‘Cofres cheios”, pagamentos antecipados da dívida ao FMI, taxas de juro negativas, petróleo barato, euro fraco e injeções maciças de liquidez por parte do Banco Central Europeu (BCE), a pretexto de reanimar o investimento e o consumo. Estes são alguns dos assuntos destacados pelos jornais nas últimas semanas. São boas ou más notícias para a economia portuguesa? Vão ou não reduzir o desemprego? Os economistas coisa rara estão otimistas.
Na opinião de João Ferreira do Amaral, João Duque e Ricardo Cabral, as perspetivas são animadoras. O problema é que não é certo que Portugal consiga aproveitá-las para ir além do projetado crescimento económico de 1,7% do PIB em 2015 (segundo a estimativa mais recente do Banco de Portugal).
Os efeitos dos anos da crise ainda se farão sentir por bastante tempo, particularmente sobre a procura interna.
A situação em Angola não ajuda, com a quebra no preço do petróleo a prejudicar as exportações e o investimento portugueses.
E, na Zona Euro, persiste o risco da saída da Grécia da moeda única, com consequências imprevisíveis sobre os restantes países europeus.
Onde estão então as boas notícias? O economista e professor catedrático aposentado João Ferreira do Amaral aponta “a redução das taxas de juro, o pagamento antecipado da dívida mais cara [do FMI] e, parcialmente, o petróleo.
Mas a notícia melhor é a desvalorização do euro face ao dólar, que permite relançar as exportações e melhorar a competitividade em relação aos produtos com preços em dólares.
Penso que dificilmente poderia haver uma conjugação de fatores mais favoráveis à economia portuguesa”.
João Duque, economista e professor catedrático no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), nota que, nesta combinação de boas notícias, “algumas nada têm a ver connosco. Não somos os ‘promotores’, mas sim os ‘beneficiários'”.
O petróleo barato, o euro fraco e os juros baixos em nada dependem do bom comportamento da economia portuguesa. Resultam das decisões tomadas em cidades como Viena (sede da Organização dos Países Exportadores de Petróleo) ou Frankfurt (sede do BCE), para as quais Portugal pouco conta. “Só quando o risco de deflação atacou o centro da Europa é que o BCE tomou medidas que beneficiam os países periféricos, como Portugal. Se tivesse sido por nossa causa, teriam sido tomadas mais cedo”, salienta.
Ao socorrer-se da bazuca para “disparar” milhares de milhões de euros nos próximos 18 meses, o BCE está a dar o seu contributo para que Maria Luís Albuquerque mantenha os “cofres cheios”.
Mas, com tanta austeridade, como é possível a ministra das Finanças ter conseguido enchê-los?
Dinheiro é dívida
Qual Tio Patinhas, a governante quis destacar o volume dos depósitos que o Estado português mantém de reserva, junto da banca em geral e do BCE em particular, para enfrentar novas subidas dos juros sem precisar de realizar emissões de dívida no mercado.
Mas esta almofada financeira, que no final de janeiro atingia 24 mil milhões de euros, é constituída com dinheiro da dívida, pedido de empréstimo aos investidores e aos credores oficiais (fundos europeus de resgate e FMI), e implica um custo (não revelado) com juros.
Como esse dinheiro não está, na verdade, guardado num cofre, mas sim depositado a taxas negativas, estamos a pagar juros pelo empréstimo que pedimos e mais juros pelo depósito que fazemos. No BCE, que cobra juros no valor de -0,2%, estavam colocados cerca de 18,5 mil milhões de euros no final de janeiro.
“A declaração sobre os ‘cofres cheios’ não foi feliz. A ministra das Finanças referia-se ao dinheiro da almofada financeira, mas esse dinheiro é dívida. É dinheiro dos outros.
E a almofada tem um custo, em juros”, alerta Ferreira do Amaral.
Ricardo Cabral, economista, docente e vice-reitor da Universidade da Madeira, mostra-se menos condescendente com as afirmações da ministra Maria Luís Albuquerque.
“A criação de uma almofada de liquidez revela a falta de regras sobre a gestão da dívida pública [que ultrapassa 130% do PIB].” A figura não existe na lei-quadro da dívida pública e, segundo Cabral, a existência de uma almofada, além do seu custo em juros [250 milhões de euros em 2015, segundo o econo mista], representa “um cheque ilimitado ” passado à ordem do IGCP, o instituto que gere a dívida pública portuguesa.
“E sem prestar contas à Assembleia da República “, salienta.
As críticas do economista da Madeira estendem-se às operações de troca ou de amortização antecipada de dívida feitas recentemente pelo IGCP, num contexto de descida contínua dos juros. Ricardo Cabral chama a atenção para “as perdas crescentes, que já excedem os mil milhões de euros. Não estou a dizer que foi errado fazê-las, estou apenas a constatar que os custos com juros foram baixando cada vez mais”.
Além disso, as perdas cambiais que resultam da depreciação do euro face ao dólar desaconselham qualquer tipo de pagamentos ao FMI [cuja moeda resulta de um cabaz de divisas]. “Pode ser preferível não fazer nada.
