Nos anos da crise, Portugal tornou-se uma espécie de El Dorado para as empresas mineiras de pequena dimensão – as chamadas companhias juniores. O anterior Governo, com Álvaro Santos Pereira na pasta da Economia, desenhou uma estratégia para atrair investimento e acelerar a exploração mineira, que foi retomada pelo Executivo atual. Beneficiando da subida das cotações do minério, a atribuição de novas licenças para prospeção e pesquisa de ouro, prata, cobre, zinco, ferro, tungsténio, volfrâmio e lítio decorreu, durante muito tempo, a um ritmo quase semanal. Os resultados estão à vista: nos últimos 30 anos, nenhuma mina nova foi aberta em território nacional. A última foi a mina da Somincor, concessionária da jazida de cobre, zinco e estanho de Neves Corvo desde 1989.
O que é que correu menos bem? Olhando para o mapa mineiro do território nacional, encontramos reservas geológicas ainda por conhecer, licenças de prospeção e pesquisa – e até de produção – atribuídas sem concurso, concessões “retalhadas” e de pequena dimensão geográfica, negócios mal explicados entre empresas que comercializam licenças entre si, obrigações contratuais que não são cumpridas nem fiscalizadas pelo Estado, licenças “cassadas” ou devolvidas depois de muito dinheiro gasto em pesquisa, e, até, alguns casos de polícia.
Mas a tradição ainda é o que era e, no caso do setor mineiro, remonta ao tempo dos romanos.
Apesar da pobreza dos recursos conhecidos, dezenas de empresas mineiras de pequena dimensão, com muito capital humano mas sem capital financeiro, têm respondido à chamada dos últimos governos. Chegam, pedem as licenças ao Estado, contratam técnicos locais, alugam ou trazem equipamentos e iniciam a prospeção. Os alvos são a faixa piritosa ibérica, que une o Alentejo à Andaluzia espanhola, e que já revelou o rico filão de Neves Corvo (cobre, zinco e estanho), e as regiões norte (Trás-os-Montes) e centro (Beiras) do País (ouro, prata, tungsténio, ferro e, mais recentemente, lítio).
Para além das facilidades concedidas no subsolo português, estas companhias juniores, de países como a Suécia, o Canadá ou a Austrália, ainda obtêm algum alívio na fatura fiscal emitida nos seus países de origem durante os anos que cá passam – acabando sempre por causar preocupações adicionais aos ambientalistas e criando expectativas à população com a oferta de empregos.
Se a pesquisa conduz a resultados animadores e as cotações estão em alta, as juniores partem para o “fund raising”, ou seja, a angariação do dinheiro necessário ao arranque da exploração mineira, geralmente vendendo parte ou a totalidade do seu capital em bolsa. É capital de risco, puro e duro, e é aqui que muitas têm falhado. Se a operação não corre bem, abandonam terrenos, equipamentos e ausentam-se deixando, por vezes, salários por pagar e dívidas por liquidar a fornecedores e ao Estado.
Colt evaporou-se
A última “deserção”, já com processo de insolvência nos tribunais portugueses, foi a da Colt Resources. Fundada no Canadá, veio para Portugal na viragem da década atrás das concessões de tungsténio em São Pedro das Águias (Tabuaço) e Trevões (São João da Pesqueira) e de ouro em Penedono (Viseu), Montemor-o-Novo e Boa Fé (Évora). Os planos para a exploração de tungsténio em Tabuaço avançaram a bom ritmo. A Colt adquiriu na região a Quinta do Convento de São Pedro das Águias, futuro centro nevrálgico de um vasto projeto que iria juntar a atividade mineira, vinhateira, turística e patrimonial.
O projeto dos canadianos apontava para a conciliação da exploração mineira no subsolo com a produção de vinho, azeite e fruta à superfície, a par da criação de infraestruturas hoteleiras que iriam permitir alojar turistas num mosteiro classificado do século XII.
Os contratos com o Estado foram assinados em 2013 e os trabalhos iniciaram-se de seguida. No final desse ano, quando Carlos de Carvalho foi eleito presidente da Câmara de Tabuaço, o futuro da terra, com 6 mil habitantes, era bastante animador: a Colt prometia um investimento de 100 a 150 milhões de euros e a criação de 200 postos de trabalho diretos e 800 indiretos. A jazida de tungsténio revelara-se mais rica que o esperado, com teores de minério superiores aos dos melhores anos da Panasqueira – uma das três minas ainda abertas em Portugal –, o que a colocava entre as maiores da Europa. “O CEO da Colt vinha a Portugal regularmente e dava-nos conta dos resultados do ‘fund raising’ que andava a promover”, contou o autarca à VISÃO.
Mas, no último ano e meio, o entusiasmo dos canadianos “esmoreceu”. O contacto com a empresa, antes regular, tornou-se esporádico, os acionistas mudaram, o CEO foi substituído e os funcionários foram saindo da empresa, com salários em atraso. A Quinta do Convento foi posta à venda e as concessões estarão em fase de reversão para o Estado português, por incumprimento contratual. Atrás de si, a Colt deixa um rasto de dívidas – aos trabalhadores, fornecedores, ao fisco e à Segurança Social – que fontes conhecedoras do processo estimam em 1,2 milhões de euros. O dinheiro terá sido “desviado” para um projeto mineiro na Turquia, que se terá revelado um embuste.
A Eurocolt, empresa criada em Portugal pelo Colt, está insolvente e não dispõe de ativos para pagar as dívidas, já que as licenças foram atribuídas a outras empresas da cascata de sociedades criada em Portugal – e que estarão já a “vender” uma parte das concessões. Em junho, a canadiana Avrupa Minerals, dona de várias concessões em Portugal, informou o mercado sobre um reforço na concessão de Alvalade, no Alentejo, através da transferência da parte anteriormente detida pela ex-sócia Colt Resources.
Contactada pela VISÃO, a Direção Geral de Energia e Geologia, entidade que tem como missão a promoção, desenvolvimento e exploração dos recursos mineiros, não prestou em tempo útil informação sobre o número e o estado das concessões atribuídas.
Juntar as concessões
O autarca de Tabuaço não esconde a sua “frustração”, por ver que “um projeto com um potencial único não se concretizou por causa da má gestão de uma empresa”. Dando conta dos seus esforços, junto da tutela, para que seja aberto um concurso para voltar a atribuir as licenças da Colt, garante que “interessados não faltam. Espero que os próximos sejam melhores”. E conta que ele próprio já se deslocou à China para atrair grupos mineiros.
A escassas dezenas de quilómetros de Tabuaço, outro grupo de capitais canadianos – a W Resources, ex-Iberian Resources – avança para o desmonte experimental de tungsténio em Armamar (Viseu), enquanto tenta superar as dificuldades de financiamento e também de obtenção das autorizações “encalhadas” há um ano na Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional. Assumindo o interesse na concessão de Tabuaço, a W Resources quer tirar partido da proximidade geográfica entre os dois projetos, através da instalação de uma única lavaria para concentração do minério e ainda de uma unidade de transformação do tungsténio, inexistente em território nacional. Assim, ganharia a massa crítica que parece estar a faltar para que uma nova mina possa nascer, finalmente, em Portugal.
(Artigo publicado na VISÃO 1271, de 13 de julho de 2017)