Pouco depois de ter marcado o golo que deu a Portugal o título de campeão europeu de futebol, Éder saiu-se com esta: “Queria dedicar o golo à Susana Torres, a minha mental coach de alta performance.” Primeira dúvida: quem? Segunda: mental coach de alta performance, o que é isso? Não foi difícil chegar ao contacto com Susana Torres, que deixou a carreira na banca para se dedicar a potenciar a força mental de futebolistas. “Acho que vocês a deviam conhecer”, atirou Éder na ocasião. ” Se o herói do Euro pede, vamos a isso.
Porque é que o Éder veio dizer que tínhamos de a conhecer?
[Risos] O trabalho que temos feito um com o outro tem sido altamente transformador e, se calhar, ele sentiu que, quando chegasse o momento certo, ia aproveitar para fazer esse reconhecimento.
Apanhou-a de surpresa?
Mais ou menos. Ele já andava a dizer que ia falar no meu nome, mas eu não liguei nenhuma. Antes da final, veio falar comigo: “Susana, eu vou marcar o golo da vitória e vou falar no teu nome na flash interview.” E eu disse: “Sim, Éder, está bem. Vai lá mas é jogar.”
Disse-o a si antes do jogo, disse-o a Fernando Santos antes de entrar em campo e, se calhar, a mais alguém. Isso resulta do vosso trabalho?
Tem um nome: é o poder da intenção. Quando vamos altamente intencionados para determinada ação, a probabilidade de acontecer é muito maior. E se há coisa que o Éder trabalha é o poder da intenção. Ele estava altamente convencido de que tudo o que dependesse dele ia acontecer. Nem sempre é bom partilhar, mas quando se opta por não o fazer, e depois acontece, parece que é sorte. Se partilhamos, então já nos parece que foi premeditado. Ele está habituado a comunicar objetivos, faz parte do nosso trabalho, é uma forma de criarmos um compromisso. Vamos lá para dentro e nos momentos de fraqueza pensamos “agora não dá para falhar” e voltamos a ligar ao objetivo.
Quando o Éder lhe pediu para o ajudar, em janeiro de 2015, como é que ele estava?
Não era a melhor fase dele, estava mais ou menos bloqueado. Além de não ter resultados, era massacrado pela opinião pública.
Duvidava das próprias capacidades ou deixava-se influenciar pela crítica?
Não é que se deixasse influenciar, mas as críticas retiravam-lhe energia. Quanto a confiar nele próprio, sempre confiou. O Éder está habituadíssimo a lidar com a adversidade, desde sempre. Se há pessoa que acredita em si própria é o Éder. A única coisa que fiz foi potenciar isso.
A adversidade a que se refere tem a ver com o facto de ter sido uma criança institucionalizada.
Teve uma infância diferente, que é boa também, mas sem um pai e uma mãe. Isso fez com que reforçasse algumas capacidades que nós, quando estamos protegidos pela família, não precisamos de desenvolver.
Chegou a falar-lhe na possibilidade de terminar a carreira de futebolista?
Diretamente, não. Mas colocou tudo em cima da mesa, porque, quando as coisas não estão a acontecer, duvidamos. É humano. E ele estava numa fase de grande questionamento.
Como se conheceram?
Foi no final de um jogo do Sporting de Braga. A minha filha do meio estava espantada com a altura do Éder e também com a cor da pele, porque ela é muito branquinha e loira. O Éder reparou e foi ter com ela. Pedi para tirar uma fotografia dos dois e ele, em vez de se baixar, pegou-a ao colo. O Éder quis uma foto igual para ele e passou a ser o herói dela. Passados três ou quatro anos, entrou em contacto comigo para saber da minha filha e ofereceu-lhe uma camisola.
Começaram aí a trabalhar em conjunto?
Para retribuir, disse-lhe que era coach de alta performance e que, se ele conhecesse alguém interessado, eu teria todo o gosto em ajudar. E ele respondeu que tinha curiosidade em saber mais sobre o assunto. A partir daí começámos uma conversa que ainda não acabou.
Com que regularidade se encontram?
Sempre que ele precisa. Falamos muito por telefone, preparamos os jogos todos que ele faz, a nível mental.
Como?
O coaching faz-se na base da conversa. Foi necessário desenvolver o foco, para um ponta de lança é essencial. Se em dez remates acertamos todos naquele retângulo que é a baliza, significa que temos um foco elevadíssimo, porque não estamos a mandar para fora do objetivo.
