O “Dragonite” Durão é do melhor que há no jogo. Do tipo dragão, vai deitando fogo ou, pelo menos, queima-se. Já o “Gyarados” Costa é um dos difíceis. Dá imenso trabalho e é do tipo água, isto é, por vezes, mete água. Mas ao contrário do “Charizad” Passos, ele usa o “Pikachu” Marcelo que é, provavelmente, o mais popular – e é do tipo elétrico, ainda por cima.
E tudo isto foi o que pudemos apurar sobre o atual estado do novo jogo da caça aos pokémons, lançado por António Costa na sua mais surpreendente declaração pública desde que nos apresentou uma simpática vaca voadora.
O primeiro-ministro sugeriu ao líder da oposição que, à falta do “diabo” anunciado para setembro, se dedicasse a procurar pokémons. Assim, Portugal torna-se, quase de certeza, o primeiro país do mundo a introduzir o popular jogo, bem como os não menos estrepitantes bonecos, no debate político.
Na verdade, os pokémons citados no início deste texto fazem parte da primeira geração. E como bem sabem os jogadores que andam pelas ruas, como maluquinhos, de rabo para o ar e telemóvel em punho, estes são os únicos que entram no jogo, pelo menos por enquanto. Os das gerações seguintes não têm entrada: somos nós. E nós é que somos caçados.
Não fazemos ideia como se caçam pokémons. De caçadeira? Zagalotes? Armadilhas dentadas? Ratoeiras para gambozinos? Para facilidade de expressão, podemos usar vários destes meios. Agora vejam o jogo:
Um ex-presidente da Comissão Europeia assume um lugar de topo no Goldman Sachs, instituição financeira que, entre outras, é dada como tendo contribuído para a eclosão da crise de 2008. O seu papel no mascarar da dívida grega, por exemplo, terá causado perdas de milhões aos pokemons europeus, ou seja, os contribuintes da zona euro – e até da outra zona… Almas mal intencionadas diriam que o Goldman Sachs foi buscar uma pessoa de confiança, premiando-a por serviços prestados. Não é o nosso caso. O que se passa é algo perfeitamente normal e acontece lá fora, como cá: alguém com a experiência de Durão – os segredos que conhece e os contactos que detém – pode ser considerado muito útil para ajudar o Goldman a continuar a fazer negócios. É um facilitador precioso. Mas há um pequeno problema: foi como se um hacker informático, dedicado a devassar os segredos do Pentágono, fosse contratado pelo próprio Pentágono para usar esse talento, agora a seu favor. É mais ou menos isto – mas ao contrário. Durão passa para o lado dos hackers: toma lá mais um tiro de caçadeira nos pokémons de Bruxelas.
Isto foi o anterior presidente. E o que dizer do atual? Numa imitação rasca de uma velha tradição americana, Junker decide fazer um discurso sobre o “estado da União”. E do que é que esperamos que ele fale, que alertas ou sugestões lançará, que remédios tem na manga, que puxões de orelhas pretende aplicar? A primeira referência que deve ter é: a UE está agora mais forte ou mais fraca que antes (depois da saída de um dos seus principais contribuintes)? A segunda referência é: o mais grave problema é ou não é a crise dos refugiados? O que fazer para a enfrentar? A terceira referência é: há ou não há alguns problemas de exercício da democracia em países da União, a começar pela Hungria? A quarta referência é: a crise das dívidas soberanas está ou não a ser resolvida? Ufa, até nos falta o fôlego. Um discurso sobre o estado da União deve dar pano para mangas. Ouve-se Jean-Claude Junker e o que concluímos? Bem, nada. Não concluímos nada. Nada disto existe, nada disto é triste, nada disto é fado. Os pokémons europeus afundam-se na ratoeira, suspensos de pés para cima e cabeça para baixo.
Agora uns pokémons mais domésticos: em Bratislava, Mário Centeno assume como nunca aquele seu ar comediante, tipo Jerry Lewis, e fala tranquilamente no resgate: a sua principal tarefa é tudo fazer para que ele não seja necessário. Perdão? A sua primeira tarefa era ficar calado. Nós ouvimos vezes sem conta o ministro do resgate, Teixeira dos Santos, dizer, mais coisa menos coisa, exatamente as mesmas palavras. E fomos caçados pela armadilha dentada da tróika. Se voltarem a perguntar-lhe, o melhor é dizer que é mais provável apanhar um pokémon de carne e osso do que haver um novo resgate. Pelo menos, alinha o seu discurso pelo do chefe do Governo.
Por estes dias, em que o primeiro-ministro manda a oposição bugiar – isto é, caçar pokémons – lembramo-nos do bolo rei de Cavaco. Foi a sua forma de evitar um assunto e fugir a perguntas incómodas. Ora, os pokémons são o bolo rei de António Costa.
Pelo menos, não engordam tanto.