O ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, morreu, esta sexta-feira, aos 79 anos (fazia 80 anos no próximo dia 28 de Agosto), numa clínica privada, em Barcelona, Espanha, onde tinha dado entrada, em estado crítico, no passado dia 23 de Junho.
Figura incontornável (e controversa) da independência de Angola, líder histórico do MPLA, “Zédu” – como também era conhecido pelo povo angolano – foi presidente daquele país durante 38 anos (entre 1979 e 2017), sucedendo no cargo a outra figura de proa da luta pela emancipação de África, Agostinho Neto – o primeiro presidente de Angola independente.
José Eduardo dos Santos nasceu na capital Luanda, no dia 28 de Agosto de 1942. A porta da política surgiu pela via diplomática, em 1961, quando tinha apenas 18 anos, logo que eclodiu a guerra colonial contra o regime de Salazar. Logo no início do conflito, beneficiaria de uma bolsa de estudo no Instituto de Petróleo e Gás de Bacu, capital do Azerbaijão, na antiga União Soviética, onde, seis anos depois, concluiria a licenciatura em Engenharia de Petróleos.
No estrangeiro, foi ainda representante do MPLA em países como a Jugoslávia, República Democrática do Congo e China, recolhendo apoios para a luta armada anticolonialista, que se arrastava no seu país, só regressando a “casa”, em definitivo, após o fim do conflito, em 1974. Nesse mesmo ano, seria eleito para o Comité Central e Politburo (comité executivo) do partido – a idependência de Angola chegaria no dia 11 de Novembro de 1975.
O presidente Agostinho Neto ocupava, por esta altura, a cadeira do poder. Em 1979, porém, o líder incontestado do MPLA e de Angola perderia a vida, com 57 anos, num hospital de Moscovo, devido a complicações na sequência de uma cirurgia para combater um cancro no figado; era, então, chegada a hora de José Eduardo dos Santos, de apenas 37 anos, eleito, sem hesitações internas, presidente do MPLA e seguidamente investido como presidente de Angola.
Durante os 38 anos que ocupou o palácio presidencial, José Eduardo dos Santos tornar-se-ia num líder polémico, acusado, pelos seus opositores, de impor um regime autocrático, que limitava a democracia interna, as liberdades de expressão e manifestação; e ainda de promover esquemas e negócios que permitiram ao próprio e seus familiares acumularem uma avultada riqueza, depositada em contas e património no exterior, num país em que 41% das pessoas ainda vive abaixo do limiar da pobreza.
Homem de paixões
José Eduardo dos Santos acumulou paixões ao longo da sua vida: é pai de 10 filhos, nascidos de seis mulheres diferentes. Casou-se, pela primeira vez, com a azeri Tatiana Kukanova, que conheceu durante a sua permanência estudantil na antiga União Soviética, e com quem teve uma filha. Em 1973, nascia Isabel dos Santos, na capital do Azerbaijão, que se tornaria na personalidade mais mediática e polémica da sua prole.
O desamor, porém, chegou – e “Zédu” divorciou-se de Tatiana Kukanova não muito tempo depois. De regresso à “sua” Angola manteve relações amorosas esporádicas, mas casar, isso, só aconteceu por mais uma vez, quando, em 1991, se apaixonou por uma hospedeira de bordo, que conheceu quando esta prestava serviço no avião presidencial. Ana Paula Lemos tornar-se-ia na primeira-dama de Angola – uma relação que teve encontros e desencontros (e que nunca terá gerado a simpatia das fichas mais velhas de Eduardo dos Santos: Isabel dos Santos e Tchizé dos Santos).
Três décadas depois, porém, seria esta mulher, com quem José Eduardo Santos teve quatro filhos, a acompanhar o antigo governante na sua última viagem.
Em 2019, dois anos depois de deixar a presidência de Angola, José Eduardo dos Santos decidiu deixar Angola para trás – na sequência das decisões de João Lourenço, que afastaram a família Dos Santos do topo do Estado –, radicando-se no bairro de Pedralbes, em Barcelona, Espanha, numa mansão que tinha sido propriedade de Jordi Pujol, antigo presidente do Governo da Catalunha (entre 1980 e 2004). Foi, até ao fim, o seu lar.
As últimas horas
Ao longo das últimas (quase) duas décadas, o estado de saúde de José Eduardo dos Santos foi mantido, praticamente, em segredo. Informações disponíveis referem que o ex-presidente de Angola seria tratado a um cancro na próstata, em Barcelona, pelo menos, desde 2013. Mas, ao mesmo tempo, alguns registos indicam que a doença já se poderia manifestar desde 2006 (existindo, inclusive, referências a tratamentos realizados, por essa altura, no Rio de Janeiro, Brasil).
No passado dia 23 de Junho, José Eduardo dos Santos terá sofrido uma queda na sua residência. O auxílio chegou apenas 15 minutos depois, período em que terá estado com pouco oxigénio. Na sequência do incidente, o antigo Chefe de Estado angolano terá sofrido três paragens cardíacas, tornando-se previsível que, mesmo que recuperasse, teria sempre de lidar com sequelas irreversíveis.
Transportado de urgência para a clínica Teknon, na zona norte da cidade, José Eduardo dos Santos foi imediatamente colocado em coma induzido, para mitigar danos. A equipa médica terá feito, na terça-feira, dia 28, uma derradeira tentativa para tentar que o paciente recuperasse a consciência, mas tal já não terá sido possível. O coração batia, mas a esperança que voltasse a despertar “morreu” naquele momento.
Guerra civil
A própria presidência angolana já tinha confirmado, na semana passada, a gravidade do estado clínico de José Eduardo dos Santos, num comunicado publicado na sua página do Facebook: “Nas últimas horas, o estado de saúde do ex-presidente José Eduardo dos Santos – internado nos cuidados intensivos de uma clínica em Barcelona – agravou-se consideravelmente. Em função deste quadro, o Presidente da República, João Lourenço, ordenou a partir de Lisboa onde se encontra em missão de Estado, que o ministro das Relações Exteriores [Téte António] viaje imediatamente para Barcelona, a fim de acompanhar ‘in situ’ e a todo o tempo, o evoluir da situação”, dizia a nota.
Entretanto, nem na hora da morte a família Dos Santos parece ter alcançado a paz. A excêntrica Tchizé dos Santos, uma das filhas do ex-presidente angolano, tem dados nas vistas, lançando acusações contra “opositores” do seu pai. Tchizé já tinha anunciado a contratação de uma advogada espanhola para impedir que se desligassem as máquinas que serviam de suporte de vida ao seu pai. O objetivo passava por reafirmar as filhas mais velhas (Isabel dos Santos e Tchizé dos Santos) como representantes legais do antigo Chefe de Estado, e impedir que a (agora) viúva, Ana Paula Lemos dos Santos, pudesse tomar essa dedcisão.
Está ainda em cima da mesa a possibilidade de serem pedidas análises sobre “possíveis envenenamentos” a José Eduardo dos Santos.
Relatos da imprensa internacional dizem ainda que a presidência de Angola estava a avançar, nos últimos dias, com os preparativos para a realização de um funeral de Estado para José Eduardo dos Santos, em Luanda, mas, também neste caso, a numerosa família do antigo presidente de Angola parece dividir-se – Ana Paula Lemos aceita; Isabel dos Santos e Tchizé dos Santos não querem (ou podem) regressar ao país. Continuará “Zédu” no centro da luta mesmo depois de morte?