Na semana passada foi o Urban Beach. De gente decente e honrada, os seus proprietários passaram a ilustres culpados por todos os males do mundo: a violência na noite, claro, mas também a fome crescente em África, o drama do aquecimento global, o perigo que constituem as brincadeiras nucleares de Kim Jong-un, a preocupante adicção sexual que alastra em Hollywood ou os, digamos, inventivos penteados de Cristiano Ronaldo.
Espremida a teta mediática do caso Urban, os novos inquisidores da internet viraram-se para a Web Summit, um evento cuja qualidade é inversamente proporcional ao nanismo moral e intelectual dos que o criticam, sem que lá tenham metido os pés. De repente, Paddy Cosgrave, o cidadão irlandês que decidiu trazer para Portugal a maior e melhor conferência mundial sobre tecnologias, passou de Messias aclamado a pária encartado. Motivos? Aparentemente dois: o facto de ter organizado uma insignificante reunião para “parolos” com tiques de “novo-riquismo” e a circunstância de ter decidido sentar o traseiro – o seu e o de mais umas centenas de geeks – numa mesa montada em pleno Panteão Nacional, lado a lado com figuras do calibre de Vasco da Gama, do Infante D. Henrique ou Luís de Camões.
Sobre a primeira alegação, talvez seja interessante recordar ao rebanho viral que se reproduz nas redes sociais os nomes de alguns dos que marcaram presença na Web Summit: Stephen Hawking, o físico conhecido pelos seus tiques de novo-rico; Al Gore, que todos sabemos ser um ambientalista fútil; Mike Massimino, um astronauta obviamente deslumbrado; Alfie Deyes, um fenómeno superficial do YouTube, ou Brad Parscale, o inconsequente mentor de toda a estratégia digital que deu a vitória a Donald Trump nas eleições americanas.
Quanto à segunda – a que respeita ao traseiro irlandês do senhor Paddy –, percebo a alegação, com a qual tendo a concordar, mas desprezo a argumentação mais vulgarmente utilizada, por resultar da ignorância multiplicada ao infinito pela turba ovina, segundo a qual é um atentado à dignidade do Estado o facto de se jantar a uns metros dos restos mortais de Camões e companhia. Tenho uma notícia para os inquisidores: os restos mortais de Camões não estão ali, é tudo a fingir, meninos!
Dito isto, admito que também acho lamentável o aluguer de património nacional para repastos, casamentos ou baptizados. Lamentável, sim, mas ainda assim menos trágico do que assistir ao triste espectáculo de um Governo que, face a um qualquer caso público, ou se esconde – fê-lo no escândalo das viagens da Galp, nos fogos, na questão de Tancos… – ou reage em função dos autos de fé em curso nas redes sociais. Perante a fúria cega dos indígenas, impunha-se que António Costa fosse sereno, corajoso, pedagógico – mas talvez seja pedir-lhe muito, porque nesta fase dos acontecimentos tudo indica que o primeiro-ministro, de tanto o seguir, tornou-se membro do rebanho. E, como bem escreveu Camões, entre ovelhas é fraqueza ser leão.