“Queremos fazer parte da solução e não somos o problema. A cadeia alimentar não é a culpada.” É com esta mensagem que o conselho executivo da Sonae reage ao que considera ser “uma campanha de desinformação”, com base em números que não reconhecem, que tem imperado nos últimos dias para atribuir culpas à distribuição pela existência de uma inflação de 20% no preço de venda dos produtos alimentares ao consumidor.
“Temos tentado absorver ao máximo os custos da inflação e a prova é que a nossa margem de lucro caiu para os 2,7%”, avançou Cláudia Azevedo, presidente executiva da Sonae, durante a conferência de imprensa para apresentar os resultados financeiros de 2022. Também João Dolores, diretor financeiro do grupo, foi taxativo: “É preciso discutir com base em factos, encontrando soluções e não culpados”. A filha de Belmiro de Azevedo acabaria mesmo por dizer: “Se tivesse que procurar um culpado seria talvez o presidente da Rússia, ou a China ou a seca…”.
O que ninguém foi capaz de adiantar foi qual será a solução. “Não nos compete a nós dizer. Terá de ser o Governo. Não podemos fazer nada sozinhos, mas estamos dispostos a fazer parte da solução”, reafirmou Cláudia Azevedo, acabando, de seguida por lançar ideias vagas, como “apoiar os produtores, as famílias…”.
Quando questionada acerca da taxa sobre os lucros excessivos foi perentória: “Não reconhecemos esse conceito. E, no nosso caso, será um imposto sobre o crescimento”, disse, atendendo a que a Sonae abriu mais 200 lojas e criou mais 1200 postos de trabalho. Ironizou: “Isso só existe em Portugal e na Hungria e não gostaria de estar, em muitas categorias, junto à Hungria”.
E impor um teto à subida de preços? “O resultado final disso será ter prateleiras vazias e isso ninguém quer. Porque um produtor português não vai querer vender em Portugal e vai vender fora. E um produtor estrangeiro não venderá em Portugal com margens tão baixas”. E o que acha da solução do preço justo? “Não sei bem o que isso é. Ainda não percebi”, rematou a líder do grupo.
“Estamos a viver uma crise cega”
Antes de ter sido bombardeada com perguntas acerca dos preços, Cláudia Azevedo já tinha dito que “a guerra no mercado [da distribuição] é feroz” e usa todos os subterfúgios de “preços mais baixos, promoções ou descontos em cartão” para conquistar quotas. “Estamos a viver uma crise cega. E estamos a fazer o que podemos”, considerou, realçando posteriormente o facto de terem aumentado de 4,2 para 5,35 milhões de euros as compras aos fornecedores nacionais e de terem concedido apoios à comunidade na ordem dos 31 milhões de euros.
Mas foi João Dolores, CFO do grupo, que mais tentou mostrar o impacto do nível de inflação no preço dos produtos ao consumidor e de como o Continente tem procurado absorver parte da pressão inflacionista, reduzindo para 2,7 por cento a margem de lucro, o que provocou uma diminuição de 17,8% no resultado liquido da unidade de retalho alimentar.
“A inflação está a um nível preocupante. Os efeitos são nefastos e negativos. Está a ser muito duro para a maioria dos produtores portugueses. As pessoas estão a consumir menos e há muito pressão sobre as famílias”, retratou João Dolores. Para sublinhar a origem da inflação mostrou os enormes aumentos registados no gás natural, na eletricidade, nos fertilizantes, no brent e nos cereais e sementes. Falou ainda nas causas naturais e desastres climáticos que provocaram quedas na produção de cereais, legumes e frutas.
“Há um aumento de custos em toda a cadeia de valor e uma pressão grande no custo de mercadorias”, disse, para repetir que “a inflação tem causas bem identificadas e certamente não é a distribuição que está a provocar isto”. Terminou apelando a “um debate sério” sobre o assunto.