Os filmes não são malas de transportar histórias. E Julian Schnabel que, além de artista plástico, já foi nomeado para Óscar e premiado em Cannes por O Escafandro e a Borboleta (2007), e apresentou recentemente o documentário Lou Reed Berlin, devia estar cansado de o saber. Não basta enfiar lá para dentro a tragédia eterna do conflito israelo-palestiniano, a linda actriz indiana, Frieda Pinto, que Danny Boyle descobriu em Slumdog Millionaire, uma câmara trémula que é para tentar contrariar a falta de energia narrativa, e alguns casos reais mais ou menos avulsos. E agitar um bocado, deixá-la aos tombos na pista rotativa das bagagens, à espera de que quando se volte a abrir a mala esteja tudo composto, ordenado e acima de tudo, a fazer algum sentido. Normalmente, é ao contrário, o exercício de arrumar a mala é prévio, na altura em que se compõe o guião. E o problema reside precisamente a jusante, no livro semi-autobiográfico Miral (Editorial Presença) em que se baseia o filme (estreia-se hoje, quinta, 16) com o mesmo nome, escrito pela jornalista italiana Rula Jebreal, nascida em Israel, com quem vive o realizador – o que só torna “o artigo” ainda mais “para consumo da casa”.
O filme tece supostamente uma teia multiplot e multi-geracional, em que quatro mulheres se atravessam no cenário de conflito e raiva de uma Jerusalém em vias de ocupação. Começa em 1948, quando Hindi Husseini abre um orfanato para 2000 meninas órfãs. As aparições de Vanessa Redgrave e Willem Dafoe são tão gratuitas e irrelevantes que chegamos mesmo a duvidar que eles compareceram no filme, mas os créditos finais confirmam-no. Depois, entra em cena uma enfermeira activista, uma prostituta perturbada, um imã bondoso e, enfim, só a meio do filme, a personagem que dá nome ao filme: Miral (Freida Pinto), uma menina que cresce no orfanato de Dar El-Tifel, envolve-se vagamente na Intifada, apaixona-se por um militante desavindo da OLP e é presa e espancada, aos 17 anos, por uma agente israelita diligente.
Schnabel que até tem um background familiar judeu (a mãe foi presidente de uma organização sionista na América), não resiste ao insuportável didactismo, como se os actores fossem mais porta-vozes do que personagens com um mínimo de espessura, ao tentar resumir 50 anos de história do Médio-Oriente, desde a criação do Estado de Israel, da Guerra dos Seis Dias em 1967, da primeira Intifada em 1987, aos postos de controlo israelitas, à humilhação, aos acordos ainda não cumpridos dos anos 90, e fica-se pelo mostruário. Mas depois nada leva a nada, numa sequência de inícios sem meios nem fins, apenas inconsequentes e fracturados – que geralmente caracterizam os guiões amadores.
Supõe-se que, dada a planura das personagens e a aridez das situações, qualquer nuvem negra de polémica nem chegue a fazer chover nos fóruns de debate mais radicais dos israelitas. Apesar do esforço do realizador que consegue enfiar meninas órfãs, uma violação, um suicídio, um atentado frustrado, um interrogatório, uma casa a ser demolida pelos catterpillers judeus, tortura, uma jovem judia, protagonizada pela filha de Scnabel, apaixonada por um palestiniano, e ainda Catherine Deneuve no Repulsa de Polansky (quando tudo falha neste melodrama atrapalhado e piegas, um close up de Deneuve vem em auxílio) – tudo isto dentro da mesma bagagem desalinhada.
Para a anemia do filme e para todo este pronto-a-pensar político terá o livro da jornalista onde está tudo exposto, demasiado denunciado, como o mostruário dos estabelecimentos. A jornalista Rula Jebreal, agradece a Julian “por fazer esta viagem de regresso e por me ajudar a ligar o meu passado ao meu futuro”. Para consumo da casa, lá está.