“Um centro comercial chamava mais a atenção das pessoas para cá. Um só, pelo menos, já chegava para a gente se divertir. Passamos o tempo aqui, só rua acima, rua abaixo.” O desabafo, feito por três jovens à reportagem da RTP, em 1989 em Portalegre, podia ter sido ouvido naquele momento em qualquer cidade portuguesa. Na altura, devia contar-se pelos dedos de uma mão o número de grandes centros comerciais no País, símbolo máximo da sociedade de consumo e da modernidade que espreitava pelas portas entreabertas da Europa. E os que existiam estavam confinados às grandes cidades, indexados à escala da procura e ao poder de compra.
Trinta anos depois, o País é outro e os centros comerciais também. O modelo desenvolveu-se e consolidou-se à medida das tendências internacionais e das preferências dos portugueses. Nos grandes centros urbanos, o “rua acima, rua abaixo” foi tomado pelo entra-e-sai das lojas instaladas em corredores amplos e luminosos, com montras estudadas ao milímetro. Os shoppings tornaram-se temáticos e locais de passeio e de convívio, ganharam em área, em diversidade de lojas e experiências, com porta aberta para as grandes insígnias da moda e da restauração.
Ao passo que em grandes mercados como os Estados Unidos da América, o conceito dá mostras de saturação perante a mudança de perfil dos consumidores e as vagas de digitalização no comércio, por cá o hábito de ir ao centro comercial parece ainda enraizado na cultura de consumo nacional, pelo menos a julgar pelo número anual de visitantes. Mas como sobreviverá – ou se adaptará – às mudanças geracionais e aos efeitos da pandemia?
O conceito de centro comercial começa a generalizar-se em Portugal nos anos 70 do século passado, embora com pequenas lojas em galerias ou condomínios, nos centros das cidades e próximo dos locais de trabalho. Evolui para as periferias no final dessa década e expande-se com novos formatos e localizações, apostando no design e na grande distribuição. Nos anos 90, crescem em tamanho e partem para fora das grandes cidades, levando restaurantes, cinemas e outros equipamentos de lazer, muitas vezes à boleia do franchising. Centros como o CascaisShopping, criado em 1991, acentuaram o contraste da gestão profissionalizada e integrada com a dos pequenos espaços e galerias, onde os interesses particulares de cada arrendatário se sobrepunham “ao interesse do conjunto do ativo”, desajustando-se “rapidamente em termos de oferta e proposta de valor, levando ao seu insucesso”, sublinha Cristina Santos, administradora responsável pela gestão dos shoppings da Sonae. A transformação consolida-se com a entrada em cena de equipas multidisciplinares, do market intelligence à arquitetura, aliadas a novas formas de gestão que permitem alternar e renovar a oferta. Comprar passa a ser parte de uma experiência.
“Os centros comerciais são entidades complexas, mas de sucesso, porque são espaços de síntese da sociedade de consumo contemporânea. Respondem a valores e estilos de vida urbanos”, explica à VISÃO Herculano Cachinho, professor universitário e investigador do Centro de Estudos Geográficos, com trabalho desenvolvido na área dos sistemas comerciais urbanos. Os portugueses, dados às marcas, foram encontrá-las em grande concentração nesses novos locais, desenhados e geridos profissionalmente. “O que difere é a organização do espaço, simulado como se fosse público – mas que é privado. São locais higienizados, onde não encontram estropiados, tudo é controlado – a luz, a limpeza. Acaba por ser atrativo para o consumidor da classe média.”
Centros de milhões
Os números mostram o pulo dado na década de 1990, com a área comercial inaugurada a rondar um milhão de metros quadrados. De 2000 a 2009, juntaram-se mais de 1,5 milhões, caindo para um quarto deste valor nos dez anos anteriores, a refletir a maturidade do mercado e o impacto da crise do subprime. Do lado da procura, o apetite parece ter estacionado acima do 500 milhões de visitantes por ano, em parte justificado pelo forte crescimento do turismo. Com o novo milénio, entram grandes players internacionais na gestão, afirmando conceitos como retail parks, outlets (no Freeport, em Alcochete, os turistas são um quinto das visitas) e centros com lojas voltadas para o exterior, enquanto a transição para a década seguinte é afetada pela crise económica e financeira, que obriga a suspender projetos, emergindo o comércio eletrónico.
