Ainda mal se estreou pelo Sporting – apenas três minutos em campo frente ao Rio Ave, na passada segunda-feira -, mas já é um fenómeno de popularidade em Alvalade, e não é pelo facto de ter chegado do Barcelona, ou pelo menos não é só por causa disso. Héctor Bellerín, lateral-direito espanhol de 27 anos, é um fenómeno de personalidade, sem medo de assumir posições sobre os mais variados assuntos, o que vai sendo cada vez mais raro no mundo do futebol, em que os protagonistas preferem resguardar-se o mais possível, limitando as intervenções públicas ao B-A-BA do desporto-rei. A estratégia, diga-se, é transversal a toda a Europa, tendo em conta o mediatismo da atividade e as ondas de choque que um discurso mais ousado pode causar, ainda mais num tempo em que as redes sociais ajudam a amplificar tudo o que é dito fora dos padrões habituais.
Bellerín é distinto. Esta quinta-feira, aproveitou para reforçar a atitude desprendida, num vídeo partilhado através da conta oficial do Sporting na rede TikTok. Sabe-se agora que, além de vegano, dieta a que aderiu cedo na carreira, adotou um gato com três patas, conversa com as plantas, ouve rádio todas as manhãs e apaga o despertador oito vezes todos os dias. Quantos futebolistas recorrem às redes sociais do clube para revelar informações deste tipo, mesmo que a pretexto de uma apresentação aos adeptos?
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♬ Wanna Be Startin’ Something – Michael Jackson – Trenchboy jayz????
Há mais de cinco anos que o espanhol deixou de comer carne e restantes alimentos de origem animal. Jogava ainda no Arsenal, o clube londrino que o recrutou aos 16 anos no Barcelona e que representou durante uma década, quando decidiu fazer essa mudança na alimentação, com o objetivo de melhorar os índices de recuperação do esforço – há especialistas que defendem que o deixa mais suscetível a lesões. Só mais tarde lhe juntou argumentos relacionados com a proteção do meio ambiente, que vieram consolidar ainda mais a opção por esta dieta.
Não será de estranhar, também por este motivo, que se deixe ver no metro de Lisboa ou até a deslocar-se de bicicleta, nos próximos tempos. A sustentabilidade é um tema que lhe é cada vez mais caro. Em 2020, adquiriu uma parte do Forest Green Rovers, um clube dos escalões secundários britânicos totalmente sustentável. E, apesar da notória preocupação com o estilo – os avós tinham uma fábrica de vestuário e ele já desfilou para a Louis Vuitton e aparece nas revistas de moda -, deixou de comprar roupa nova. Era habitual vê-lo passear-se em trajes das marcas de luxo, mas há um par de anos que só veste em segunda mão, promovendo a reutilização dos tecidos.
Na política, assume-me de esquerda, mas sem apoiar declaradamente um partido. Defensor da causa LGBTQIA+, pronunciou-se ao fim de um mês de guerra na Ucrânia, em março do ano passado, para pedir a mesma atenção internacional para outras guerras no mundo, nomeadamente na Palestina, no Iémen e no Iraque. Para os futebolistas, é favorável a um aumento de impostos.
Se da família materna herdou o gosto pela roupa, do pai, formado em Letras, Bellerín captou-lhe o prazer da leitura. A Casa dos Espíritos, romance da chilena Isabel Allende, é um dos seus livros favoritos e, para 2023, já disse estar decidido a ler apenas obras escritas por mulheres. Também é assíduo em museus e galerias de arte.
O defesa espanhol chegou ao Sporting para substituir o compatriota Pedro Porro, que se transferiu para o Tottenham e o aconselhou a trocar o Barcelona pelo clube de Alvalade. Na Catalunha, Bellerín estava a ser pouco utilizado, depois de ter sido contratado no último dia do mercado de verão, naquele que foi um regresso à casa que o formou para o futebol. Tinha mostrado um grande desempenho na época anterior, ao serviço do Bétis, ainda por empréstimo do Arsenal, mas as poucas oportunidades concedidas pelo técnico Xavi Hernández fizeram-no optar por uma mudança de ares em janeiro. Com outras ofertas em mãos, inclusive da Premier League inglesa, a escolha pelo Sporting ficou a dever-se muito ao fisioterapeuta Paulo Barreira, com quem tinha trabalhado no Arsenal e que agora integra os quadros dos leões.
Só falta mesmo começar a jogar, sendo certo que, se não render no relvado, tudo o resto não conta para os adeptos – e ainda se arrisca a sofrer, em forma de ricochete, pelo tanto que se expõe. Segundo o próprio Bellerín, porém, há muito que o que os outros dizem dele não o afecta. O que o afectaria era não conseguir desfrutar da vida no seu espírito livre.