Foi uma tomada de posição inédita: os quatro conselhos de redação (CR) – do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF e O Jogo –, e os jornalistas do Dinheiro Vivo, sem conselho de redação eleito, manifestaram, entre 28 de maio e o dia de hoje, em consonância, a sua preocupação com o que consideram ser interferências em esferas de competência exclusiva das direções editoriais.
O caso prende-se com o processo de reestruturação e cortes de despesas levado a cabo dentro do grupo Global Media Group (GMG), que está a gerra desconforto interno, e com a decisão da administração de deixar de pagar a um conjunto de políticos ou pessoas politicamente expostas, valores que, segundo a VISÃO apurou, ascendiam “a centenas de milhares de euros”. A decisão de Marco Galinha, que detém através do Grupo Bel 29,75% da Global Media, mas assume a gestão, foi vista como uma tentativa de condicionar as escolhas dos colaboradores na área da opinião.
O facto de Marco Galinha ter pedido o acesso à plataforma de administração do Facebook como administrador foi mal recebido pelas redações, e visto como preocupante e inaceitável, tendo em conta que “as redes sociais são hoje extensões das marcas de informação”.
A administração “recusa liminarmente” estas acusações. “Não há qualquer interferência ou tentativa de condicionamento das escolhas ou decisões editoriais. O respeito pela Lei de Imprensa e pela liberdade editorial das redações é total”, afirma Helena Ferro de Gouveia, diretora de comunicação do grupo. A administração justifica a decisão com a necessidade de não fazer pagamentos a “pessoas politicamente expostas, “algo que está nas melhores práticas internacionais”. Já o pedido de acesso às contas do grupo prende-se apenas para “registo e moniitorização das métricas e estatísticas das páginas”.
Marco Galinha considerou que a legislação da União Europeia e dos Estados Unidos proíbe o pagamento de “consultoria a deputados da nação.” Segundo o CEO da empresa, é “expressamente proibido pagar a deputados e às suas famílias sob pena de algum dos administradores até ser detido nos EUA”, razão que terá levado ao “levantamento rigoroso” e à análise a cerca de “800 casos”, num processo que levou a “alguns atrasos.”
Como pode ler-se no comunicado da TSF, “a decisão de orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação’, constitui uma responsabilidade do diretor, como fica bem expresso na Lei de Imprensa. E a determinação das vozes escolhidas para o comentário político da TSF tem um cunho estritamente editorial”, regista o conselho de redação. Os membros eleitos do CR “questionam se as leis externas invocadas e mesmo a Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, onde se referem ‘pessoas politicamente expostas’, se aplicam a empresas de comunicação social, tendo o CEO falado em ‘consultoria’ e não em comentário político.”
O comunicado do Jornal de Notícias vai mais longe: “considera ilegítimas as ordens”, que diz serem “uma interferência da administração em matéria da competência exclusiva da diretora nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º da Lei de Imprensa”, e pede a Marco Galinha para “cessar imediatamente quaisquer instruções de condicionamento das escolhas de colaboradores na área da opinião”.
Outro ponto que gerou desconforto interno foi o que foi chamado de “prática de contar cabeças nas redações”. “A recente e inexplicável prática – levada a cabo por um membro da equipa de segurança do GMG alegadamente mandatado pelo Conselho de Administração – que nenhuma justificação tem quando o alvo desse controlo são jornalistas, cujo trabalho é exercido muitas vezes fora do espaço da redação. E ainda menos num contexto em que o governo determinou a extensão da obrigatoriedade do teletrabalho sempre que este seja possível pelo menos até 13 de junho”, refere a redação do Dinheiro Vivo.
Segundo apurou a VISÃO junto de fonte da administração, esta prática tem apenas uma justificação logística: “visa somente preparar o edifício para os tempos da Covid, de forma a cumprir com as normas e segurança da Direção-Geral de Saúde”.
Os jornalistas estão igualmente preocupados com a escassez de recursos humanos e com “a realidade de cortes sucessivos que conhecemos nos anos recentes e que deixam o Diário de Notícias cada vez mais fragilizado, sem que se vislumbre uma inversão desta realidade”.
Aos comunicados das várias redações sucederam-se as renúncias das diretoras do DN e JN, Rosália Amorim e Inês Cardoso, respetivamente, aos cargos de administradoras não executivas que ocupavam no Conselho de Administração da GMG. Mas ambas irão manter-se à frente dos dois títulos centenários da imprensa nacional.