A nave aterrou na Aula Magna, em Lisboa, e dela saíram seis seres, vindos de um futuro, algures no destino da humanidade, com uma mensagem de esperança, mas também de celebração. Durante quase duas horas, o ritual de reencontro com os fiéis, que há muito ansiavam pela boa nova, foi um momento de festa e de explosão de energia… Mantendo o registo de ficção científica que, desde o início, os Blasted Mechanism construíram à sua volta, assim poderia ser descrito também o concerto de apresentação de Blasted Generation, sexto álbum de originais da banda formada por Guitshu, Valdjiu, Ary, Zymon, Winga e Fred Stone. Ou, como os próprios o definem, “a sexta geração” dos Blasted Mechanism, um grupo que se reinventa (e ao seu universo) a cada disco.
Depois de terem viajado pelo espaço, por outras dimensões e em realidades paralelas, estão, agora, de regresso à terra, com um registo inspirado pelo “sentido de unidade” nascido nas manifestações espontâneas que têm ocorrido nas principais cidades do mundo. “Cada disco está colado a uma mudança de geração, a uma evolução. E este é, talvez, aquele que reflete mais o que se está a passar no mundo”, explica à VISÃO o principal ideólogo do grupo, Valdjiu. O próprio nome, Blasted Generation, surgiu como uma homenagem à geração que, desde há alguns meses, ocupa as ruas, lutando por uma mudança de paradigma. “Já todos perceberam, mesmo quem está no topo da pirâmide, que estamos a ir para o buraco, mas 7 mil milhões de pessoas a irem para o buraco é algo que não pode acontecer. É por isso que as gentes estão a sair para a rua. Este disco é um tributo a essas pessoas, porque fazem-no com um sentido de celebração. Celebrar a vida é muito importante, faz parte do ADN do ser humano, e nós somos uma banda que apela à festa”, defende o músico. Sentado a seu lado, está Guitshu que, em 2008, substituiu o vocalista original Karkov. Foi ele que escreveu grande parte das letras do disco novo: “Somos todos pais e tentamos projetar um futuro onde gostaríamos de ver os nossos filhos crescer. É uma visão porventura utópica, mas a utopia é uma palavra que apenas existe para nos escondermos quando não queremos fazer nada. Esses mundos do amanhã, que desejamos ver acontecer, são a principal inspiração para as nossas letras.”
Viagem musical… e visual
Ainda faltavam algumas horas para o concerto acontecer, mas já a azáfama era grande, na Aula Magna, onde foi estreada a nova estrutura de palco da banda, concebida em parceria com o artista Rui Gato, a quem coube também desenhar o video mapping do espetáculo – uma inovadora técnica de vídeo que permite a projeção de imagens em qualquer superfície. Neste caso, a tela é o palco inspirado no cubo de Metatron – uma forma composta pelos sólidos de Platão que, quando encaixados e vistos de cima, desenham a chamada flor da vida – também conhecido como hipercubo. Neste espetáculo, o grupo interpretaria oito temas do disco novo e 12 dos álbuns anteriores, sendo projetado um vídeo diferente para cada música. “Conhecia algumas músicas, mas não tinha ideia do vasto universo da banda, nomeadamente a mudança de geração a cada disco, o que é muito interessante de trabalhar em termos de imagem… Um projeto de vídeo mapping normal tem, habitualmente, dez minutos. Aqui, o resultado é quase uma longa-metragem, devido às cerca de duas horas de concerto. Foi um desafio fantástico”, conta Rui Gato.
Entretanto, nos camarins, o grupo vestira os novos fatos, criados por Ana Sofia Antunes. Apesar do sempre presente imaginário de ficção científica, estes parecem bem mais terrenos que os das gerações anteriores. Poderiam ser, como sublinha Guitshu, “os figurinos urbanos de uma civilização do futuro”. Todas estas mudanças fazem-se também sentir, como seria de esperar, na música. Como é habitual nos Blasted Mechanism, o novo álbum cruza vários estilos musicais. A produção esteve a cargo do baixista Ary, que apostou na dualidade entre dois ambientes distintos: “Há um lado acústico e um lado eletrónico, que se conjugam. A ideia era levar o mundo dos ritmos tribais ao encontro do mundo mais sintético e eletrónico das festas atuais, de modo a demonstrar que, ao longo dos tempos e da história, a celebração esteve sempre ligada à dança. É como um regresso à terra, porque sentimos a necessidade de comunicar algo mais para fora da nossa bolha.” Uma opinião corroborada pelo guitarrista Fred Stone: “Apesar de sermos uma banda com roupas esquisitas, instrumentação bizarra e conceitos fora do comum, não vivemos fora do nosso tempo. Mais do que querer voltar à terra, fomos puxados pelo estado das coisas.”
Instrumentos – Novas invenções
Ao longo dos anos, as diversas “gerações” dos Blasted Mechanism têm sempre apresentado novos instrumentos, criados de raiz pela banda. Depois do bambuleco (um “dois em um” com baixo e guitarra) e da kalachakra (que juntava guitarra, baixo, cítara, tampura, harpa e violino), surge agora o maegeri, um bambuleco com um braço mutante, onde pode ser instalado um ribbon (interface que atua num sintetizador analógico) ou uma guitarra portuguesa.