Mas em que consiste esse trabalho de valorizar o foco?
É fazer perguntas poderosas, de alto impacto. E depois há um lado mais técnico, por exemplo o treino da visão periférica.
Proponho um exercício: faça-me uma pergunta poderosa como se eu fosse o Éder.
Ok. Onde é que tu colocas o teu foco? Porque a baliza é um mundo.
Eu coloco o foco no ângulo inferior esquerdo.
Então a partir daqui é importante fazer um trabalho prático. Vamos ter de testar em treino para perceber se se concretiza. É sempre assim. Tudo o que conversamos ele tem de aplicar nos treinos. Se eu quiser desenvolver uma determinada ação, vou ter de a repetir vezes sem conta para garantir que fico perito nela.
Alguma vez o Éder se mostrou cético em relação à eficácia deste processo?
Ele diz que não, mas eu acho que sim [risos]. O trabalho de um coach é analisar o que está a acontecer, perceber o que as pessoas gostariam que viesse a acontecer e encontrar o trajeto entre esses dois pontos. Quando lhe perguntei a primeira vez qual era o objetivo dele, ele patinou um bocadinho. “Então diz-me o teu sonho de criança.” E foi quando ele me falou da Premier League. “Então podemos definir isso como um objetivo? É confortável para ti?” E ele disse: “Mais ou menos, Susana, eu estou no Braga, não estou a marcar golos, tive lesões. Não deve ser muito fácil.” Despertou uma série de obstáculos e ignorei-o olimpicamente. “Isso seria um objetivo para daqui a quanto tempo?” E ele respondeu: “Dois anos, talvez.” Sugeri seis meses e ele aceitou, mas eu não sei se ele estava mesmo a acreditar.
Ao fim de seis meses, o Éder foi contratado pelo Swansea, da Premier League. Mas com certeza que nem sempre resulta.
Resulta se a pessoa quiser que resulte. Quando não resulta é porque se falhou no processo. Se eu estiver cego por aquilo que eu quero, eu chego lá. Claro que há coisas que não controlamos. O Éder não controla se vai entrar em campo ou não. Mas a nós cabe-nos fazer o melhor que sabemos com aquilo que controlamos. Eu até posso não conseguir o resultado final, por algo que está fora das minhas mãos, mas durante o processo preparei-me para ter alta performance e, mesmo falhando, estarei melhor preparado para os objetivos seguintes.
Um livro de autoajuda ou consultar um psicólogo desportivo não daria os mesmos frutos?
O processo não é o mesmo, o que não quer dizer que não seja bom. Um psicólogo desportivo é uma mais-valia, mas são trabalhos completamente diferentes. Um livro de desenvolvimento pessoal é excelente, o Éder lê. Agora, uma coisa é ler um livro e outra é a prática. E o que um coach faz é ajudar a praticar comportamentos.
A desconfiança inicial do Éder em relação aos seus métodos estende-se a outros jogadores?
De certeza que não é caso único [risos]. Mas o meu próprio marido, sabendo que as conversas são confidenciais, perguntou–me: “Podes ao menos partilhar qual é o objetivo dele?” Quando lhe disse que era levar o Éder até à Premier League em seis meses, a cara do meu marido é algo que não consigo descrever. Nunca o vi tão assustado na vida. “Susana, tu tens de ter cuidado com as expectativas que crias nas pessoas.” Disse-lhe que tinha sido ideia do Éder e ele continuou: “Tu não percebes nada de futebol. A Premier League é a melhor liga do mundo, ninguém sai do Braga para a Premier League.” Então graças a Deus que eu não percebo nada de futebol, porque o que eu tenho de ver é o lado da solução e não dos problemas.
O que é que ele diz agora?
Ele diz: “Vou ter de levar com essa história o resto da vida, não vou?” Vai, até para ele aprender e aplicar na sua vidinha! [Risos].
Durante o Europeu, o Éder foi o principal alvo de gozo nas redes sociais. Quando Ronaldo atirou o microfone para o lago, circulou a piada de que se fosse o Éder falharia a água. Falaram sobre o assunto?