Em simultâneo com a exposição internacional de Portugal, vieram as trocas de mãos de centros, envolvendo cada vez mais fundos internacionais e sucessivos negócios de milhões, com muita liquidez no mercado, vontade de reciclar capital e pouca oferta disponível – sobretudo em 2018, ano em que se bateram todos os recordes e os negócios superaram 1 000 milhões de euros, ajudando a pintar de dourado uma década em que, segundo a consultora imobiliária JLL, o valor do investimento em centros comerciais no País disparou para muito perto dos 6 500 milhões de euros.
A recuperação económica, com mais emprego e rendimentos, e a melhoria da confiança dos consumidores também ajudaram a sustentar os negócios dos centros comerciais a partir de 2015. Passado o pior da crise e da Troika, tudo parecia correr de feição: no ano passado, as vendas dos 85 centros representados na Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) cresceram 5,1% para a casa dos 10 mil milhões de euros, já acima do pré-crise. Até que chegou a Covid-19, que foi direta ao coração do negócio – atrair pela diferença das experiências o maior número de pessoas ao mesmo local de consumo e fazê-las permanecer o máximo tempo possível. Vieram o confinamento e o encerramento. Depois, a reabertura com lotação condicionada, horário de funcionamento reduzido e menos clientes – com boa parte da população em teletrabalho, a restauração foi das mais atingidas. Com menos 20% a 40% de movimento nos corredores, a principal motivação do consumidor passou a ser a compra e não o lazer.
Embora a despesa por visitante seja agora maior, a queda de clientes deixou os lojistas à míngua e levou o Parlamento a aprovar uma redução temporária das rendas pagas, que acabou com queixas dos shoppings na Provedora de Justiça. No final de agosto, a Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) dizia que o risco de insolvência era real para 20% a 30% dos seus associados. Quem gere os centros, por sua vez, diz que nada faz adivinhar o fecho definitivo de shoppings e que o número de lojas com trancas à porta é inexpressivo – no caso da Sonae Sierra, menos de 1% dos três mil estabelecimentos sob gestão, e isso “porque as operações já estavam fragilizadas antes”, explica a administradora da empresa.
Maduro e em mudança
Para já, os promotores deitam contas ao negócio e reavaliam planos de expansão. Só o que estava em curso se mantém, como a renovação do Vila do Conde Porto Fashion Outlet, detido pela dona do Freeport, ou a expansão do NorteShopping pela Sonae Sierra. Tudo o resto foi empurrado para a frente. “É muito provável que as decisões sobre investimentos sejam adiadas para, pelo menos, 2021”, considera Miguel Kreiseler, diretor-geral da MVGM Portugal, empresa que tem em carteira o Campera Shopping Village, no Carregado. Nos próximos anos, dada a oferta existente (os responsáveis ouvidos pela VISÃO falam em “maturidade” do mercado e negam excesso de centros), não se prevê a construção de novas unidades, o que, para o comércio de rua e de proximidade, pode ser uma segunda vida. “É onde existem mais oportunidades, uma vez que é também um mercado em que a evolução é mais recente. Há uma crescente procura em Lisboa e no Porto e em retail parks”, afirma Fernando Ferreira, responsável de capital markets da JLL. Já Herculano Cachinho espera que o “fim de ciclo” dos grandes empreendimentos crie oportunidades para pequenos centros comerciais de bairro: “Vão ter sucesso. Há uma redescoberta da proximidade. É uma questão de reinventarem a oferta.”
