As crises de adolescência de Angola explicam-se pela forte relação epidérmica e emocional que os angolanos continuam a ter com Portugal. E que os portugueses ainda mantêm com Angola. O problema de Portugal, que tem, sem dúvida, a principal quota-parte de responsabilidade neste amor-ódio, é que a sua postura oscila entre a atitude do pai severo e intransigente e a do progenitor permissivo, ou mesmo babado, encantado com as gracinhas do pequeno. A diplomacia portuguesa nunca soube praticar uma política realmente saudável, e adulta, com o rapaz que saiu de casa demasiado cedo, sem estar preparado para a vida, e aprendeu a dura realidade entre rixas de beco, passando fome. E que agora emerge do basfond onde cresceu, novo rico, talvez arrogante, mas senhor de si, confiante, sentindo-se dono do mundo. Na verdade, Portugal nunca teve uma conversa de homem para homem com Angola.
Esta relação familiar turbulenta, às vezes esquizofrénica, feita de abraços e jantares de família, mas também de amuos e chantagens emocionais, teve mais um episódio, esta semana, com a birra do Presidente José Eduardo dos Santos (JES), que ameaça não prosseguir a projetada “parceria estratégica” – o que quer que isso seja. A ditadura da diplomacia económica obrigou a que, nesta família, se passasse a falar, apenas, de dinheiro. E Angola pode ajudar a pagar o lar ao seu cansado pai, mas quer que o velho não lhe imponha regras. E uma das regras mais estranhas para quem cresceu entre brigas de rua é a da divisão de poderes. Na rua, manda o mais forte. JES tem assento, no seu Conselho de Ministros, numa cadeira mais alta que as dos outros, e olha de cima para baixo. Os angolanos tornaram-se pragmáticos, frios e desconfiados. Durante algum tempo, o seu interlocutor privilegiado, em Portugal, foi Miguel Relvas. Mas umas caricaturas, publicadas no Jornal de Angola, sobre a sua licenciatura, indicaram, a certo momento, que o ministro português tinha caído em desgraça. Se o governante se desacreditava em Portugal, deixava de ser útil para Angola. Paulo Portas, então ministro dos Negócios Estrangeiros, penava para ser recebido no Futungo de Belas, depois de ter privilegiado conversações com outras entidades menores. Um angolano amigo aconselhou-o a dirigir-se sempre a Deus, ou seja, a JES. E tudo se tornou mais fácil, para ele, desde que Relvas foi apagado.
Os angolanos querem saber quem manda. E, aos seus olhos, em Portugal, todos mandam: o Presidente da República, o primeiro-ministro… a procuradora-geral da República! Angola não é bem um Estado de direito como os europeus o entendem, o que não quer dizer que não seja um Estado legítimo, à luz de outros padrões. Sabemos que Angola se tornou um Estado cleptocrático, com altos níveis de corrupção – e falamos disso, como se fosse uma originalidade, no quadro africano. Mas do que os angolanos se queixam não é das lições de moral do antigo encarregado de educação, cuja herança, no plano dos princípios morais, não é elogiável. Os angolanos queixam-se de paternalismo – e esse é um problema político. Portugal deve investigar dirigentes angolanos que prevariquem, no nosso território, à luz das nossas leis. Mas, para isso, as instituições devem estar solidárias, para que os angolanos não vejam na “divisão de poderes” uma erosão do poder. É por isso que os atabalhoados pedidos de desculpas diplomáticas de Rui Machete foram a principal causa da crise. Perante isto, o ministro não pode ser mantido no cargo.