o cineasta rebelde.
Donald Trump arrisca-se a partir em dois o partido do elefante: 30 por cento dos eleitores dizem ponderar votar nele mesmo que concorra como independente. E a possível entrada na corrida de Michael Bloomberg, um verdadeiro multimilionário, quase dez vezes mais rico que o construtor imobiliário, poderá fragmentar tanto os votos que a eleição de Trump passa de anedótica a possível. É pois legítimo perguntar: como seria uma presidência Trump?
China, Coreia, México: Murro neles
Na sua primeira medida – ele próprio o disse – declara a China como um país manipulador do valor da sua moeda, artificialmente baixa, e impõe barreiras protecionistas aos produtos que entram nos Estados Unidos, taxando os produtos chineses em 50%. Um presidente de punho de ferro, ao contrário dos anteriores líderes dos EUA, que foram “subservientes” à China. “Eu engano chineses todos os dias”, costuma gabar-se o putativo do 45º presidente norte-americano. Depois, denuncia Pequim como um “ladrão de propriedade intelectual americana” e aponta as suas práticas anticoncorrenciais, como os subsídios à exportação. E finalmente aumenta a presença militar americana na região, para mostrar que não está a brincar. Uma posição “dura”, de acordo com a sua crença, de que só se deve negociar a partir de posições de força. O problema é que, além da instabilidade política que tais ações iriam desencadear, está aberta uma guerra comercial e diplomática entre os EUA e o Império do Meio que não traz ganhos a nenhum dos países e desencadeia uma recessão económica mundial.
Depois, de uma penada, Trump reformula todo o sistema fiscal. Baixa impostos para toda a gente, das grandes corporações à classe média – ao mesmo tempo que, milagrosamente, reduz a dívida e o défice comercial dos EUA. Seguidamente manda abater a “má rês” que governa a Coreia do Norte. “Já ouvi falar de coisas piores [do que mandar assassinar o seu homólogo de Pyongyang]”, disse numa entrevista à estação de televisão CBS, antes de mandar reunir o Seal Team Six, a tropa de elite que abateu Osama Bin Laden. E, para outros “terroristas”, restabelece a prática das “técnicas aperfeiçoadas de interrogatório”. Permitiria não só ao restabelecimento das simulações de afogamento como acrescentaria torturas “muito, muito piores”.
No primeiro mês, inicia a construção de um muro de três mil quilómetros ao longo da fronteira do México, um muro que terá de ser bem construído e bonito, “porque talvez um dia se chame ‘O Muro Trump’”. Que tal barreira seja tão cara de construir e necessite de uma tal quantidade de mão de obra que a torna uma aposta economicamente improdutiva parece interessar pouco. Porquê? porque “serão os mexicanos a pagá-lo”.
Como? Simples. Se Tramp aumentar o preço que os mexicanos pagam pelos vistos de entrada nos Estados Unidos. Taxar, ou mesmo proibir, as remessas desses imigrantes para o seu país natal, e impor uma taxa de 35 por cento aos bens ali produzidos – como por exemplo os automóveis Ford. Que o México esteja, de facto, a receber mais mexicanos de volta do que aqueles que se aventuram em solo americano é uma technicality, que é como quem diz um pormenor burocrático chato. Depois, renegoceia ou acaba pura e simplesmente com os acordos de livre comércio no âmbito da NAFTA, organização que reúne EUA, Canadá e México. E de seguida Trump, recambia todos os 11,5 milhões de imigrantes indocumentados, latinos e mexicanos, que residem nos EUA “ilegalmente”. Esses, a quem em campanha chamou “violadores e traficantes de droga”, acusando o seu antecessor, Obama, de os “tratar demasiado bem”. Trump, um dos poucos homens a chegar à chefia do Estado sem qualquer experiência política prévia, arranja assim imediatamente mais um conflito diplomático – não só com o país vizinho do Sul como com toda a América Central e Latina.
Islâmicos: boicote e tortura
Quanto ao terrorismo islâmico, e ainda durante os seus primeiros 100 dias, o antigo “pato-bravo” toma várias medidas. Não só reforça a vigilância das secretas sobre as mesquitas americanas, como cria uma base de dados específica para muçulmanos – que ficam proibidos “temporariamente” de entrar nos EUA, “até percebermos o que raio se está a passar para que eles nos odeiem”. Ah, e torna a permitir as “técnicas aperfeiçoadas de interrogatório” – vulgo tortura. Não só o “waterboarding” (simulação de afogamento), como “coisas muito piores”. Recusa acabar com o limbo jurídico de Guantánamo. Aliás,o presidente com a melena mais original do planeta até “enche com mais gente” a prisão americana em Cuba. Que a maioria destas desta medidas seja inconstitucional, ilegal, ou pura e simplesmente impraticável não é obstáculo para o homem que quer fazer a “America great again” e que se descreve como alguém capaz de “get things done”, um “empreendedor” da política.
Volte-se então agora discurso de tomada de posse de Trump que Bookman inventou: “Ok, vamos então à Coreia do Norte. Acreditem em mim: eu ponho a Coreia do Norte no bolso num instante. Qual é o nome desse gajo que é o líder? Kim Dong Long? (…) Então eles dizem que têm a bomba de hidrogénio? Quem é que lhes deu o hidrogénio? Eu digo: não se dá mais hidrogénio à Coreia do Norte. Problema resolvido. Era uma solução tão fácil e ninguém tinha pensado nela a não ser eu.”
Hilariante? Atente-se então no que “The Donald” disse pensar fazer para combater a “lavagem cerebral” a que os jihadistas sujeitam os jovens americanos via web, durante a campanha eleitoral: “Temos que falar com Bill Gates e com uma série de pessoas para percebermos o que se está a passar. Temos que falar com eles sobre, nalgumas áreas, fecharmos a internet”. Que seja impossível “fechar partes” da internet – uma estrutura pensada para ser redundante e controlada por uma miríade de instituições e países – não é um problema para o todo-poderoso presidente Trump. Afinal ele, ao chegar à Casa Branca resolveu finalmente um enorme mistério: aquela “solução à prova de bala que eu tenho para derrotar o ISIS”, mas que “não posso dizer já qual é”.