É o que tenta o Brasília, criado em 1976, no Porto. Com 245 lojas em modelo de condomínio – cada uma com um proprietário, ao contrário dos grandes shoppings, em que há só um dono para todas as lojas –, preparava uma renovação para atrair mais jovens e turistas, até chegar a pandemia. “Foi um grande pontapé nas canelas, não foi fácil”, reconhece Luís Pinho, há dez anos responsável pela gestora do shopping. Os 500 mil euros que angariou junto dos 170 proprietários para fazer as obras tiveram de esperar e só agora, três meses depois, vão começar a sair do pé-de-meia para renovar o espaço, onde lojas convivem com um complexo de escritórios. “Funcionamos quase como uma rua entre a Boavista e a Júlio Dinis. Se não abrirmos às 8h30, começam a bater às portas, porque querem entrar para atravessar a cidade”, conta Luís Pinho.
Familiaridade vs. “barafunda”
“O último que cortou o cabelo ao Sá Carneiro fui eu. Vinham cá o Mota Pinto, o Mário Soares…” Joaquim Pinto, apelidado de “barbeiro do poder” pela quantidade de políticos que passaram pelo seu salão desde a revolução, acaba de pousar a tesoura depois de atender um cliente de décadas. O estabelecimento que dirige fica no Apolo 70 desde que este centro abriu, em 1971, na zona do Campo Pequeno, em Lisboa. Quatro anos depois, Joaquim Pinto tomou conta do espaço. E, hoje, é o inquilino mais antigo de outro estabelecimento que teima em resistir à passagem dos anos e das modas. “Antes, não se podia deixar toda a gente entrar. Eram muitas pessoas! Havia porteiros fardados”, recorda, sobre os primeiros anos do centro, uma estreia na capital pela diversidade de lojas. Snack-bar, cinema, livraria e cabeleireiro complementavam-se, partilhavam clientes. Quando abriram os grandes shoppings, com mais oferta e escolha, as pessoas foram atrás. Ficaram os clientes fiéis de anos, que preferem um ambiente mais familiar e sem “grande barafunda”. Também ali a tesoura da pandemia cortou receitas e visitantes, ainda que, nas últimas semanas, o negócio do Pinto’s Cabeleireiros já esteja a correr “razoavelmente”. “E este centro está a trabalhar muito bem para o tempo que tem: quase 50 anos!”, defende o barbeiro.
O Apolo 70 parece ser uma exceção ao desaparecimento, nas últimas décadas, de centros e galerias, que sucumbiram à pequena escala, a falhas de conceção e à propriedade em condomínio. Em 2014, cerca de um terço da oferta na Grande Lisboa caía na classificação de centro morto ou moribundo. Este fenómeno, o dos dead malls, paira há anos sobre os Estados Unidos da América e não escolhe escalas. Afeta sobretudo os centros cobertos, devido à fraca localização ou à excessiva dependência do turismo. Antes da pandemia, estes espaços procuravam acomodar o impacto do digital, apostando em áreas que as concorrentes do comércio online, como a Amazon, não conseguem cobrir – experiências e serviços como ginásios, restauração ou entretenimento. A Covid-19, que impôs níveis históricos de desemprego e pôs o consumo em coma, só agravou o cenário, ameaçando com o encerramento 25 mil lojas, entre um quarto e metade dos centros e pondo mesmo em dificuldades os maiores espaços do país (Mall of America e American Dream).
Casar físico e digital
O caminho para o enriquecimento das experiências do cliente parece ser aquele mapa para a ilha do tesouro que todos compraram na mesma loja e estão a seguir em paralelo. A generalidade dos gestores e especialistas contactados pela VISÃO espera que a pandemia apenas acelere ou obrigue a adaptar o que já estava no terreno, com foco no digital. António Sampaio de Mattos, presidente da APCC, destaca a monitorização permanente de tendências, a sustentabilidade ou a presença em todas as plataformas de venda (omnicanal). Para Nuno Oliveira, business director da Via Outlets Iberia, gestora do Freeport, o phygital – “casamento” entre experiência física e digital de compra – também será acelerado. No mundo dos smartphones, das apps e dos cartões virtuais, a expetactiva é a de que o centro comercial continue a ser espaço de encontro social, convívio e trabalho, onde se resolvem várias tarefas em paralelo. Fernando Ferreira vê as marcas a reavaliarem o número e a dimensão das lojas e a integrarem experiências inovadoras, enquanto Miguel Kreiseler encara a possibilidade de os centros constituírem a “última milha” no processo de compra online, como locais de entrega, baixando custos e aumentando a convivência com os clientes. “Não vemos o modelo online a pôr em causa o modelo existente. O comércio físico pode e deve conviver com o comércio digital: ambos se complementam”, ressalva Cristina Santos, que gere três mil lojas. Ainda que possa haver uma saturação dos espaços massificados ou excesso de oferta, viver o centro comercial deverá continuar a ser parte da experiência. “São sítios que convidam as pessoas a entrar num mundo à parte, numa espécie de magia que as faz seguras, confortáveis, felizes”, explica Herculano Cachinho.
