António Guterres sabe que a candidatura a secretário-geral da ONU “não é fácil”. A rotatividade do cargo por diferentes regiões do globo e a questão de género são dois eventuais entraves para a sua escolha na corrida à sucessão do sul-coreano Ban Ki-Moon. Ainda assim, o ex-primeiro ministro português, que durante dez anos exerceu o cargo de Alto-Comissário para os Refugiados, mostra-se “com uma grande disponibilidade para pôr a render as experiências e capacidades adquiridas ao serviço das causas nobres”.
As declarações foram feitas segunda-feira (25) à noite, à saída de uma conferência na Fundação de Serralves, dedicada precisamente à tragédia dos refugiados e a resposta, ou falta dela, da comunidade internacional. Perante um auditório lotado, de improviso e ao longo de 45 minutos, António Guterres abordou o tema sem fugir aos números, “apesar de não gostar muito de o fazer para não desumanizar” cada história. E a realidade, explicou, é que o número de refugiados é hoje de 60 milhões em todo o mundo, quase o dobro dos que havia em 2005, quando tomou posse no cargo. Depois de um mundo bipolar, o do período da Guerra Fria, e de um unipolar, quando a União Soviética se desintegrou e a liderança ficou entregue aos EUA, Guterres afirma que “agora vivemos em qualquer coisa entre o policêntrico e o caótico, porventura mais perto do caótico”, onde não existe responsabilização.
E, se de repente, em 2015 houve uma atenção para o drama dos refugiados não foi porque o aumento tivesse sido assim tão significativo mas apenas porque, pela primeira vez estes vieram em número significativo para “o Grande Norte”, ou a Europa. “Normalmente os ricos não se dão conta de que os pobres existem até que os pobres lhes entram pela porta”, referiu para acrescentar que “é num momento em que os europeus precisavam de estar mais unidos, é quando a desunião reina”. Sobre o papel de Portugal, Guterres considera que o país ganharia em ter uma política ativa ao nível do Estado, das autarquias e da sociedade civil de acolhimento de pessoas “que até nos ajudaria a resolver o nosso problema demográfico”. Até porque, conclui, “a nossa posição é periférica e não há o risco de um movimento avassalador, além de que Portugal também não tem as manifestações de xenofobia de outros países europeus”.