A expetativa era grande para o primeiro de três concertos de celebração do 20º aniversário do álbum O Monstro Precisa de Amigos – segundo e derradeiro disco da banda, lançado em 1999.
E, no palco do NOS Alive, na quinta-feira à noite, os Ornatos Violeta geriram habilmente essa expetativa. Logo a abrir, surpreenderam o público com uma versão de Circo de Feras, dos Xutos e Pontapés (editada no álbum de tributo XX Anos XX Bandas, também de 1999). A reação foi imediata e fizeram-se ouvir milhares de vozes afinadas.
O jogo de emoções estava só a começar. E a palavra “jogar” não é aqui aplicada ao acaso. O entrosamento da banda – voltando à terminologia desportiva – é outro espetáculo dentro do espetáculo. Esta é uma equipa feliz por ir a jogo. Ainda que depois de cumprimentar a assistência com um “olá pessoal” Manel Cruz solte um “f*da-se” perante a grandiosidade da tarefa que se avizinha, a verdade é que a banda está hoje muito mais confortável em palco. E, provavelmente, na vida, longe dos fantasmas da transição para a vida adulta.
Os fãs, esses, continuam tão apaixonados como antes. Por vezes, “dar um tempo” tem mesmo o condão de reacender a paixão, pelo menos no que diz respeito ao rock’n’roll… A última vez que os tínhamos visto ao vivo foi na reunião de 2012, já lá vão sete anos.
Às tantas, os ecrãs gigantes mostram uma espectadora com um cachecol da banda. Não restam dúvidas, os Ornatos Violeta não têm fãs, têm adeptos.
O Monstro Precisa de Amigos fez-se anunciar com Tanque, precisamente a primeira canção do disco, mas a partir daí o alinhamento do álbum seguiu uma ordem inesperada. Quando soa Pára de Olhar Para Mim já Manel Cruz tinha despido a t-shirt, um gesto habitual nos seus concertos – e que também alimenta algumas expetativas… “Eu só quero dar-te alguém melhor”, canta. Talvez hoje sejamos todos melhores, esperemos.
Antes do tema Para Nunca Mais Mentir, o músico ainda vestiu uma t-shirt dos Ornatos Violeta que foi buscar à primeira fila, mas também ela não ficaria muito tempo vestida… “Só estou habituado a despir, não a vestir”, confessou, sorridente.
A energia do quinteto – Manel Cruz, Peixe, Nuno Prata, Elísio Donas e Kinörm – faz-nos pensar se todos poderemos ser adolescentes enquanto quisermos. Mas, musicalmente, a maturidade é evidente. Afinal, ao contrário do que cantam os homenageados Xutos e Pontapés, talvez a vida não seja sempre a perder…
Ouvi Dizer é a primeira grande explosão de emoção, com as vozes em uníssono e um rol de desgostos amorosos a pairar sobre a assistência. “E pudesse eu pagar de outra forma”, grita-se quase até ao expoente da loucura.
A seguir a Coisas, Manel Cruz tem o seu momento Miss de Portugal e brinda “por um mundo melhor”. Depois de Notícias do Fundo, o vocalista anuncia “uma das canções mais bonitas” da banda, composta por um “Peixe esquisito”, referindo-se ao guitarrista do grupo. Ouve-se, assim, Deixa Morrer. “Acendeu-se a luz, estão vivos outra vez”. E estão mesmo.
Aliás, a mistura de gerações na assistência contribui para a aura de banda de culto. Muitos seriam ainda crianças – ou nem sequer eram nascidos… – quando a banda terminou, há quase vinte anos. A internet e a presença assídua de canções como Ouvi Dizer nos concursos de talentos terão levado a banda aos mais novos. Mas o efeito seria nulo sem o carisma dos cinco magníficos, em particular de Manel Cruz.
Um improvisado cartaz no público mostra o sentimento geral: “Quem diria que um dia voltava a ver Ornatos?”. Um encontro de chofre com a adolescência para uns, um encontro com a banda que se habituaram a mitificar para outros. Ou tudo isso, e mais, ao mesmo tempo.
O mosh pit abriu com OMEM – ótima canção-despertador, asseguro eu. Seguiram-se Chaga (“Para lembrar que há um fim…”) e Dia Mau – com o endiabrado Manel Cruz a correr pelo palco e a atirar-se para o chão (há coisas que um anti-herói do rock não consegue deixar de fazer, e ainda bem). Enquanto os fãs gritam sincopadamente “Ornatos, Ornatos!”, anuncia-se Pára-me Agora, canção que iria entrar no terceiro disco da banda, Monte Elvis, “gravado só nas intenções”. Impossível não pensar que teria sido um belíssimo single.
“Sei que estas coisas não acontecem muitas vezes, são poucas, mas esse é o encanto das coisas boas. Muito obrigado por isto. Mesmo — a todos. A todos!”, despede-se Manel Cruz, que este ano lançou o primeiro disco em nome próprio.
Com Peixe ao bandolim ouvem-se os arrepiantes primeiros acordes de Capitão Romance, que nos deixam rendidos à alegria de regressar a canções de tempos felizes, e até, infelizes. Afinal, todas as memórias, melhores ou piores, são património inalienável.
Ainda houve direito a um encore com Fim da Canção. Mas o que ficou a ecoar foram os versos “eu vi, mas não agarrei”. É difícil deixá-los escapar outra vez. Mas os reencontros mostram que os Ornatos Violeta estão mais felizes. E nós com eles. Talvez só assim as relações durem para sempre.