Um segundo referendo? Uma vaga de fundo contra o Brexit? É num destes cenários que aposta Tony Blair, num regresso algo inesperado e muito criticado por todos os quadrantes políticos. O antigo primeiro-ministro, entre 1997 e 2007, desafiou os britânicos a “erguerem-se” e a procurarem uma “saída da beira do precipício” que é o divórcio com Bruxelas.
Num discurso para o grupo europeísta Open Britain, esta sexta-feira, Blair assinalou que o voto em referendo dos britânicos deve prevalecer, mas sublinhou que quem preferiu o “sim”, 51,9% dos votantes, desconhecia ainda quais os termos das negociações do Brexit – negociações que devem ter início em março quando Londres acionar o artigo 50º do Tratado de Lisboa. Este deve ser o ponto de partida, segundo o antigo líder trabalhista, para uma decisão informada e definitiva dos britânicos sobre o seu futuro fora (ou dentro) da União Europeia (UE).
“Quando os termos da negociação ficarem claros, os cidadãos têm o direito de mudar de ideias. E a nossa missão é que o façam”, disse Blair, antes de notar que o voto no referendo de 23 de junho foi baseado no “conhecimento imperfeito” das desvantagens do divórcio. E que hoje é claro que o caminho já não é sequer um ‘hard Brexit’ (saída dura) mas um “Brexit a qualquer custo”. A nova cruzada de Blair passa, agora, por expor quais são os verdadeiros custos do processo de saída, prevista para 2019/2020. O argumento pode convencer os que hoje, perante os novos cálculos dos prejuízos e a deriva isolacionista, têm cada vez mais dúvidas ou aqueles que acreditam que Theresa May está refém da ala mais radical do partido conservador (tory) ou dos próprios eurocéticos do Ukip. “Não sei se conseguiremos, mas sei que enfrentaremos um veredicto rancoroso das futuras gerações se não o tentarmos”, disse.
Com excepção dos liberais-democratas (lib-dem), que pela voz do líder Nick Clegg disse concordar “com todas as palavras”, o discurso de Blair acabou por ser muito criticado. O Brexit é hoje um “compromisso absoluto” da nova inquilina de Downing Street, Theresa May, e conta também com o apoio do parlamento britânico, incluindo uma parte significativa da ala trabalhista. “Desafio os britânicos a erguerem-se e a desligarem a Tv a próxima vez que Blair regressas com a sua campanha condescendente”, ironizou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson. “Arrogante” e “completamente alienado da realidade, tal como os seus amigos da élite”, reagiu o antigo líder conservador Iain Duncan Smith. Já o líder dos eurocéticos, Nigel Farage, desvalorizou as palavras de Blair, “um homem do passado”.
A reputação de Blair, mentor político da ‘terceira via’, sofreu vários golpes nos últimos anos com a fortuna que acumulou como consultor de bancos de investimento, como o JP Morgan Chase, ou de regimes controversos, como o cazaque. Uma parte dos trabalhistas nunca lhe perdoou o seu apoio a George W. Bush na invasão do Iraque em 2003, pela qual pediu “desculpas” no ano passado. Foi o primeiro ensaio de um regresso político e a batalha pelo Brexit promete ser o segundo. Ainda resta vida política a Blair?