A casa é o nosso bem material mais valioso, e os portugueses não dispensam esse sentimento de posse. Mas foi preciso um estranho vírus instalar-se para que as famílias passassem a ter uma real perceção das suas habitações. Serão elas suficientemente espaçosas e arejadas, com boa iluminação natural e espaço exterior para desfrutar do tão afamado sol português?
Sonhar não custa, e a procura pela casa ideal disparou nas plataformas imobiliárias, mas quem está efetivamente a comprar casa alterou as suas intenções devido à pandemia? “Nem por isso: a casa-tipo que os portugueses estão a comprar agora é a mesma que compravam neste mesmo período no ano passado, antes da pandemia”, realçou ontem Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal, durante a sua participação na I Conferência da Promoção Imobiliária em Portugal (COPIP), uma iniciativa da APPII – Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários, com coorganização da Vida Imobiliária.
“Existe hoje uma clara tendência na pesquisa dos clientes que querem comprar ou arrendar casa: procuram áreas maiores, com terraços e varandas. As moradias estão a ganhar espaço na pesquisa de imóveis na net, tal como os mercados periféricos. Mas esta procura online não está a transformar-se numa procura real dos comportamentos dos consumidores”, frisou o responsável, dando como exemplo a experiência da rede que soma mais de 3500 consultores imobiliários.
“A casa-tipo continua a ser um apartamento com uma área média na ordem dos 108 m2 (no caso das vendas) e, no caso das casas arrendadas, essa média ronda os 90 m2. Ambos os valores estão alinhados com o que se transacionava no mesmo período do ano passado. Na prática, a alteração do comportamento não se está a materializar, seja por questões financeiras ou logísticas (proximidade da casa à escola dos filhos, à base familiar, etc).
A verdade é que existe uma grande diferença entre o aspiracional e o real”, reforça ainda, acrescentando que hoje, como sempre, as famílias alicerçam as suas compras imobiliárias na alteração da estrutura familiar. “O casamento, o crescimento da família, o divórcio ou os filhos que saem de casa, são este tipo de necessidades que obrigam as famílias a tomar decisões”, diz Ricardo Sousa, adiantando que o valor médio das transações de venda em agosto situou-se nos 172 mil euros.
Este valor reflete um aumento de 8% em relação ao período homólogo, um crescimento em tempos de pandemia que o CEO da Century21 justifica com o desbloquear de operações que tinham ficado congeladas durante o confinamento, com o financiamento bancário que se mantém junto das famílias e na escassez de oferta “que continua a segurar os preços dos imóveis”.
Uma análise partilhada por Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário, empresa especializada em informação do setor, que lembra também que a pandemia “não trouxe a hecatombe de preços que muitos esperavam” e que atual situação “não replica a experiência da crise de 2008/2009”.
Dados da Confidencial davam conta de uma subida de 0,8% no preço de venda das casas em Portugal em junho face ao mês anterior, mantendo o registo dos últimos três meses, com variações em cadeia de entre 0,4% e 0,9%. Já em termos homólogos, o preço de venda subiu 13,8% em junho.
“Isto é o mercado a transmitir a ideia que acredita que num prazo relativamente razoável haverá uma solução. Não nos podemos esquecer que o mercado imobiliário português viveu um período em que se ultrapassaram barreiras que não se julgava serem possíveis de atingir. Ficámos a perceber que o mercado, afinal, valia mais do que se pensava”, apontou o economista.
Uma premissa de manutenção de preços que não se repete, contudo, nas novas dinâmicas do arrendamento. “Vender é uma solução definitiva, já no arrendamento é mais fácil tomar decisões mais flexíveis e aceitar uma descida das rendas”, diz, sublinhando que o Índice das Rendas a nível nacional tem registado um comportamento de descida, dando como exemplo a variação das rendas na cidade de Lisboa, que sofreram quebras na ordem dos 9% do primeiro para o segundo trimestre deste ano.
“Isto sim, já replica o que aconteceu na crise de 2008, e o que se está a verificar é uma migração da oferta e da procura para o mercado de arrendamento existindo uma disponibilidade para baixar as rendas”, remata ainda o responsável da Confidencial Imobiliário, lembrando que é uma estratégia “para comprar tempo” de olhos postos num regresso rápido à normalidade dos tempos pré-Covid.