Sabemos que existe, mas não colocamos aí a atenção. Uma das coisas que o Éder aprendeu foi a desligar-se de coisas que não promovem a sua performance. Tudo isso passou a ser acessório para ele. Este é o grande truque para alguém que está a querer alcançar objetivos. Já alguém dizia que obstáculos é aquilo que vemos quando tiramos os olhos do objetivo.
Já estavam a preparar um livro sobre o caso dele. Este golo decisivo é o final perfeito para um best-seller?
Digamos que não podia ter sido melhor. A ideia do livro surge porque a história dele já era uma lição de vida. Mas faltava um resultado que a sustentasse. Então concentrei-me no fim e o fim era altamente inspirador.
Mas qual era esse fim?
O objetivo que ele definiu para o Euro era fazer o golo na final. Sim, eu sei que é altamente incontrolável…
Quantas editoras já a contactaram interessadas no livro?
Já me ligaram várias, agora é decidir.
Gostava de fazer com toda a seleção o trabalho que faz com o Éder?
Gostava, não só com a seleção, mas com outras equipas. Já o fiz na nossa liga, mas o meu sonho é chegar à Premier League.
Tem algum mental coach a “guiá-la” para esse objetivo?
Não tenho oficialmente, mas tenho uma pessoa nesta área a quem recorro sempre que necessito. Embora saibamos o que temos de fazer, nem sempre estamos lá.
Aquela “jogada” do Fernando Santos, ao assumir contra todas as expectativas que só voltaria a Portugal no dia 11, foi um risco ou um golpe de asa a nível motivacional?
Risco é uma palavra que não tem grande valor no meu dicionário. Se queremos fazer coisas, temos de assumir riscos. O que ele fez foi comunicar um objetivo e isso compromete-nos. Neste caso, não se comprometeu só ele, mas também os jogadores e Portugal. A partir do momento em que ele diz que só volta dia 11 e será recebido em festa, não há como não acontecer. Essa comunicação foi o ponto-chave, porque a partir daquele momento não dá para não acreditar. O efeito nos jogadores é: “Agora, não dá para o deixar ficar mal. Vamos ter de fazer o que podemos e não podemos, o que sabemos e o que vamos ter de inventar.” O que ele fez foi coaching. Não é tecnologia de ponta, por vezes basta uma frase. É mexer com o ponto certo.
Dê-nos um exemplo contrário, coisas que treinadores ou jogadores fazem e têm um efeito negativo?
Imagine uma equipa a caminho de um jogo e a conversa entre jogadores é sobre o estado do relvado. Sem se aperceberem, estão a desviar a atenção para algo que não controlam. Nós somos peritos em arranjar justificações para aquilo que não conseguimos fazer, temos um mestrado nessa matéria. O trabalho de um coach é fazer com que os jogadores tenham consciência disso, de modo a focarem no que interessa.
Hoje as equipas estão mais equilibradas a nível físico, técnico e tático, como se viu no Europeu. Qual a importância da preparação mental na decisão dos jogos?
Podemos levar muita técnica e muita tática, mas tudo vai depender da disponibilidade para executar. O que eu penso em cada momento condiciona altamente o que faço. É importante termos cuidado com o que pensamos quando precisamos de ter uma alta performance. Isto acontece com toda a gente, em qualquer área. No futebol, eu posso ter o melhor preparador físico, o melhor treinador, os melhores jogadores e, ainda assim, não ter o resultado. É por isso que o Leicester ganhou a Premier League. Tem a ver com a intenção que se leva para dentro de campo.
Também trabalha noutras áreas que não o futebol?
Estou muito ligada ao futebol, mas tenho experiência em empresas que envolvem o contacto com o público.
O que lhe dá mais gozo?
O coaching aplica-se a todas as áreas profissionais, mas o que me dá mais gozo é quando alguém me diz “eu quero ser o melhor empresário”. Gosto de ganhar e de trabalhar com quem gosta de ganhar. Mas numa empresa, como os resultados são anuais, o impacto não costuma ser tão imediato como no futebol.
Já tem um plantel de jogadores a trabalhar consigo?
Prefiro não responder. Por minha iniciativa, dificilmente estaria a falar consigo sobre estas questões. Ninguém vai atribuir o sucesso de uma equipa num Campeonato da Europa ao fisioterapeuta e eu considero-me o fisioterapeuta na parte mental. Ou seja, sou só uma pecinha do puzzle. Atribuir um grande mérito à Susana Torres está completamente fora da realidade. Porque eu só afino ali um parafuso [risos].