Chamam-lhe Big Foot, à imagem das criaturas lendárias em quem poucos acreditavam, e cujas provas da sua existência nunca foram além de supostas pegadas, fotos de baixa qualidade e filmes mal focados. Foi a pensar nisso que, há uns anos, a guarda costeira americana deu o mesmo nome a um novíssimo tipo de embarcação especialmente concebido para transportar droga: também já tinha ouvido falar neste discreto meio ao serviço dos traficantes, embora ninguém o tivesse visto de facto. Até que há cerca de 13 anos foi capturado o primeiro do género, a mais de 150 quilómetros das praias da Costa Rica, com várias toneladas de cocaína dentro. Foi nesse momento que deixou de ser uma lenda e se tornou realidade.
De estética espartana, trata-se de uma embarcação que não faz concessão alguma ao conforto. Construída em fibra, de uma forma artesanal, tem capacidade para carregar três a cinco toneladas de droga e chega a medir cerca de 20 metros. Mas o que distingue este “narcosubmarino” dos submersíveis normais é que afunda apenas dois metros e mantém uma escotilha à superfície, permitindo-lhe ter ventilação e ainda – a sua grande mais valia – escapar aos radares. A bordo seguem, geralmente, três a quatro pessoas que, depois de largarem a droga onde pretendem, abandonam-no no fundo do mar.
Seria esse, então, o plano de quem ia ao comando do semi submersível que, na madrugada de domingo, foi intercetado junto às praias da Galiza – e a escolha daquele local para o desembarque não é totalmente alheia à intenção de, no meio da tormenta, passar despercebido. É uma paisagem caprichosa, de escarpas esculpidas pela fúria das ondas e do vento. Os seus penhascos traiçoeiros, e as tempestades, há muito que fustigam aquelas paragens, sobretudo durante o inverno. Os marinheiros chamam-lhe a costa da morte. Uma quantidade incalculável de naufrágios ao largo de toda a costa pode ajudar a explicar o resto.
Foi neste cenário que a tripulação fez várias tentativas de domar as ondas altas que alcançavam a praia, e largar a droga. Só que o plano saiu ao lado. Era noite cerrada, perto das quatro da manhã, contam os diários locais, quando a tripulação de apercebeu que tinha as autoridades à sua espera. O enorme temporal impedira já a passagem da droga para uma segunda embarcação, obrigando ainda quem seguia a bordo a fazer-se ao mar. Problemas de motor e – ou… – falta de combustível podem ajudar a explicar que tenha sido detetado antes de voltar a desaparecer no mar.
À sua espera estava uma megaoperação policial, que conjugava não só as autoridades espanholas, mas também portuguesas e britânicas, que há cerca de um mês esperavam uma entrega deste calibre. Construído junto aos rios que ligam Brasil, Guiana e Suriname – a outra hipótese é ser feito no Brasil e chegar ao oceano navegando pelo Amazonas – supõe-se que saiu da Colômbia e fez escala em Cabo Verde, antes de se fazer à costa galega.
A bordo foram encontradas cerca de três toneladas de cocaína, divididas em 152 fardos, qualquer coisa como cem milhões de euros de droga que tinham como destino o mercado britânico. Dois tripulantes, de origem equatoriana, foram detidos de imediato – mas um terceiro elemento mantém-se em fuga. Encaminhada para a ria de Aldan, a embarcação precisou depois da ajuda de duas gruas para ser retirada da água, debaixo do olhar de centenas que se juntaram depois junto ao cais, para ver o narcosubmarino de perto.
“Apreensões de droga como estas são vitais para interromper e desmantelar grupos criminosos transnacionais que traficam drogas letais e para proteger o público dos danos que viriam a causar”, classificou Tom Dowdall, subdiretor da agência britânica de combate à criminalidade (NCA), que colaborou com as organizações congéneres de Portugal e Espanha.
Será, calculam ainda os especialistas, o primeiro a ser intercetado na Europa, mas não será propriamente um pioneiro na estreia absoluta de entrega de droga deste lado do Atlântico. Ou seja, é muito provável que uma série de outros tenha finalizado a missão com sucesso – e depois sido afundado ali na zona.