Talvez fosse isso que sentia, ao descer “pela escada rolante, bem-vestida e petulante”, a rapariguinha do shopping, na canção de Rui Veloso. A miúda, que no Brasília inspirou Carlos Tê a escrever a letra da canção em 1980, já deverá ser mãe ou até avó. Como muitos outros portuenses da mesma idade, talvez há anos não regresse àquele centro, ainda menos nos últimos meses, com os receios da Covid-19. “Há uma coisa que me assusta: é que isto é mundial. Sofremos todos, e tudo pode acontecer”, nota Luís Pinho. “Mas acredito que o Brasília vai sobreviver. Sobreviveu 44 anos a muitas vicissitudes e acho que não é isto que o vai atirar abaixo.” Para isso, terá de fazer com que as filhas ou as netas da rapariguinha do shopping, nativas digitais que compram através do smartphone, redescubram o centro que marcou a vida das últimas gerações da cassete e do vinil, do telefone de disco e do dinheiro físico. E convencê-las a baterem-lhe à porta para atravessar a cidade pelo centro – e a comprar, já agora.
Projetos emblemáticos no virar do século
Há quem defenda que existem centros comerciais a mais, mas o setor prefere falar numa indústria madura que nos próximos anos só terá renovações e upgrades. A nossa paixão pelos centros comerciais vem de trás.
1951
Cruzeiro
Considerado o primeiro shopping do País, o edifício no Monte Estoril anunciava 40 lojas e equipamentos como dancing, salão de jogos, rinque de patinagem e cinema, além de “lojas para senhoras” no primeiro andar. Entrou em declínio no final do século XX e, em setembro do ano passado, a câmara de Cascais anunciou a conversão num centro de artes.
1971
Apolo 70
Foi a terceira drugstore inaugurada em Lisboa e, na abertura, teve honras de presença de secretários de Estado e diretor-geral do Turismo. A poucos metros do Campo Pequeno, incluía bowling, cabeleireiro, livraria, loja de eletrodomésticos e artigos para a casa, além de bar, boutique, loja de pósteres e florista. Resiste.
1976
Brasília
Tido como o primeiro centro comercial da Invicta, abriu já em democracia e tinha áreas de diversão noturna como discoteca, bar e espaço para adultos. “Trabalhar no Brasília era como pertencer à aristocracia do comércio”, lembrou, em 2011, Carlos Tê à Lusa. Foi naquele centro da Boavista que se inspirou para A Rapariguinha do Shopping, cantada por Rui Veloso. Vai ser renovado em breve.
1985
Amoreiras
O shopping sensação que marca o imaginário dos portugueses na década de 1980 nasce no topo de uma das colinas de Lisboa, dentro do complexo de torres de escritório e habitações desenhado por Tomás Taveira e que gerou polémica pela “rotura arquitetónica”.
1991
CascaiShopping
Localizado num dos eixos com maior poder de compra do País, é o primeiro centro comercial da Sonae, hoje o maior e mais internacionalizado operador de centros comerciais a partir de Portugal.
1997
Colombo
Anunciado como o maior centro comercial da Península Ibérica e o primeiro temático, inspirado nos feitos dos navegadores dos Descobrimentos. Dois anos depois, também em Lisboa, nascia o Vasco da Gama, a Oriente.
2004
Freeport
O investimento britânico em Alcochete marcou a chegada do conceito de outlet de grande escala a céu aberto. Ao longo de 15 anos, passou por vários encerramentos e redimensionamentos, tendo sido renovado recentemente.