Ao pagarmos antecipadamente 6,6 mil milhões de euros ao FMI, tivemos um custo superior em 870 mil euros ao que teríamos se as cotações do euro contra o dólar estivessem iguais aos valores de há um ano.” Para João Duque, encher os cofres é apenas “gestão de tesouraria”. “É ridículo atacar o Governo por ter dinheiro. Era melhor em 2010? Não era. O Governo está a aproveitar os juros baixos para captar fundos e, com eles, pagar dívida que de outro modo nos custaria mais dinheiro. Se pagar antecipadamente parte da dívida ao FMI permite-nos poupar 500 milhões de euros, então poupe–se. E o custo da almofada financeira é muito baixo porque os juros estão baixos.”
Também há más notícias
Nem tudo são boas notícias, admite João Duque.
O economista elenca três más notícias para a economia portuguesa: a quebra das vendas para Angola, causada pela crise do petróleo, o investimento que não descola (nem com os juros baixos) e a fraca criação de emprego, que não absorve os desempregados nem retém os jovens.
Na mesma linha, Ricardo Cabral garante que “as notícias nunca são só boas. O petróleo barato é benéfico para Portugal e para a Zona Euro porque não produzem petróleo.
São 6 mil milhões de euros de redução na fatura energética que não saem de Portugal.
Mas a descida do crude afeta Angola, o Norte de África e o Médio Oriente e isso vai prejudicar as exportações e as empresas de construção, que terão de mudar de estratégia. Não há bela sem senão”.
O economista estima que o impacto do petróleo barato será, apesar de tudo, positivo.
Em 2015, o PIB poderá crescer mais 1,3 pontos percentuais por causa da queda nas cotações.
Adversário desde o primeiro momento da entrada de Portugal no euro, João Ferreira do Amaral mostra-se moderadamente otimista em relação a esta combinação de fatores económicos semelhante ao que vivemos em 1984/85, após a segunda intervenção do FMI: “Não sei como a economia reagirá, apesar de a conjuntura ser inesperadamente boa.
Não há investimento o seu valor continua a ser inferior ao de há 5 ou 6 anos. Mesmo com juros baixos, o investimento depende das perspetivas de aumento da procura. E, sem elas, as empresas não se comprometem com novos investimentos.” Mas 2015 é um ano de eleições legislativas e o discurso da confiança anda no ar: “Se a economia reagir, podemos ter um crescimento significativo”, sublinha o economista.
O problema é que a conjuntura positiva não durará para sempre.
Boas notícias
BCE dispara a bazuca
O BCE começou a comprar dívida pública para fazer chegar mais crédito à economia, estimulando o investimento das empresas e o consumo das famílias. São 60 mil milhões de euros que todos os meses vão ser injetados na zona euro, ultrapassando 1,1 biliões de euros no espaço de ano e meio. Mas não é certo que este programa de alívio quantitativo, criado para aliviar as pressões deflacionistas, produza resultados.
FMI recebe adiantado
Portugal aproveitou os juros baixos e contraiu nova dívida para pagar, antecipadamente, 6,6 mil milhões de euros de dívida “velha” ao FMI, poupando 100 milhões de euros na fatura com juros. Até 2017, deverão ser adiantados mais 8 mil milhões de euros ao FMI, aumentando a poupança nos juros para 500 milhões de euros.
Juros abaixo de zero
Baixar as taxas de juro até valores negativos foi a primeira “arma” usada pelo BCE para tentar animar a zona euro. Em Portugal, há já bancos a pagar zero por cento pelos depósitos a prazo. E, com a Euribor a três meses a caminhar para valores negativos, continuamos sem saber como é que os bancos vão aplicá-la aos nossos créditos pessoais e habitacionais.
Crude ‘deslizante’
Em menos de um ano, o crude caiu de 100 para 50 dólares por barril. A Arábia Saudita, o maior produtor mundial, tem pressionado a descida dos preços para inviabilizar a exploração do petróleo e gás de xisto nos EUA. Portugal, importador de petróleo, viu a sua fatura energética cair em 6 mil milhões de euros.
Euro fraco
A desvalorização do euro face ao dólar superior a 10% desde o início do ano foi a consequência mais imediata do anúncio do programa de alívio quantitativo do BCE. Ao baixar o valor da moeda europeia, sobem os preços dos produtos importados em dólares e regressa a inflação.
Más notícias
Desemprego voltou a subir
O número de trabalhadores sem ocupação está a subir desde finais do ano passado. A taxa de desemprego continua elevada (a estimativa do INE aponta para 14,1% em fevereiro), abrangendo quase 720 mil pessoas. Se não fosse a emigração, estaríamos pior.
Angola à míngua
Muitas empresas que procuraram em Angola o mercado que lhes faltou em Portugal correm o risco de ter de voltar atrás. Em janeiro, as exportações para aquele país caíram 26,4% em relação ao mês homólogo do ano passado.
Um maior controlo sobre a saída de capitais está também a dificultar pagamentos aos fornecedores e trabalhadores expatriados.
Investimento não recupera
A economia voltou a crescer 0,9% em 2014 mas o investimento ainda não deu sinais de retoma. Nem público nem privado. Dados do INE indicam que, no caso do investimento público, os valores registados em 2014 cerca de 3,5 mil milhões de euros foram os mais baixos das últimas duas décadas, a fim de conter o défice orçamental.