Um carro sem condutor já não é uma ideia propriamente de ficção científica. Se o design se vai tornando mais sofisticado, também os acessórios vão sendo mais completos à medida que a tecnologia avança. E esta avança a grande velocidade. Entrar hoje num carro topo de gama e olhar para os painéis de instrumentos, pode ser um desafio: para que servem tantos botões?
Os auto-rádios já eram e até uma playlist pode ser coisa pouca. O físico e analógico está a ser ultrapassado pelo digital. O GPS tornou-se vulgar. Numa era dominada pela conectividade, pela imagem e pelo individualismo, as grandes marcas automóveis, como a Volvo ou a Mercedes, apostam em oferecer tudo aquilo que facilite a vida a uma tripulação em viagem. Como por exemplo, ter um sistema de instrumentação que além de lhe dar acesso ao Bluetooth, ao wifi e a uma usb, pode proporcionar-lhe a produção de duas imagens ao mesmo tempo: um gps para o condutor, enquanto o acompanhante do lado vê um filme. Sim, tudo num só ecrã, que se altera perante a perspetiva do seu olhar.
Ou pode ter um sistema de instrumentação livremente programável, em que todos os parâmetros podem ser criados à imagem do condutor, filtrando o acesso às redes sociais, em que as estradas do gps podem dar lugar ao skype. Mais: de junto ao volante pode sair um ecrã que projeta virtualmente a estrada real que aparecerá mais adiante, como se de uma imagem 3D se tratasse, tal a perfeição da imagem.
Estes são apenas exemplos de inovações que estão a ser desenvolvidas pelos 160 jovens engenheiros do centro de investigação car multimedia da Bosch Portugal, em Braga, que estabeleceu um consórcio com a Universidade do Minho. E é aqui que estão a ser estudados e produzidos vários sistemas para as grandes marcas automóveis. “Todos os carros têm Bosch lá dentro”, assegura o diretor de produção Carlos Jardim, 37 anos, licenciado em Engenharia Eletrónica Industrial e de Computadores.
Esta fábrica, que emprega quase dois mil trabalhadores, tem como área de negócio os sensores, os auto-rádios e sistemas de navegação, e de instrumentação. Termos técnicos à parte – como display centrais ou head up display -, Carlos Jardim vai desfiando alguns números de um negócio promissor: “São aqui fabricados 25 mil sensores por dia para mais de 20 marcas. No ano passado foram 4 milhões de unidades e, este ano, prevê-se um acréscimo de mais meio milhão”; “Os sistemas de projeção livremente programável vão para o Volvo X60 e arranca em força este ano a produção de dez mil sistemas de instrumentação, 1500 unidades por dia, para a Mercedes”; “E vão dois milhões de unidades, 2500 peças por dia, de navegação e entretenimento para a Nissan”… De todo este conjunto, os componentes plásticos são fornecidos por cá, enquanto os eletrónicos vêm da Ásia.
Tecnologia pioneira
Mas a joia do negócio é o head up display, o tal ecrã que projetará “com total perfeição de imagem” a estrada e todos os obstáculos lá à frente. Porque isto implica uma tal precisão e limpeza na montagem que foi desenvolvida uma tecnologia própria para o efeito, capaz de impedir qualquer contaminação. “Temos de garantir que não existe um pixel de imperfeição na imagem”, observa Carlos Jardim.
Já está em curso uma candidatura a fundos europeus para desenvolver uma segunda vaga relacionada com a realidade aumentada, uma técnica adaptada do mundo da aviação. Por exemplo, a projeção poderá ser feita no próprio para-brisas, projetada a uns metros de distância.
A Bosch persegue a ambição de ter “tecnologia pioneira”, e tudo faz para que tenha o selo “made in Portugal”. Há já sensores a serem pensados para o carro sem condutor (para a série 3 da BMW) e está a ser produzido “um computador em sistema modular”, cujas funcionalidades vão sendo acrescentadas conforme a vontade do cliente, com circuito de TV, rádio e internet para um carro que começará a vender em junho.
