Muitos foram as personalidades, mais ou menos anónimas, que não conseguiram ficar caladas perante a proposta apresentada, esta semana, pelo deputado André Ventura, que defende medidas especiais de confinamento para as comunidades ciganas. Mas a reação que mais destaque ganhou na opinião pública foi, como se sabe, a de Ricardo Quaresma, cigano, e internacional português de futebol, campeão da Europa em 2016. O craque formado no Sporting que brilhou, depois, no FC Porto e em clubes como o FC Barcelona, Inter de Milão, Chelsea ou Besiktas utilizou as suas redes sociais para condenar as propostas do líder do Chega.
“O populismo racista do André Ventura apenas serve para virar homens contra homens em nome de uma ambição pelo poder que a história já provou ser um caminho de perdição para a humanidade. Olhos abertos amigos, o populismo diz sempre que é simples marcar golo mas na verdade marcar um golo exige muita tática e técnica. Olhos abertos amigos, o racismo apenas serve para criar guerras entre os homens em que apenas quem as provoca é que ganha algo com isso. Olhos abertos amigos, a nossa vida é demasiado preciosa para ouvirmos vozes de burros… isto se queremos chegar ao céu”, escreveu, na segunda-feira, 5, na sua página de Facebook.
A resposta do deputado do Chega não tardou. Ventura considerou “lamentável que um jogador da seleção nacional se envolva em política”, mas Quaresma, como costuma fazer em campo, foi rápido no drible e fez mais um golo de trivela: “Não quero estar a dar mais canal ao senhor André Ventura. Eu pago impostos em Portugal, por isso sou um cidadão que também tem direito a dar opinião. Esse tema está fechado, quero é que acabe essa parte dos racismos”, afirmou numa intervenção em direto na página de Facebook do IPDJ (Instituto Português do Desporto e Juventude).
O outro Quaresma
Voltando ao Facebook, Ricardo Quaresma recordou na sua página pessoal a história de Artur Silva Quaresma (que chegou a pensar ser seu tio-avô), também jogador de futebol e internacional português. Na tarde de 16 de fevereiro de 1938, Artur fez parte da seleção nacional portuguesa escolhida para defrontar a congénere de Espanha, num jogo que, apesar de ter terminado com uma vitória de Portugal por 1-0, nunca foi aceite pela FIFA porque a seleção de Espanha, país mergulhado na sangrenta guerra civil, não era ainda reconhecida oficialmente. O jogo serviu, isso sim, como tentativa de dois regimes autoritários se verem legitimados internacionalmente. Na tribuna, além das mais altas figuras do Estado Novo e do regime franquista, estavam representantes da Alemanha nazi e da Itália de Mussolini. O espanto surgiu quando, antes do início do jogo, três jogadores da Seleção Nacional portuguesa se recusaram a fazer a saudação romana, de braço direito em riste, típica dos regimes fascistas. Dois deles, Mariano Rodrigues Amaro e José Rodrigues Simões, ergueram o punho direito. O outro, Artur Silva Quaresma, deixou-se estar de braços atrás das costas.
Falecido em dezembro de 2011, Artur recordou o acontecimento em entrevista ao Record, “Nunca fui político, mas embirrava com aquelas coisas do fascismo. O Barreiro era foco de opositores ao regime e eu era amigo de muitos. Fiz aquilo sem premeditação, foi um ato natural”. Ainda assim, a verdade é que os três jogadores foram detidos nesse mesmo dia, no final do jogo, pela PVDE, a polícia do regime que antecedeu a PIDE. Só foram libertados semanas depois.
Atualmente, Ricardo Quaresma tem, como todos nós, a felicidade de poder dar livremente a sua opinião sem correr o risco de ser preso por isso. E, pelos vistos, não desiste de defender essa liberdade contra todas as ameaças que a possam pôr em causa. Que nunca a voz lhe doa!