Década 2000-2010
Intensifica-se a expansão de centros para cidades de média dimensão, zonas de influência da Grande Lisboa (Almada, Seixal, Loures e Torres Vedras) e Grande Porto (Matosinhos), além da Madeira e Açores e de capitais de distrito como Leiria, Coimbra, Faro e Castelo Branco.
2009
Dolce Vita Tejo
O empreendimento inaugurado na Amadora foi considerado, na altura, o maior centro comercial do País. Hoje chama-se Ubbo.
Década 2010-2020
Marcada por fusões e aquisições e vaga de renovações de espaços existentes. O ano de 2018, o melhor de sempre para o imobiliário comercial, foi recorde na mudança de mãos de proprietários de centros comerciais.
2017
Mar Shopping
O maior centro comercial do Algarve, integrado num complexo que combina loja-âncora IKEA e o conceito de outlet, foi dos mais recentes grandes projetos inaugurados nos últimos anos, sob a égide da INGKA Centres Portugal, grupo IKEA. Daqui em diante, o setor só espera renovações e ampliações.
Os que caíram, os que mudaram e os que deram a volta por cima
A sorte dos centros comerciais – grandes, médios ou de bairro – criados desde os anos 70 é diversa
Representam milhares de metros quadrados, abriram ao longo de quatro décadas em momentos diferentes. Uns não se adaptaram, outros contavam com expectativas de procura que mudaram subitamente ou nem se realizaram, outros sucumbiram à concorrência. Nos últimos anos, são vários os centros comerciais, sobretudo na Grande Lisboa, que ou fecharam portas e aguardam por melhor sorte, ou deram a volta por cima e mantiveram-se no ramo ou reconverteram-se para outros fins.
É o caso do Beloura, o shopping inaugurado em 2003 numa das zonas residenciais mais seletas da área metropolitana, que acabou entregue ao BES por falta de pagamento e está a ser adaptado a colégio internacional, o americano TASIS, que abrirá em setembro. Em Lisboa, as galerias comerciais Twin Towers, inauguradas em 2002 – que, na sequência da última crise, viram desaparecer 90% dos lojistas –, estiveram a ser convertidas no Espaço 7Rios, uma “aldeia empresarial” com escritórios, comércio e serviços.
Há outras histórias que não são tão felizes, como a do Vila Franca Centro. O ecrã de cinema IMAX deste centro, inaugurado em 1994, foi durante alguns anos a âncora para o shopping de Vila Franca de Xira. Mas valeu de pouco, sobretudo quando começou a concorrência do Campera, no Carregado e, mais tarde, do Vasco da Gama, em Lisboa. Fechou em 2013. Igual sorte tiveram dois centros no coração da capital, o City Center e o Imaviz, abertos nos anos 70. Este último, que até janeiro ainda conservava em funcionamento a discoteca Metropolis, encerrou definitivamente e aguarda a conversão num projeto hoteleiro e comercial. Ali perto, o Picoas Plaza também passou por fechos de lojas, mas segue aberto.
Em 2014, segundo um trabalho académico, havia 14 centros comerciais considerados moribundos na área metropolitana norte de Lisboa, na sua maioria nascidos das décadas de 1980 e 1990, a funcionar em galerias e em sistema de condomínios. Mais de um terço dos centros existentes nesta área do País estavam mortos (dead malls) ou em agonia. Mas vários exemplos – como o Brasília e o Cedofeita, no Porto, ou o Roma e o Alvalade, em Lisboa, estes últimos remodelados em 2013 – mostram que foi possível aguentar mais de 30 ou 40 anos, dar a volta por cima e manter o conceito de centro de proximidade.
Nos anos anteriores, o rasto da crise económica e financeira fechou vários projetos na gaveta. E adiou outros. O Dolce Vita Braga, por exemplo, esteve pronto a abrir em 2009, mas manteve-se fechado cerca de sete anos. Só ressurgiu em 2016, como Nova Arcada.
