Paulo Macedo é um quadro competente, que entrou no Ministério da Saúde como tinha entrado, há uns anos, na Direção-Geral dos Impostos: com uma missão. Na altura, foi imparável na recuperação da receita fiscal e hábil na motivação do pessoal sob a sua liderança. Destacado para o lugar, vindo do setor privado, auferia, naturalmente, mais do que qualquer dos seus congéneres da Administração Pública. Mas ele, que deu a ganhar ao Estado milhões de euros, merecia cada cêntimo. Não admira que, com tal currículo, fosse escolhido, a dedo, por Pedro Passos Coelho, para pôr cobro aos desmandos financeiros e orçamentais do crónico buraco negro chamado Ministério da Saúde. Chegado às instalações da Crisóstomo Teixeira, fez contas e chegou à óbvia conclusão de que estava a lidar com um mundo incontrolável de desperdícios. E levou as mãos à cabeça: o setor da Saúde era sistematicamente suborçamentado. A despesa crescia sem controlo, todos os anos. De todo o Governo, era a pasta mais difícil de dominar e onde os interesses corporativos eram mais poderosos. Assim, não se limitou a combater – e bem – o desperdício. Encostou à parede alguns setores do lóbi farmacêutico e da indústria e racionalizou a oferta no SNS, fechando alguns serviços excedentários e fundindo outros. Isto inclui a Maternidade Alfredo da Costa – razão lhe será dada, no futuro. E esta foi a parte boa.
Mas Paulo Macedo é um elemento estranho ao chamado Estado Social. Não lhe ocorrerá que o facto de não ter mais dinheiro para a Saúde se deve, não a uma inevitabilidade de ameaça de falência do sistema, mas a opções políticas, como (se quisermos dar um exemplo) a da canalização de verbas para o BPN ou à brandura na taxação fiscal de setores poderosos da Economia, tradicionalmente protegidos por governos liberais. Em vez de gastar bem os recursos, na perspetiva da defesa do utente, encarou aquela máquina como um negócio ruinoso. Aumentou, então, as taxas moderadoras, proporcionando aos hospitais privados a hipótese de se tornarem concorrenciais com o Estado, o que revela uma intenção – e uma agenda. O último episódio é sintomático: finalmente, contorna a necessidade de contratar enfermeiros com a subcontratação de “serviços de enfermagem”. Resultado, o País acordou chocado com a notícia de que cada um destes profissionais qualificados virá a ganhar menos de quatro euros por hora de trabalho. E a pergunta que deve ser feita ao ministro, neste momento, é a seguinte: “Senhor ministro, quanto ganha a sua mulher a dias?”
A desvalorização dos custos do trabalho é uma ideia recuperada do liberalismo dos séculos XVIII e XIX. O aumento do desemprego serve esta cartilha de forma exemplar, ao fragilizar o trabalhador, aumentando a procura de trabalho e, consequentemente, reduzindo a oferta remuneratória. A flexibilização laboral, a nova lei dos despedimentos, a precariedade crescente serve esta agenda como nenhuma outra reforma. E esta agenda, que não foi inventada em Portugal, mas imposta de fora, pela troika e pela Alemanha, dá nova atualidade à expressão marxista com que os velhos comunistas ainda enchem a boca: trata-se de “exploração do homem pelo homem”. Os nomes nos bois.
É por isso que a resposta de Paulo Macedo à pergunta acima enunciada é tão importante. Para ficarmos todos a saber que – conforme estou convicto – o ministro não explora a sua empregada doméstica.