O depoimento foi revelador: o proprietário de um restaurante contava, num canal de notícias, que, em dezembro de 2011, pagara cerca de 2 mil euros de IVA. Em janeiro, com a nova taxa de 23%, o valor atingiu quase o dobro. E o restaurante fechou. O Estado ficou, assim, sem receber o valor de antigamente e, muito menos, a nova verba. E a receita baixou. Os relatos de histórias similares sucedem-se e o desemprego na restauração alastra. Ora, se o Governo, que costuma dar um passo em frente e dois atrás, se mantém, nesta matéria, irredutível, contra a lógica aparente, é porque tem uma razão secreta. Se a taxa de 23% acaba por diminuir a receita, por causa das falências; se o consumo baixa, contribuindo, também, para essa diminuição; e se o desemprego sobe – que vantagem vê o Governo nesta teimosia?
Eu tenho uma tese. Quando foram chamados por Passos Coelho, Vítor Gaspar, vindo de Bruxelas, e Álvaro Santos Pereira, chegado do Canadá, aterraram, ambos, à hora do almoço, em Lisboa. E deram uma volta pela cidade. Em cada esquina viram um “tasco”. E em cada tasco, sala cheia. E levaram, horrorizados, as mãos à cabeça: “Mas esta gente não trabalha?!” A razão do IVA a 23% é simples: o Governo acha que a proliferação de restaurantes, bares, snakes e pastelarias que servem almoços é um entrave à produtividade!
Vindos de países onde não se almoça – as pessoas tomam um bom pequeno almoço, de preferência em casa, e comem uma sanduíche ao princípio da tarde – e de cidades onde é preciso andar quilómetros para encontrar um restaurante, raramente barato, Gaspar e Álvaro depararam-se com um país onde há uma tasca em cada esquina e em que as pessoas comem, frequentemente, sentadas. Ora, o Governo quer mudar os nossos hábitos culturais. Mas não o assume nem o confessa. Assim, pela via torpe da subida do IVA, asfixia um setor onde considera haver empreendedorismo a mais. Porque, em Portugal, quando alguém pensa em abrir um negócio, o primeiro de que se lembra é de um café. Ou de um restaurante.
Esta é a razão secreta, caro leitor. Só pode ser. Não há outra explicação. A razão para se manter o IVA a 23% é ideológica. O alegado prejuízo para o setor do Turismo está controlado: mesmo com o IVA a 23%, Portugal continua a ser o país mais barato para comer fora, mantendo os preços ao alcance das bolsas de qualquer turista. Mas os portugueses devem rever os seus hábitos alimentares, os seus biorritmos e os seus níveis de produtividade: ninguém se concentra depois de um cozido regado a vinho.
O holandês Gerrit Komrij, radicado em Portugal, escreveu o livro Um almoço de negócios em Sintra, onde faz um retrato certeiro do modo de ser português. Um dos pormenores mais deliciosos que descreve é esta mania de resolver tudo com um almoço: reuniões, negócios, entrevistas, contactos. Sigamos os traços da sua caricatura: “Com docilidade, dirigimo-nos ao ritual que, do meio-dia às quatro, se apodera de Portugal inteiro: o almoço de negócios. Um almoço de negócios, em Portugal, é uma comezaina de cinco pratos diariamente repetida, que precede outra quase idêntica – essa, das sete às onze da noite – em que o último prato apresenta o atrativo de com ele se nos varrer totalmente o género de negócios que nos levara a reunir-nos.”
Pois, talvez Isabel Jonet tivesse muito a dizer sobre isto. Mas essa está feita ao bife.