Este é mais um daqueles filme piegas a fingir que não são piegas. Já começa a tornar-se um género. A receita é sempre a mesma. Abre-se a ferida, depois em vez de fazer o espectador chorar sobre sangue derramado, dá-se-lhe um algodão com betadine, a ver se se estanca o desgosto sem alaridos, e algum sentido de sobriedade e de espírito prático. Ao contrário de Precious, o filme que acumulava um mau gosto atroz com os golpes mais delirantes, porque à ferida seguia-se, a gangrena, a infecção purulenta, a amputação e por aí fora, numa sangria desatada como no sketch da doação de fígados dos Monty Phyton, no filme de Scott Hicks, o realizador de Shine (1996), não se tenta extrair lágrimas do espectador à força, com uma bomba de sucção lacrimal. É mais subtil, ou seja tenta sacar apenas a lagriminha de canto do olho. O pior é que nem nisso é eficaz.
Começa com um casa paradisíaca no campo australiano, onde há pássaros estridentes nas árvores e cangurus a correr à volta da casa. E depois apresenta-nos uma família daquelas dos anúncios de pequeno almoço. Pai (Clive Owen) um britânico jornalista desportivo, especialista em ténis, uma mãe, aparentemente dona de casa, mas também muito simpática e uma criança adorável. Depois da instalação, a situação: a mãe, coitadinha, morre de cancro e deixa órfão o menino e viúvo o pai imaturo.
A lamechice segue dentro de momentos. Porque não só o pai tem de lidar com o luto e os danos que aquela perda provocou na família, como tem de aprender a governar a casa sozinho, a vestir a criança, a dar-lhe um pequeno almoço… Ele quer aprender a cuidar dos filhos (depois aparece também um filho adolescente do primeiro casamento, cheio de ressentimentos) porque quer deixar de ser “o gajo porreiro que aparece ao fim do dia para dar uma prenda”. Mas, coitado do homem, ele é o típico pai imaturo, que nunca cresceu, não é por acaso que o livro para adormecer (tão estafada metáfora) é o do Peter Pan.
Por isso, o pai decide instalar lá em casa o regime da Terra do Nunca. Ou o do Maio de 68, como preferirem: é proibido proibir. Pode-se entrar pela janela, acumular louça em cima da mesa, comer o que se lhe apetece, descongelar o frango na banheira… enfim, coisas de rapazes, (tão velho o cliché) porreiro, pá…
Volta e meia a mãe Wendy aparece do além para dar umas orientações ao pai Peter Pan, ele claro que conhece uma mãe também celibatária, muito gira, que põe alguma ordem lá em casa e faz uma viagem com o filho a sítio nenhum – e talvez esta a sequência mais original do filme. Esta e a cena inicial do jipe a rolar pela praia com o miúdo no sítio onde costumam ir os insectos mortos – ou seja, em cima do pára-brisas.
De resto, tudo é de um artificialismo flagrante, todas as manobras de comover estão demasiado à mostra, e nada na realidade convence. Nem as relações pais/filhos pretendiam ser reais – ao pé do independente Vão-me Buscar Alecrim, dos irmãos Safdie, em que se retratava com tanta verdade os quotidianos caóticos de um pai na fronteira da negligência com as crianças que, no entanto amav,a – Só Eles parece um tele-filme plastificado. Em que nada convence. Trata-se de mais um filme baseado numa história verídica, um best-seller de um jornalista que fica nesta situação de viuvez precoce tal como há pouco tempo se fez um filme, baseado noutro best-seller, o de um jornalista que comprava um cão labrador, em Marley e Eu. A diferença é que a história do cão consegue ser mais comovente.