Tornar o negócio da arte acessível ao comum dos mortais é o ponto da partida da ChaseArt, uma nova empresa criada nos Estados Unidos da América por um grupo de empresários brasileiros, alguns residentes em Portugal. A ideia é permitir a compra fracionada de obras de arte, oferecendo assim a possibilidade de adquirir uma parte de um quadro ou de uma escultura, sem necessidade de comprar a obra completa, como manda a lógica no mundo da arte. Comparável ao mercado de ações, é um modelo de negócio que, segundo os fundadores da empresa, vai trazer liquidez à comercialização de arte, com “riscos associados” mas também com “grandes margens de lucro” em perspetiva.
“É bom deixar claro que a ChaseArt não pode garantir que o investimento vai gerar mais-valias, porque isso vai sempre depender da resposta do mercado e da lei da oferta e da procura, mas todas as obras serão selecionadas de acordo com o seu potencial de valorização”, faz saber José Rozinei da Silva, advogado radicado em Nova Iorque, e um dos fundadores do projeto.
Numa primeira fase, a ChaseArt propõe-se a descobrir “tesouros perdidos, em mau estado de conservação ou esquecidos numa parede qualquer” para, de seguida, os submeter a estudos ou intervenções de restauro que lhes acrescentem valor, num trabalho a cargo de especialistas e laboratórios dedicados a esta “ciência da arte”. Ao longo do processo, que nos trâmites otimistas terminará, ao fim de dois anos, com um leilão e a repartição de lucros pelos “acionistas”, os interessados podem ir comprando ou vendendo frações da obra, cujo valor de mercado estará sujeito a altos e baixos como se de uma empresa cotada em bolsa se tratasse.
“Queremos democratizar o negócio da arte”, diz Rodolfo Guerra, outro fundador da ChaseArt. “Com este conceito vamos atrair investidores seduzidos pela perspetiva de rentabilidades elevadas, e não apenas os tradicionais conhecedores de arte”, antecipa este ex-cirurgião, desde 2017 a viver em Lisboa.
Falso ou fortuna?
Ele e a mulher, Andrea Guerra, abriram uma galeria de arte em Alfama, a Primner, e são os mentores da ideia, inspirada por um quadro misterioso que receberam em 2004. Desde então, encomendaram várias pesquisas sobre a origem e autoria dessa pintura, deparando-se com inúmeros obstáculos e muita demora para encontrar respostas credíveis. Uma empresa como a Chase Art, que conta com conselheiros especializados (Antonio Sgamelotti, Alberto de Tagle e Brunetto Giovanni Brunetti), era tudo o que precisariam de ter encontrado, garantem, para acelerar os passos tendo em vista a autenticação e certificação da obra.
Agora, já sabem que remonta ao século XVIII, o que só por si a valoriza, mas falta conhecer o seu autor, o “pormenor” que fará toda a diferença. O quadro está neste momento a ser investigado no Instituto de Arte Courtauld, da Universidade de Londres, com o propósito de confirmar ou descartar a hipótese de ser um original do britânico Thomas Gainsborough, intitulado The Woodman (1787). É sabido que outro original da mesma pintura, de maior dimensão, ardeu num incêndio em 1810, mas “era habitual os artistas pintarem mais duas ou três versões em tamanhos diferentes”, nota Andrea Guerra, para justificar a esperança. Se for esse o caso, valerá milhões – Gainsborough foi um dos pintores mais proeminentes do século XVIII em Inglaterra.
O portefólio inicial da ChaseArt inclui ainda máscaras artesanais do povo Chokwe, presente em Angola. A startup sediada em Nova Iorque quer promovê-las dentro de um objetivo alargado de valorização da cultura africana, cujo interesse nos Estados Unidos da América, dizem os fundadores da empresa, tem vindo a crescer em sintonia com o movimento Black Lives Matter.
Um Picasso original na parede?
Em paralelo “com a caça aos tesouros”, a ChaseArt ambiciona projetar artistas desconhecidos, proporcionando-lhes a oportunidade de comercializarem as respetivas criações, e afirmar-se como intermediária quando os proprietários – sejam indivíduos ou entidades – desejem alienar determinada percentagem das suas obras. “Desta forma o dono pode realizar a verba que precisa sem ter de vender a peça por inteiro e, por conseguinte, desfazer-se dela”, explica Rozinei da Silva. A comercialização de versões digitais de originais consagrados, seja um Picasso ou um Monet, é outra vertente do negócio que a empresa quer explorar, assim como posicionar-se como veículo facilitador de liquidez em casos de coleções de arte que se encontrem bloqueadas em processos burocráticos, por exemplo em situações de insolvência de museus ou bancos.
Toda a negociação das parcelas das obras será feita online, com recurso às novas tecnologias. As transações poderão ser realizadas através de “tokens”, ativos digitais equivalentes a ações e que, no seu conjunto, representam o total do valor da obra. O método permite a compra e venda fracionada e garante a transparência das operações, uma vez que todos os dados ficam informaticamente registados e não podem ser apagados por nenhuma das partes. Sendo cada vez mais popular no mercado financeiro, só pode ser utilizado em países que já o regulamentaram, como os Estados Unidos da América, o Japão ou a Suíça. “Estamos certos de que podemos promover o engrandecimento da arte e a inovação no mercado financeiro”, sublinha Rodolfo Guerra. De acordo com o plano da ChaseArt, o The Woodman e a coleção de máscaras Chokwe vão ser “tokenizadas” no início de 2021.
A outra possível via de investimento será através do processo tradicional de crowdfunding, que estará cingido ao mercado norte-americano, no qual se concentra “75% do investimento em obras de arte”, remata Rozinei da Silva.