OS DESCENDENTES
Era um daqueles Sábados inúteis em que não sabemos o que fazer com o dia e o dia, também, não sabe o que fazer connosco. Ora o que está vazio quer encher-se, tanto nos copos como nos tempos. Se nos copos temos o dever de seleccionar o que lá pomos, nos tempos da vida essa selecção deverá ser ainda mais rigorosa. Por isso os Sábados (como referência a qualquer outro dia da semana) despojados de projectos e/ou trabalhos são perigosos para o espírito de qualquer ser comum. E tendem a inclinar-se para recordações e outros mecanismos negativos e nocivos ao nosso bem-estar e saúde.
Portanto, era Sábado e fui ao cinema. Escolhi ver o filme do momento que tem por título “Os descendentes”. Não errei. É um filme forte, duro, real, saboroso, bom. Espero que muita gente o veja, o interiorize e o viva.
Não, não havia nenhuma cena de sexo explícito. Se é isso que procura, vá vê-lo. Havia muito amor, daquele em que o bem do outro prevalece sobre os nossos desejos ou caprichos. Se é isso que procura, vá vê-lo. Conflitos humanos nas mais variadas formas e em diferentes idades eram o seu núcleo essencial. Se é isso que procura, vá vê-lo. Se pensa que os seus pais, idosos ou não, são um fardo a descartar. Vá vê-lo. Se pensa que precisa trabalhar horas e horas sem descanso que mais tarde terá tempo para se dedicar à família. Vá vê-lo. Se esbanjar os bens que os seus antepassados preservaram é um dos seus hábitos. Vá vê-lo.
Poucas realidades mudam tanto as pessoas como a morte de alguém que muito amam. Poucos acontecimentos unem tanto a família como o sofrimento partilhado. E, nunca esqueçam: os jovens são BONS.
Uma família aparentemente feliz. Pai, mãe, duas filhas. Um acidente. A mãe em estado de coma irreversível. Um testamento Vital para ser cumprido. Avô em idade muito avançada que ampara a avó com doença de Alzheimer. Filha mais velha com namorado que aparenta estar-se “lixando” para todo aquele drama, mais propriamente “na boa”.
– Sobre o que conversam vocês? – pergunta o pai ao rapaz que tem na sua frente. – Curtimos a vida e rimos. – Não falam de coisas sérias? – Não, “meu”. – Deficiente… – Eu tenho um irmão que é deficiente. Eu não o sou. – Desculpa. – O meu pai morreu há três meses – uma lágrima a rolar. A distância entre pai e namorado da filha a encurtar-se, os corações a aquecerem, a simpatia a desabrochar. A pureza da vida a entrar pelas juntas daquele momento de descoberta. A juventude é BOA.
No meio deste drama da morte que se aguarda após terem sido desligados os mecanismos de suporte a uma vida que já se tinha esvaído – O Testamento Vital feito pela mulher deu-lhe o direito a esta dádiva de paz -, uma criança de dez anos sofre a perda da mãe. A mais velha – 17 anos(?) – vemo-la crescer num tempo terrivelmente curto e sofrido. É ela quem toma decisões, acompanha o pai em situações complicadas, aconchega a irmã de dez anos para que o seu sofrimento possa ter a suavidade possível.
Momentos heróicos, bem como actos cobardes atravessam a trama deste filme que muitos deviam ver ou ter o direito de ver. Porque contém tantas e tamanhas lições de vida que não cabem no ecrã e transbordam pela pequena sala de cinema fazendo com que o levemos connosco mesmo que não o queiramos.
Ponto 2 – Por vezes, ao olhar a parte mais bela do mundo, em particular as crianças, les amoureux, as flores, as paisagens, o mar… escrevo. Habituei-me a ter um caderno comigo, seja no bolso ou na carteira, que me é fiel para cumprir essa função que se transformou indispensável na minha vida de pensadora. Em muitas ocasiões, é mesmo a meio da noite que sou acordada pela urgência de registar o que me empurra para o acto da escrita.
Este foi ontem? Penso que sim. “Dança comigo e, enquanto a noite não acabar abraça-me, aconchega-me, acaricia os meus cabelos e ama-me verdadeiramente e sem razões. Deixa fluir os sentidos, perde a razão, esquece o mundo lá fora e deixa-me entrar no interior da tua alma como se em um só nos tornássemos. MCBrasil”
Maria da Conceição Brasil mcbrasil2005@hotmail.com
13/02/2012