A organização e a limpeza é algo que salta imediatamente à atenção na visita a qualquer uma das três fábricas Bosch em Portugal. A multinacional alemã tem 16 grandes negócios, 270 fábricas espalhadas pelo mundo e só três estão em Portugal: para além da car multimédia, em Braga, há a termotecnologia, em Aveiro, e os sistemas de vigilância e segurança, em Ovar. Cada um tem o seu centro de competência, unidades de investigação e desenvolvimento, que têm estado a contratar gente.
“O nosso grande desafio nos próximos anos é tentar atrair mais desses negócios”, adianta o administrador delegado da Bosch Portugal, João Paulo Oliveira (ver entrevista).
Em Aveiro, mais de cem engenheiros estão no centro de competências mundial da Bosch para os sistemas de aquecimento que, agora, vai expandir para a climatização e a conectividade. Preparou-se aqui uma nova linha de esquentadores com menu digital touch, com superfície em vidro, que começaram a ser comercializados no mês passado. “Têm um sistema que nos permite saber quanta água gastamos por dia, proceder ao controlo da temperatura e do caudal de água”, explica Sérgio Salústio, o responsável pelo centro sempre com olhos postos no futuro. “Lançamos uma aplicação disponível na loja da Apple que transforma os smartphones em postos de comunicação com os aparelhos”.
A casa inteligente
E isto é o início do que ele chama a “smart home”, a tecnologia que permitirá manter a temperatura, mesmo quando há outras torneiras a jorrar água. “Cerca de 10% da energia gasta no mundo é para aquecer água, sabia?”, atira, para justificar um novo sistema de condensação que vai permitir reaproveitar “o calor que ia ser deitado fora para voltar a aquecer a água”. E uma nova bomba de calor conseguirá “ir buscar água a 10 graus abaixo de zero e estabilizá-la na temperatura desejada”.
A fábrica de Aveiro é visitada “por um camião TIR a cada 30 minutos”. António Conde, engenheiro mecânico, entrou como estagiário em 1994 e é, há um ano, o administrador industrial. “O camião deixa matéria prima e leva produto acabado”, explica. Os plásticos vêm “de fornecedores o mais perto possível”. O cobre, a mais importante e uma das mais caras e cada vez mais escassas matérias primas, vêm “de Itália e Alemanha”. Prossegue: “Esta fábrica é a maior consumidora de cobre da Península Ibérica. Ter matéria prima é ter stock e ter stock é ter dinheiro empatado.” Além da guerra ao stock, tenta-se reduzir ao máximo a quantidade de cobre por aparelho e o seu desperdício.
As pequenas ilhas de montagem (e não linhas, para que os trabalhadores possam comunicar facilmente entre si e mudar de funções), a que chamam supermercados, estão organizadas em múltiplos de 16, tantas quantos esquentadores leva uma palete. Os seus responsáveis reúnem regularmente à volta de uma mesa, em pé e por poucos minutos, para medirem a produção, sugerirem retificações e fazerem o ponto da situação. “Em cada hora, produzem-se aqui 700 esquentadores, 12 mil componentes e fazem-se 1500 ensaios de qualidade”
Em Ovar, o engenheiro industrial Jónio Reis, responsável pela fábrica dos sistemas de vigilância, mostra como “têm sido capazes de atrair mais negócio, que antes estava na China, pelos índices de eficiência e produtividade apresentados”. Como foi o caso dos detetores de incêndio.
Com 330 trabalhadores, o centro de Investigação e Desenvolvimento saiu de Eindhoven para Ovar, “por ficar mais perto da mercadoria e dos fornecedores”, sobretudo plásticos e metais. “Um contentor a sair do porto de Leixões para Nova Iorque custa menos do que um camião a sair do México para o mesmo destino”, exemplifica.
Sendo este um negócio sazonal, dependente do setor de construção e obras públicas, forneceram já muitas empreitadas em África.