Todos os países têm os seus mitos. Alguns, condensam-se numa única figura, que atravessa os tempos como inspiração ou ameaça, exemplo ou fantasma. No México, esse estatuto está entregue a Moctezuma, o imperador asteca que em 1520 sucumbiu ao invasor espanhol.
No seu novo romance, lançado na FIL, José Luis Trueba Lara revisita a figura mítica. Não é o primeiro, nem será o último autor mexicano a fazê-lo. Talvez seja uma inevitabilidade ver em Moctezuma um bloco identitário que convoca os escritores para um duelo fatal. Com tão poucas fontes, é impossível conhecê-lo na totalidade. Mas, sem a literatura, o desconhecimento revela-se ainda maior.
“Moctezuma é visto pelos mexicanos como o grande traidor, o grande perdedor, o grande horror da história pátria”, afirma à Visão, entre sorrisos, o escritor e também editor. “Mas esta é, em parte, uma imagem fabricada. Durante o processo de independência, na hora de inventar um país, era preciso encontrar um responsável por todos os nossos males. À falta de outros candidatos, foi ele o eleito. O México nasce negando Moctezuma.”
Para o escritor, na típica luta entre bons e maus, perdeu-se a vontade de perceber quem foi na verdade o famoso imperador. Editado pela Oceano, Moctezuma ensaia uma aproximação. “É entendê-lo a partir do pouco que sabemos”, afirma. O desconhecimento, diga-se, é um poço sem fundo. Começa no dia do nascimento, que ninguém sabe qual foi. O que se sabe é que, para evitar maus presságios, escolheu-se um dia propício. Moctezuma, segundo as referências pré-hispânicas, terá nascido a 1 de Caña, o equivalente, no nosso calendário, a 1 de janeiro, precisamente o dia que marca o início de um novo ciclo. Numa palavra: “Propaganda, a forma que os pais encontraram para associar o seu futuro a grandes feitos”.
Dividido em cinco partes, o romance percorre as várias etapas da vida de Moctezuma, da infância às grandes conquistas que marcaram o seu reinado. Quase no fim, o encontro com navegador e conquistador espanhol Hernán Cortés. A fechar, a sua morte. Não surpreenderá ninguém que ainda hoje se brinque com esse momento. “Vamos dar pamba asteca a alguém” é uma frase muito comum. “Usa-se quando se quer fazer mal a alguém”, esclarece o escritor .
A maldição persiste, já se vê, o que leva José Luis Trueba a uma conclusão simples: “O pior que te pode acontecer é viveres numa época histórica muito interessante”. Mas isso não é o que todos desejam?, perguntamos. “É, e a época de Moctezuma é de facto interessantíssima. Mas se vivesses nela quem sabe o que te poderia acontecer? Provavelmente acabarias morto”, ironiza. “O bom da escrita é poder viver as grandes revoluções, mudanças e conquistas da História na segurança do teu escritório. Não há nada mais seguro que a Literatura.”
Na Literatura, pode dizer-se, Moctezuma vive eternamente.