Vender para a rua como se fosse num centro comercial
Numa altura em que se acentuam tendências como a proximidade e a digitalização, o projeto Phoenix pode dar nova vida ao comércio de rua
São três experiências que podem arrancar numa questão de meses em zonas da Grande Lisboa e com potencial para transformar a forma como se gerem e promovem as lojas de rua, sobretudo numa altura em que a pandemia favorece o comércio de proximidade e em contacto com o ar livre. O projeto Phoenix, iniciativa do Centro de Estudos Geográficos/IGOT da Universidade de Lisboa, quer implementar projetos-piloto para avaliar projetos de regeneração ancorados no comércio e o seu potencial para revitalizar o comércio de rua nas cidades.
A zona da Rua Guerra Junqueiro e da Praça de Londres, onde já se realizaram assembleias com comerciantes e vão agora ser inventariadas as lojas, é a mais avançada. No projeto, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, também serão alvo de estudo o centro histórico de Vila Franca de Xira e as Colinas do Cruzeiro, em Odivelas. Mais tarde, os bairros de Campo de Ourique e Alvalade, em Lisboa, também poderão juntar-se. O objetivo é que estas zonas possam vir a funcionar como contraponto aos centros comerciais, aproveitando a experiência de gestão integrada de centros de cidades e o conceito de Business Improvement District (BID, áreas de desenvolvimento económico, em português), implementado há vários anos em Londres.
Em estudo está a implementação em Portugal de um projeto para transformar o comércio de rua através de um contrato de associação por cinco anos com os comerciantes, de modo que o espaço seja gerido à semelhança de um centro comercial. A empresa que fará essa gestão terá um orçamento, a financiar por comerciantes e proprietários, para desenvolver um plano de ação definido em parceria, e que inclui domínios como a segurança, limpeza das ruas, animação e eventos.
“Não sabemos se existem condições, porque este conceito é muito diferente do que tem sido feito em Portugal”, admite à VISÃO Herculano Cachinho, o coordenador do projeto. Para já, o Governo terá manifestado interesse no modelo e estará a ser agilizada a criação de legislação específica.
“Há uma redescoberta da rua”Herculano Cachinho, professor universitário e investigador do Centro de Estudos Geográficos
O que explica o sucesso dos centros comerciais em Portugal?
São espaços de síntese da sociedade de consumo contemporânea, que respondem a valores e estilos de vida urbanos, com uma oferta muito orientada para um perfil entre os 16 e os 40 anos. São espaços em que tudo é controlado e acabam por ser atrativos para o consumidor da classe média. Os portugueses são muito atraídos pelas marcas, que vamos encontrar concentradas nos centros comerciais.
Como evoluiu o perfil de utilizadores nas últimas décadas?
Os consumidores não mudaram muito, mas houve novos conceitos comerciais a entrar. Centros fechados, os mais difundidos; outros ao ar livre, como o Campera e o Freeport. Os de bairro, mais pequenos, que reproduzem em miniatura o grande centro comercial. Em Lisboa, nos anos 70 e 80, o que havia era condomínios, não centros comerciais. Construíram-se corredores e apareciam galerias. Todos eles desapareceram ou vão desaparecer. Não têm condições para concorrer com estes espaços de lazer.
Quais são os maiores desafios deste modelo?
Conseguir reinventar-se, aproximar-se dos consumidores, investir na digitalização e pensar-se como espaço de experiências, em que a compra acontece, nem que seja feita a partir de casa. O online vai ser mais uma prótese destas lojas físicas do que uma loja à parte. E outro desafio é o da segurança.
O centro comercial está para ficar?
Estamos no fim de um ciclo. Tirando um caso ou outro, já não abrem novos centros; o que vai acontecer é a reabilitação ou reconversão dos que existem. Os poucos que surgirem serão temáticos, especializados em restauração, cinema, desporto. Vão continuar a ter importância e são muito resilientes, sobretudo aqueles ligados a grupos económicos com know-how. A par de algum cansaço e saturação do centro comercial, há uma redescoberta da rua, sobretudo pela proximidade afetiva. Depende do comércio de rua reinventar-se e criar essa proximidade.