Sabemos que os coalas estão a viver tempos difíceis. Há anos que sofrem com a destruição do seu habitat, ataques de cães, acidentes de automóveis. Além disso, são atormentados por doenças como a clamídia e desenvolvem até cancros, de leucemia a determinados linfomas. Ao tentarem perceber melhor como isso acontece, os cientistas encontraram aquilo que se pode chamar um laboratório natural para estudar um dos tópicos mais quentes da biologia: como é que os vírus entram no ADN de um animal e, às vezes, alteram o curso da evolução.
O alvo desta investigação passou a ser o retrovírus Koala, ou KoRV, que, resumindo, tem um pouco de proteína e também material genética da mesma família do HIV e começou a inserir-se no genoma do coala há cerca de 40 mil anos. Desde então que é transmitido de geração em geração como um gene. É também transmitido entre os animais, como uma típica infeção viral.
Nos últimos anos, os cientistas descobriram ainda que a inserção de vírus no genoma dos animais ocorreu repetidamente. Estima-se que 8% do genoma humano é composto por vírus que sobraram de infeções antigas, de há muito milhões de anos, muitas delas em ancestrais de primatas anteriores aos seres humanos.
Já o retrovírus Koala é mais incomum porque 40 mil anos representa um piscar de olhos no tempo evolutivo e porque é um processo que parece continuar. Segundo explicou agora um grupo de cientistas à revista científica Cell, foi possível mesmo ver como o sistema imunológico do genoma luta para tornar o vírus inativo, agora que se instalou no ADN do coala. A mesma equipa também relatou que esse retrovírus pode ter ativado outro ADN viral mais antigo – e toda essa atividade agita o pote das mutações e variações genéticas, aquilo a que chamamos a matéria-prima para a seleção natural.
“A genética dos coalas é uma mina de ouro”, classificou já William Theurkauf, professor de medicina molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts e um dos autores do estudo, citado pelo The New York Times. “O que eles estão a passar é basicamente o processo que impulsionou a evolução de todos os animais do planeta.”
Por exemplo, foi-lhes possível observar como as infeções virais do passado levaram a grandes mudanças evolutivas – veja-se o caso daquele gene absolutamente essencial para a placenta e que foi derivado da casca de um vírus de há milhões de anos. “Os humanos não existiriam sem essa infeção retroviral antiga”, sublinhou o especialista.
É por tudo isto que os coalas estão a chamar a atenção de muitos cientistas que, pelo tipo de investigação que fazem, nunca teriam qualquer interesse no animal ou na sua conservação. “Sempre usei a mosca da fruta”, reconheceu Theurkauf, que se interessou pelo caso depois de ler um estudo sobre esta invasão do genoma do coala pelo retrovírus.
Era uma investigação assinada por Rachel Tarlinton, que começou a carreira como veterinária na Austrália e tinha algum interesse nas doenças infeciosas que se manifestavam na vida selvagem. Acabou por se envolver no estudo da genética dos coalas por causa do problema da clamídia – e também porque o lhe chamara a atenção o trabalho que um colega seu andava a fazer.
Jon Hanger, esse veterinário que há algum tempo trabalhava como investigador independente, tinha notado que havia taxas de mortalidade muito altas por causa de doenças como a leucemia e outros tipos de cancro desenvolvidos por coalas que viviam em zoológicos.
Foram as suas pesquisas iniciais que permitiram agora confirmar que era o retrovírus Koala que estava a causar alguns desses tumores – e, além disso, não estava apenas a infetar os animais, mas também parte do seu genoma. “É evolução em tempo real”, como remata Therkauf.